A beleza da vida é a forma como gastamos cada momento do nosso fatídico dia, minha família, embora não seja o melhor exemplo, ainda é uma das famílias nobres mais respeitadas e conceituadas de toda a França.
Meu bisavô deixou uma grandiosa fortuna, além da forte influência naval que o sobrenome Willians carrega. Mas é o comércio que me traz prestígio, as especiarias estão em alta em toda a França e sempre faço questão de trazer novidades que causam agitação em toda a nobreza.
Gosto do oceano e como ele me faz me sentir livre.
Em minha última estadia, recebi uma carta do meu pai, exigindo minha presença com certa urgência. Temi que a idade já avançada o levasse, e como um bom filho, resolvi acatar sua ordem e retornar.
Meu irmão sempre me acompanha em minhas viagens, mas nunca quis aproveitar os prazeres da vida, segundo ele, está destinado a apenas os desfrutar com sua esposa.
Não entendo o motivo desta decisão, para que esperar o casamento e ter apenas uma única mulher, se pode ter várias em cada canto, sem necessariamente se prender a alguém. Não que minha posição social não permita me casar, pelo contrário, por ser o primogênito devo tomar uma esposa e ter vários filhos para perpetuar meu sobrenome.
A viagem de volta foi calma e rápida à sua maneira.
Sei que meu irmão conheceu uma dama em um dos grandiosos bailes do condado da grande Londres.
Admito que não frequento estes bailes tediosos, prefiro bailes maiores e repletos de majestosidade, além do mais, nesses bailes as moças caça-dotes escolhem maridos ricos.
Quando nosso navio atraca no porto, solicito que os empregados descarreguem as mercadorias e deixem sir Thomas conferir e contar tudo que trouxemos. Depois será aberto para venda dos produtos restantes através de lances.
Os itens mais valiosos serão levados uma parte para minha residência e outra para as lojas que já solicitaram uma lista detalhada do que desejam, tudo está perfeitamente destinado.
Os responsáveis pela entrega das especiarias e recolhimento das libras após a entrega, irão para minha residência entregar o que lhes foi pago pelas mercadorias e receberão o que lhes é devido para serem também entregues aos demais empregados do navio.
Gosto de conferir cada peso em ouro para que nada seja perdido nem afanado.
Resolvo alugar uma carruagem e ir direto para nossa residência, ela fica um pouco longe da cidade e agradeço imensamente por isso.
A propriedade possui campos vastos, um lago enorme e a calmaria necessária para revigorar após um longo dia de trabalho, pois a vista acalma e agrada aos olhos.
Quero ver como está minha mãe e saber o motivo de tamanha pressa do meu retorno pela parte de meu pai.
Quando chego, sou recebido por minha mãe que nos abraça feliz, ela é um doce de pessoa e gosta imensamente de meu pai, mesmo que ele não a mereça.
- Meus meninos! - diz feliz nos abraçando em seguida. - Senti tanta a falta de vocês! - Nos guia para dentro e pede que nos sirvam suco.
O sol está quase em seu ponto mais alto e em breve será servido o almoço.
- Pare de bajulá-los, minha esposa, já são homens! - meu pai diz sem qualquer emoção.
- Vejo que está muito bem de saúde - respondo secamente e ele ignora.
- Vamos, meus filhos, quero conversar seriamente com ambos em meu escritório.
Minha mãe intervém, o repreendendo:
- Meu marido, eles acabaram de chegar, acredito que isso possa ser discutido depois do almoço. - Cruza os braços demonstrando seu desgosto.
- Acredito que a mãe de vocês às vezes esquece que eu mando nesta casa.
Ela revira os olhos e responde sem cerimônia:
- O senhor meu marido esquece quem esquenta suas noites.
Noto o rosto do meu pai ficar vermelho, sei que ele está irritado devido à forma como minha mãe falou com ele.
- Minha esposa, não é horário nem lugar mais apropriado para debater isso - diz visivelmente alterado, tanto que minha mãe abaixa o olhar.
- Sim, senhor meu marido, perdoe minha intromissão.
Minha mãe sempre foi um doce de pessoa, mas foi ensinada a ser submissa ao marido, o que faz com que meu pai se aproveite disso e ela se curve aos seus caprichos calada.
- Mais tarde conversaremos, minha esposa. - Ele sai sem ao menos nos cumprimentar direito, não sei até hoje como minha mãe o atura, aceitando tudo que ele faz conosco sem interferir.
- Desculpem seu pai, ele não sabe expressar bem seus sentimentos...
- Nunca soube, jamais nos amou, apenas nos viu como herdeiros que fariam tudo que ele deseja. Mamãe, me perdoe - peço gentilmente. - Não quero falar sobre ele...
Somos interrompidos por minha doce e inocente irmã, lady Stefany, que desce as escadas saltitando e se joga em meus braços em sinal de alegria.
