Sou a mais velha de cinco irmãs, meu pai desistiu de ter um menino e "aceitou" a sina da sua família de descendência feminina, porque, segundo ele, minha mãe poderia não suportar mais uma gravidez e ele não saberia criar cinco filhas nos padrões ingleses, não tão bem quanto ela.
Adoro passear ao ar livre com minhas irmãs, já nossa mãe prefere ir à cidade atrás da última moda, porque, segundo ela, é um requisito para os eventos.
Gosto muito de ler livros, eles me completam e tornam meu dia menos entediante, já que mamãe só fala sobre os bailes que temos que frequentar, onde podemos conhecer muitas pessoas e nos divertir.
Com apenas sete anos, comecei junto com minhas irmãs, Mirella e Elaine, a sermos educadas para nos tornar boas moças de família e futuras esposas exemplares.
A cada ano, nossa mãe trazia tutores distintos para ocupar nossa mente e não sermos corrompidas por algumas mulheres que poderiam serem consideradas com "distúrbio de ansiedade".
Tais moças eram esquecidas pela família e amigos ou tratadas com medicamentos e psicanálise.
Ter pensamentos que não cabem às mulheres, é malvisto pela sociedade, mas não por mim.
Com o tempo, nossas irmãs também começaram a ser ensinadas.
Minha mãe acreditava que boas moças precisavam possuir qualidades quando começássemos a frequentar a sociedade, os bailes casamenteiros, por assim dizer. Ela era rígida e nos obrigava a estudar música, canto, desenho, dança e línguas modernas a fim de corresponder às expectativas da sociedade e dos homens com bons rendimentos anuais, para obtermos um casamento vantajoso. Além disso, todos os dias nossa governanta nos testava, a fim de treinar o tom da voz, para ver como estávamos nos expressando.
As moças deveriam ser apresentadas primeiro à rainha Vitória depois os pais precisavam organizar um baile em suas residências para "apresentar" suas filhas à sociedade.
Meu pai é um dos membros da Câmara dos Lordes e isso rendeu a ele um grande prestígio, aumentou sua riqueza consideravelmente, aumentando como consequência nossos dotes.
Nossa família possui uma propriedade rural apenas por status diante da nobreza inglesa.
Minha mãe sempre diz que um homem deve prover tudo para o seu lar, por isso, ela releva os casos que meu pai tem fora do casamento. Eu não aceito isso, mesmo sendo meu pai, deveria ser fiel unicamente à minha mãe, por isso não quero um casamento arranjado.
Estamos na primavera e o começo da temporada social está em alta. Será meu primeiro ano na temporada inglesa, voltei há menos de um mês da França, após um longo período de estudo com meus avós maternos.
Junto com minhas outras duas irmãs, Mirella e Elaine, fomos apresentadas à rainha e esta semana seremos apresentadas à sociedade, mesmo que Mirella não precise mais, pois conheceu um rapaz e estão apaixonados.
Nem todas as moças têm esse luxo de encontrar um pretendente rico e apaixonado que não vejam as mulheres apenas como procriadoras e cuidadoras do lar.
Estou perdida em minha leitura quando minha irmã entra em meu quarto sem bater e tranca a porta.
- Rebecca, não acredita quem veio me ver.
Olho por cima do livro e pergunto:
- Se não me contar, não saberei mesmo.
Ela sorri e se joga na cama se juntando a mim.
- Meu marquês veio me ver! - Suspira, apaixonada.
- Se nossa mãe descobre que se encontrou com sir Nathan, a senhorita estará perdida, assim como ele. Quer que sua reputação seja arruinada?
Ela nega balançando a cabeça.
- Foi muito rápido, irmã. Ele só veio me contar as novidades, não fale como a nossa mãe, por favor - pede quase como uma súplica.
- Nunca contaria a ela, mas ele não estava viajando? - pergunto curiosa e depois concluo: - Aliás, me conte que estou curiosa, pois deve ser algo muito importante para ele se arriscar a essa hora do dia.
- Sim, estava, mas parece que o pai dele os fez retornar mais cedo e intimou o irmão a achar uma noiva, algo que ele fará nos bailes. Minha irmã, dizem que ele é lindo e muito rico - diz animada.
- O que ele tem de rico e beleza, tem também de libertinagem, dizem as más línguas que ele tem inúmeras mulheres em suas viagens.
Todas comentam sobre ele e não só aqui, mas na França também e tenho pena da escolhida.
- Meu marquês diz que é tudo boato maldoso, que o irmão não é o que dizem.
Olho curiosa para ela e nem sei se minha irmã acredita nisso.
- Minha irmã, sabe bem que as fofocas, em sua maioria, são verdadeiras, mas falemos de assuntos verdadeiramente importantes. - Fecho o livro e coloco na cabeceira. - Quando ele virá finalmente pedir vossa mão? - Noto que ela desvia o olhar e não quero que ela se prenda a um amor que não firma compromisso sério.
- Aí está a má notícia, irmã, ele não pode, a menos que seu irmão ache uma noiva ou o pai dele irá deserdar o senhor Richard e com a reputação manchada... Você sabe o que isso significa, não sabe?
