Resolvo ir à cidade comprar alguns livros, sou amante de um bom conhecimento, mas antes de ir à livraria, resolvo comprar uma lembrança para minha doce irmã.
Sei que logo ela vai querer frequentar a sociedade e deve ser respeitada pelo sobrenome que carrega, assim como ser admirada por seus futuros pretendentes.
Entro em uma loja de joias, escolho um item que vi e na mesma hora achei que era sua cara.
Fico de buscar mais tarde, pois não quero andar com uma joia tão valiosa pelas ruas.
Sigo primeiro para a livraria e depois de tomar um café, irei buscar a joia.
Na minha primeira parada, tenho a surpresa de conhecer uma dama que está além dos padrões que nós, homens, somos ensinados a vislumbrar em uma dama.
Aprecio e muito as qualidades que uma boa moça deve ter para ser considerada à altura do pedido, embora aprecie e muito a leitura. Não recomendo que moças percam tempo com romances bobos, eles desfocam a realidade de um casamento, que é meramente um negócio que beneficia o noivo e o pai da noiva, considerando que vemos o enlace como uma mero acordo mercantil.
Conheci muitas damas ao longo de minhas viagens, embora cada uma com sua qualidade tanto física quanto em bens, nunca havia estado em minha frente uma moça com tamanha beleza e pensamento apurado, sem medo de se expressar.
Ela testou meus limites e meus conhecimentos com seu posicionamento forte e a forma como defende seu pensamento, além de exercer um fascínio pela leitura.
Ao observá-la mais atentamente, deduzi que deve estar na idade de se casar e estará nos bailes, embora não saiba até o momento o seu nome ou posição social. Mesmo que tivesse todas as qualidades, não acredito que um homem vá se interessar por ela, caso abra a boca em uma conversa formal, mas acima de qualquer pensamento, me vejo tentado a vê-la novamente e intrigado por ela.
- Peço desculpas pelo modo que agi, senhor Henry, mas quem é essa dama? - primeiro me desculpo com o dono da loja, depois pergunto, curioso em saber quem ela é.
- É a lady Rebecca Évreux, o pai é membro da câmara dos lordes e a família tem um bom rendimento, embora a mãe não lhe tenha dado herdeiros, ama as cinco filhas e lhes proporcionou uma educação exemplar. Ela é a mais velha das irmãs, é uma moça muito gentil e doce que ama ler, é amiga da minha menininha - diz parecendo estar orgulhoso em falar dela enquanto me encara um tanto irritado por minha postura minutos atrás, preciso contornar essa situação.
- Acabei me exaltando e agi muito mal com a moça, perdi a compostura ao discutir um assunto que não deveria, devo me desculpar de alguma forma. - É uma boa forma de cair nas boas graças dele e quem sabe conseguir seu endereço.
- Acredito que um presente e um pedido de desculpas possam resolver essa situação.
Sorrio convencido enquanto ele anota o endereço da bela dama.
Observo como o nome dela é delicado e soa muito bem em meus lábios.
Embora ela tenha um pensamento nada apropriado para uma dama, possui uma beleza admirável em minha modesta opinião.
- Obrigado, senhor Henry, por favor, envie os livros escolhidos para minha casa.
Ele pega os livros que escolhi e os reserva.
Saio da loja e começo a caminhar enquanto aprecio como a sociedade age em meio aos demais.
Ando em busca da cafeteria e ao entrar sou muito bem atendido. Peço um café enquanto espero meu irmão, combinamos que ele me encontraria aqui.
Assim que ele entra, noto que está sorridente demais, como se tivesse visto o passarinho verde. Puxa a cadeira, se senta na minha frente, pede o mesmo que eu e, alguns minutos depois, somos servidos.
- Conversei com minha amada, ela dará um jeito e em breve todos saberão que busca uma noiva.
Ele parece feliz, embora não acredite nem um pouco no amor e nem no falso sentimentalismo, pois já passei desta idade e agora vejo o mundo com os olhos de um homem vivido e adulto.
- Que bom, não quero desapontar nosso pai com minha obrigatoriedade em lhe dar uma nora.
Ele me encara balançando a cabeça.
- O que foi?
- Você não enxerga como eu o casamento, vê nele uma obrigação da sociedade e não um meio de formar uma família com a moça escolhida que se ama.
Reviro os olhos.