- Meu irmão, senti tanto a sua falta.
Embora meu pai nunca soube demonstrar carinho por mim ou por Nathan, quando minha irmã nasceu, ele a tornou sua preferida, fazendo todas suas vontades e a mimando em todos os sentidos, mas nunca senti ciúme disso, minha irmã não é como aquelas moças fúteis da corte, ela é doce, gentil e ingênua, mostrando toda a sua gentileza sempre.
Ela, algumas vezes, salvou a mim de levar uma surra sem nenhum motivo, apenas se colocando em minha frente, chorando e implorando para que meu pai não a magoasse. Mesmo a contragosto, meu pai fazia tudo por ela.
- Minha pequenina!
Desce de meu colo e se joga nos braços do meu irmão.
- Não sou tão pequenina assim! - diz alegremente.
Meu criado entra com dois pacotes de presente e posso ver os olhos de minha irmã brilharem.
- São para mim? - pergunta suavemente.
- Sim, é a última moda na França e confesso que é deslumbrante.
Ela corre até o criado, que coloca os pacotes no sofá e vai buscar os da minha mãe.
É fácil agradá-la, tudo para ela é lindo, até mesmo uma flor.
- É lindo, meu irmão! - diz retirando o vestido azul e o rodopiando preso ao corpo.
Abre em seguida o outro presente e é um lindo enfeite de cabelo em formato de borboleta.
- Para combinar com o vestido.
O suco é servido e começamos a contar o que fizemos nos últimos três meses, é claro, que alguns detalhes de como passava minhas noites é esquecido, há coisas que não devem dizer a uma dama.
Pouco tempo depois, o almoço é servido e nos sentamos à mesa, esperando nosso pai se juntar a nós.
Minha mãe detesta atrasos quando o assunto são as refeições, para ela é algo sagrado.
Quando ele entra na sala de jantar, noto que está sério, não nos dirige à palavra e comemos em silêncio, em uma completa e rara paz.
Minha mãe, sabendo do nosso retorno, mandou fazer vários pratos saborosos.
Nossas cozinheiras são perfeitas e têm as famosas mãos de fadas.
Pouco depois, a sobremesa é servida, e claro, mamãe pediu para fazerem aquele doce de chocolate que adoro.
Meu pai desaprova que uma mulher mime seus filhos homens, para ele é sinônimo de fraqueza, mas para mim é sinal de ser uma boa mãe.
- Já que estamos todos aqui, tenho uma decisão a compartilhar - diz meu pai seriamente e começa a olhar em demasia para mim, o que não é bom sinal. - Como sabem, nosso filho mais novo está enamorado de uma boa moça. O cortejo está acontecendo há algum tempo, mas não posso permitir sob qualquer hipótese que ele se case antes do meu primogênito.
Reviro os olhos, não acredito que ele fez isso, é jogo baixo.
- Meu pai, deixe meu irmão fora disso, a boa moça que ele logo pedirá a mão não merece sua arrogância.
Ele se levanta com raiva e repito o gesto. Meu pai esqueceu que não dependo mais dele e que ele só tem o luxo que está vivendo por minha causa e dedicação aos negócios da família.
-Não, pois isso servirá de incentivo para que se case, então farei um ultimato, tem o prazo de dois meses para me apresentar sua noiva ou será deserdado! - exclama sem ao menos ter consideração comigo.
Como ele pôde pensar em algo assim?
- Vai me deserdar?
Ele concorda.
- Sim, prefiro colocar as frotas nas mãos do seu irmão a ficar nas mãos do meu filho mais velho, que não está disposto a perpetuar sua linhagem como primogênito.
Reviro os olhos e volto a sentar na mesa, me servindo de suco, sei que poderia sobreviver muito bem sozinho com toda a fortuna que tenho guardada, mas ser um deserdado me faria cair em desgraça.
- Está me obrigando a casar? Isso mesmo que estou ouvindo? Está invertendo a posição que deveria caber à minha irmã? - pergunto sarcástico. - Ela sim você tem poder e direitos para obrigar tal situação, mas a mim? Não cabe a você decidir.
- Não caberia se já estivesse casado, tive notícias alarmantes sobre como meu filho passa suas noites e isso me fez repensar em como lhe criei.
Respiro fundo e encaro meu irmão que nega com a cabeça, sei que ele nunca me trairia.
- Quem contou ao senhor? - pergunto, curioso.
- Não direi - responde secamente.
- Está certo, irei demitir todos que trabalham para mim, neste caso.
Meu pai me encara irritado.
- Por que faria tal tolice?
- Não quer me dizer quem é o rato traidor, pois bem, todos pagarão pela traição de um, assim pensarão duas vezes antes de trair a confiança de quem os emprega. - Me levanto, pedindo licença para minha mãe apenas e antes que saia, ele me dá o nome.
- Nunca imaginei que fosse tão cruel - conclui.