Respiro fundo e noto que ela não está preocupada de fato.
- Sinto muito, irmã, se isso acontecer seria um grande erro contrair matrimônio com sir Nathan.
Ela concorda balançando a cabeça.
- Sei, irmã, mas como qualquer pai dará tudo de si para que a filha seja escolhida, eu nem me preocupo.
A família de sir Nathan é muito poderosa e rica, as mulheres fariam de tudo para serem a escolhida.
- Acredito, irmã, mas por que ele veio te contar isso?
Ela morde o lábio e sei que está aprontando algo.
- Porque ele me pediu que contasse para algumas amigas, que contarão a outras e finalmente chegará aos ouvidos de quem escreve os panfletos. Isso fará com que ele seja alvo de todas as famílias que desejam um bom casamento.
Eu me sento na cama ficando ao seu lado, se isso chegar aos ouvidos de minha mãe, ela nos fará futuras pretendentes.
- Sim, ele está certo. Se contarmos para as mais fofoqueiras, com certeza, amanhã mesmo toda Inglaterra saberá que um dos solteiros mais cobiçados busca uma noiva.
Começamos a rir e ela segura minhas mãos.
- Se ele te escolher, nunca mais nos separaríamos. - Me olha ansiosa por minha resposta.
- Minha irmã, ele deve ter todas as mulheres aos seus pés. No primeiro baile já a terá escolhido e não tenho o menor desejo dele me notar.
Ela fica triste com minha resposta.
- Mirella, você sabe o que idealizo de um matrimônio, embora nem o deseje. Sendo bem sincera, que minha mãe não ouça, o senhor Richard não está qualificado para que me interesse por ele.
- Bom, vai que ao se conhecerem, ele a faz mudar de ideia. - Ela parece sonhar.
Mirella sempre foi a mais doce e sonhadora, já eu sou a racional, embora na frente dos outros precise parecer inocente e desconhecedora de assuntos que me tornem mais inteligente que os homens.
- Nem falarei nada. - Me levanto da cama sendo seguida por ela. - Vamos falar de assuntos mais importantes, temos que chamar nossa irmã para a última prova do vestido. Nosso baile se aproxima e não é toda moça que recebe um voucher para poder participar dos bailes no Almack's, para nossa sorte, nosso pai conseguiu para nós três.
As mais afortunadas recebem tal convite, é raro sim, dizem que os bailes são deslumbrantes, mas nesses bailes as moças não sonham em conhecer o amor e sim sobre possíveis alianças ou até mesmo libertinagem.
- Mamãe irá nos acompanhar e sabe como ela é quando bebe.
Eu sei bem, ela nos faz passar vergonha porque perde a compostura e fala o que vem à mente, às vezes isso pode manchar a imagem da família, mas com a influência do meu pai, duvido que alguém ousaria escrever algo sobre os Évreux.
- Seu pretendente não liga para a nossa mãe ou já teria desistido de você.
Começamos a rir, abro a porta e acabamos descobrindo que Kelly e Louise estavam ouvindo atrás dela.
- Vocês sabem que é feio ouvir atrás da porta?
Elas começam a rir.
- Não seja chata, Becca! Vocês ficam fofocando e somos curiosas.
Reviro os olhos, Kelly sempre foi a mais ousada das duas.
- Trancamos porque vocês contam segredos para todo mundo.
Elas são as preferidas da mamãe e todos sabemos disso, pois passa a mão na cabeça delas demais.
- Qual a graça de ter segredos se não pode contar para todos? - diz Louise gargalhando.
- Não é graça, é confiança.
Elas olham uma para a outra e saem correndo, certamente vão contar tudo que ouviram e estaremos perdidas.
Corremos atrás das duas, descemos as escadas sem classe alguma e nossa mãe, infelizmente, nos pega fazendo o que ela odeia, parecendo meninos e não damas.
- Por que estão correndo pela casa?
Eu sei que elas iriam contar de um modo que sobraria para mim e Mirella, então resolvo dizer somente a parte que interessa a ela.
- Porque elas ouviram nossa conversa atrás da porta e queriam contar nossos segredos, antes de nós contarmos. - Estou me saindo muito bem, pois mamãe não gosta que ouçam atrás da porta.
- Não acredito, meninas! De novo esse comportamento indigno de uma dama?
Elas fazem cara de anjos arrependidos e não sei como mamãe ainda cai.
- Uma amiga contou para Mirella que o marquês Richard está no condado à procura de uma noiva e estará nos bailes exclusivamente para formar uma boa aliança.
Qualquer coisa que elas contariam não é mais importante que a chance da nossa mãe apresentar as filhas.
- Meninas, por que não falaram logo comigo? Temos que fazer algumas mudanças nos vestidos de vocês e comprar novos adornos, porque um homem na posição de sir Richard pode escolher uma das minhas lindas meninas.
Forço um sorriso.
Mamãe nos deixará maluca com essa ideia de que uma de nós será a escolhida.
- Mamãe, podemos ir também ao baile? - pergunta Kelly.