- Creio que aprendi muito bem com o senhor. Sei que preciso de uma noiva ou você jogará todo meu trabalho de uma vida no lixo, apenas por um capricho seu. Saiba que no momento que ela disser sim, exigirei meu direito como primogênito e pedirei que saia desta casa.
Ele se levanta furioso.
- Não teria coragem...
Cruzo os braços e digo:
- O senhor mesmo é quem está pedindo por isso. Como disse, é o dever do primogênito arrumar uma boa moça, mas é meu direito também decidir quem permanece nesta casa ou não... - Me retiro da sala com sua voz exasperada me chamando.
Não paro, apenas caminho até a porta e saio.
Irei até os estábulos, selarei meu cavalo e esfriarei meus pensamentos, quando me dou por mim, percebo que meu irmão me segue.
Tenho um garanhão branco chamado Ruffus, não sei bem por que deixei minha doce irmã chamá-lo assim. Ele era indomável quando chegou aqui, mas o domei e, pela minha experiência, as noivas devem ser domadas se quisermos que se portem como noivas decentes.
- Irmão, não acha que está exagerando com nosso pai?
Nego balançando a cabeça.
O cavalariço prepara os cavalos e quando prontos, montamos e saímos para esfriar a cabeça.
- Acha que ele falou sério sobre você se casar, ou estarei impedido de pedir a mão de minha amada?
Respiro fundo e concordo.
- Acho, nosso pai não pensa na felicidade ou no que é bom para nós, apenas quer impor sua vontade sempre... - Suspiro, acariciando a crina do cavalo. - Como arrumarei uma noiva em dois meses? Como saber qual é a mulher certa para passar uma vida inteira juntos, sem ao menos conhecê-la o suficiente? - pergunto mais a mim mesmo do que para ele.
Sei que esposa é para a vida toda, mesmo que em nossa família o casamento arranjado sem conhecer os noivos seja algo normal. Com tantos lugares que conheci e tudo que vivenciei, sei que um casamento por conveniência raramente é feliz.
- Terá uma vida toda para fazer, irmão. Sei que achará uma boa moça, digna do título e das riquezas que nossa família possui. Mas confesso que foi duro demais com papai, ele, no fundo, está pensando no que falarão se me casar antes de você.
Isso é possível, mas nunca liguei para fofocas bobas, só que meu pai não gosta quando fofocas viram escândalos.
- Talvez, mas agora ele sabe com quem está lidando. Não sou mais o menino assustado que ele batia para ensinar qualquer lição.
Meu irmão apenas assente.
Paro o cavalo em frente ao lago, desço e meu irmão repete o gesto.
- Irmão, tenho uma possível solução. Poderíamos começar um rumor pequeno que está em busca de uma esposa, depois poderíamos dar alguns bailes grandiosos e luxuosos para que possa escolher.
Ele pode estar certo, os pais fariam de tudo para que as filhas com boa instrução, graça e beleza viessem e talvez fosse fácil escolher uma noiva.
- Talvez tenha razão, meu irmão, mas serão muitas moças para conhecer em uma noite apenas. Faremos um baile na quarta e outro no sábado, aí veremos quais são as moças que conhecerei e quais dispensarei educadamente.
Sei que várias moças fariam tudo para fisgar um homem na minha posição, mas conheço bem as mulheres e quero uma que seja perfeita para estar ao meu lado e saiba seu lugar.
- Para sua sorte, meu irmão, é a temporada social e muitas moças estarão no mercado matrimonial procurando um bom partido - diz como se fosse a tarefa mais fácil, acredito que seja ele já encontrou a moça certa para ele e que ainda não conhecia.
- Os primeiros serão no Almack's, mas o último faço questão que seja em nossa casa. Acredito que a escolha será cessada no último dia, para corroer meu pai em um martírio interno.
Começamos a rir, nunca me imaginei caçando uma noiva, sempre imaginei que quando chegasse a hora, a conheceria casualmente, pediria sua mão e seu pai a cederia, mas no fim nem para um homem nem para uma mulher há escolha.
- Irei falar com minha amada, ela deve saber como chegar até a pessoa que escreve os panfletos e fazer uma pequena fofoca sobre como o poderoso marquês está procurando uma noiva.
Começo a rir da forma como ele diz.
- Vamos sentar aqui e olhar o lago, talvez a serenidade do lugar me acalme. Odeio quando papai tenta mandar na minha vida e o pior é ele conseguir.
Nós nos sentamos sob a sombra da árvore, logo Nathan irá à cidade conversar com sua amada e contar sobre a novidade. As más línguas logo estarão sabendo e a pessoa responsável pelos panfletos criará uma pequena nota avisando a todas as solteiras o que procuro. Porém ainda não sei o que busco em uma noiva, preciso me sentar e pensar nas qualidades que devo exigir para que a moça seja escolhida.