- Ainda não, minhas princesinhas, vocês sabem que este ano é das suas irmãs mais velhas e em dois anos será a vez de vocês. Precisam aprender mais algumas coisas e viver um tempo com sua avó para se tornarem as melhores pretendentes na temporada da corte.
Mamãe se orgulha disso, ela veio ainda muito nova para a Corte, para ser dama de companhia da rainha e nosso pai viu nela uma boa moça, que se tornaria uma boa esposa e mãe.
- Podemos ao menos comprar algum adorno? - pergunta esperançosa, certamente se fôssemos nós, a resposta seria não.
- Claro, iremos todas à cidade e escolheremos algo magnífico para as minhas meninas.
Minha mãe nos faz correr para nos arrumarmos, não sei ao certo se a pressa é para ver nossas vestes ou procurar algumas amigas para fofocar sobre o que acabou de descobrir.
Puxo Mirella pelo braço e a faço andar depressa ao meu quarto. Ela precisa achar uma maneira de contar para as outras moças antes que mamãe descubra que ninguém mais sabe disso e sabemos bem que fará essa fofoca chegar a todos os ouvidos.
Temos uma amiga querida que é nossa vizinha, ela adora uma boa fofoca e sabe contar para as pessoas certas, além disso, ela irá participar conosco da temporada.
Arrumo o cabelo, coloco o bonnet da mesma cor do vestido verde-musgo e algo discreto adornando o pescoço.
Todas nós possuímos um pingente da cor que mais gostamos e sempre que vamos à cidade devemos ostentá-lo.
Enquanto distraio nossa mãe, Mirella chama nossa amiga para nos acompanhar e aproveita para contar a fofoca, em breve todos saberão as novidades.
- Onde está sua irmã? - pergunta mamãe impaciente.
- Ela foi chamar a Evelyn para nos acompanhar...
Mamãe não aprova nossa amizade, segundo ela, embora a família de Evelyn seja rica, ela já passou da hora de se casar, e se não arrumar um marido nesta temporada, será enviada a um convento ou será arranjado um casamento com um primo, tudo para salvá-la de uma ruína aparente se o pai falecer antes dela se ajeitar.
- Ainda não sei como perdem tempo com ela... - Mamãe se cala assim que a vê entrar.
Para mim, minha amiga é bela e amável e não entendo por que nenhum homem a pediu em casamento ainda. Sem contar a riqueza que o marido herdará por ela ser filha única, devem ser todos tolos.
- Rebecca, minha amiga!
Adianto-me e nos cumprimentamos, somos amigas e confidentes, uma sabe tudo da outra.
- Eve, querida.
Mamãe chama nossa atenção batendo o leque na mesa.
- Meninas, fofoquem depois, agora vamos que a carruagem nos aguarda. - Ela se adianta para que a sigamos.
Embora muitas moças adorem tirar medidas para roupas novas, pois devem estar por dentro das novidades da moda, eu prefiro uma biblioteca para poder escolher minha próxima leitura.
- E você, Rebecca, nem ouse sair das minhas vistas e se enfurnar naquela biblioteca. Quando se casar, irá perceber que não terá mais tempo para esses livros bobos.
Não adianta discutir com mamãe, ela nunca entende esse meu gosto, mas se um homem me proibir de ler, jamais o aceitarei como meu marido.
- Sim, mamãe - concordo, mas todas sabem que darei um jeito de escapar das vistas dela. Sussurro para Mirella, Elaine e Evelyn: - Irão me ajudar a sair sem ser vista?
Elas sorriem e concordam.
- Claro, amiga, aproveite e traga um romance para mim.
Minha amiga sonha com um príncipe encantado que os livros tanto retratam e não adianta falar que eles nunca virão.
- O que eu faria sem vocês?
- Estaria perdida, minha irmã - Mirella diz.
Rimos, subimos na carruagem e entrelaçamos nossos braços.
- Já soube da novidade, senhorita Dankworth?
- Qual, lady Rose? - pergunta curiosa.
- Sobre o mais novo solteiro em busca de uma noiva - mamãe diz empolgada e Evelyn sorri feliz, pois adora quando sabe das fofocas.
- Sei sim, marquês Richard é um dos homens mais ricos de todo o condado, a moça que for escolhida por ele nunca mais precisará se preocupar com nada.
Sir Richard tem um rendimento bem alto.
- Sim, seria o sonho de qualquer mãe. - Dá um gritinho alegre e seguramos o riso. - A parte ruim é que ele vive viajando, quase nunca para em casa.
Algo que nem é de todo o mal, ainda mais se o casamento for de conveniência e indesejado pela dama.
- Isso será compensado pelo conforto que a moça escolhida receberá - mamãe diz.
Eu, particularmente, nunca o vi, nem sei como são suas feições, mas como dizem, quanto mais rico se é e tanto tempo leva para resolver se casar, deve ser feio ou algo do gênero.
O caminho até a cidade não é longo, precisamos fazer com que Evelyn conte às moças o mais rápido possível antes da intervenção de minha mãe e nem temos privacidade para discutir sobre o que faremos, então resolvo fingir interesse em meu vestido, sendo assim, vamos vê-lo, e depois veremos as amigas de minha mãe.