- O amor é tolo, meu irmão, ele serve para nos cegar, aprenda que o casamento é um mero jogo de interesses, negociamos um bom dote com o pai da dama que melhor se adequa ao que procuramos, deveria parar de sonhar tanto. - Tento explicar, mesmo percebendo ser em vão.
- Encontrei uma moça que sente o mesmo por mim, nem todos nós possuímos tal sorte, mas espero que um dia se veja perdidamente apaixonado por uma dama. Aí terá que aprender a refazer seus julgamentos e fará qualquer coisa por ela. - Sorri, bebendo o café.
- Discordo, mas não adianta discutir com um homem tolo apaixonado.
Bebe seu café e noto um sorriso enorme, ele realmente está apaixonado.
- Note que há algumas damas olhando diretamente para você, meu irmão, como colocam os dedos na frente da boca para que não ouçam o que fofocam.
Olho de canto, presto atenção no que ele diz e constato o mesmo.
- Elas já sabem que está atrás de uma noiva e logo todas farão fila para serem apresentadas a você.
- Era o que pretendíamos com sua ideia, irmão, mas creio que devemos ir, tenho que buscar um presente na joalheria antes de voltar para casa. Quero rever alguns inventários de recebimento e venda das nossas mercadorias. - Coloco as moedas de ouro em cima da mesa e nos levantamos, a joalheria fica próximo onde estamos.
- Já decidiu o que busca em uma noiva, meu irmão?
Sorrio de canto, há inúmeras qualidades básicas que são exigidas tanto por mim quanto por todos à nossa volta.
- Já sim, refinamento, uma beleza adorável, uma graça incomparável, e claro, um talento impressionante na música, dança, línguas estrangeiras e um gosto peculiar na leitura.
Percebo que ele não aprecia minha resposta.
- O que foi?
- Você busca uma mulher que não existe, meu irmão, pare de selecionar qualidades que não definem personalidade, nem o que ela esconde no coração.
Atravessamos a rua e quando passamos pela vitrine da joalheria, noto a presença da moça da livraria.
- Mas uma boa moça de família precisa ter essas qualidades ou de nada me interessaria. Ela tem que ser preparada desde o berço para ser uma boa esposa, de nada adianta beleza e doçura se ela não tiver nenhum atrativo exigido pela sociedade...
Noto que ela procura algo na joalheria, há mais três moças com ela e uma outra mulher, que ao julgar pela idade, deve ser a mãe dela. Posso capturar seu olhar e como ela escolheu justo a joia que adquiri mais cedo.
Noto como sua postura não é afetada, mas seu olhar está desapontado e nada escolhe depois desse infortúnio.
- Meu irmão, ali está a minha amada. - Aponta para dentro e respiro com dificuldade ao imaginar que seja a moça que vislumbrei mais cedo. - Aquela com cabelo loiro como o sol, que reluz sua beleza - diz apaixonado e aponta para a moça que está ao lado de lady Rebecca.
Seguro seu braço, o impedindo de cometer uma burrice.
- Não pode entrar, este momento é algo somente delas, terei muitas oportunidades de conhecer sua bela amada, mas agora devemos esperá-las saírem e depois entraremos para pegar minha encomenda. Quem sabe, pode comprar uma joia para sua amada.
Embora ele seja imprudente na maioria das vezes, me escuta, talvez pela presença da mãe dela ali.
Noto que elas pegam o ornamento escolhido e depois de pagarem, saem da loja sem notarem nossa presença.
Senhor Lucian rapidamente nos atende.
Enquanto meu irmão procura um ornamento singelo para sua amada, fico olhando com mais atenção as joias no expositor e vejo ali uma borboleta azul que combinará mais ainda com minha irmã. Irei reparar meu erro com a senhorita e agradar minha irmã ainda mais.
- Senhor Lucian, mudei de ideia, irei levar essa peça aqui ao invés daquela para minha irmã. - Noto seu desapontamento, talvez porque a outra joia é mais cara que a segunda que escolhi.
- A moça que saiu agora daqui almejava muito a peça, seria o ornamento para sua ida ao baile, mas como estava reservado para o senhor, não vendi.
Sorrio para o cavalheiro e retiro mais algumas moedas.
- Não seja por isso, sabe o nome e o endereço da bela dama com bom gosto? - Noto como seus olhos brilham.
Ele chama seu ajudante para cuidar do meu irmão e vem dar atenção a mim.
- Sei sim, Vossa Senhoria, a lady Rebecca não mora muito longe daqui, se quiser envio um mensageiro para entregar o ornamento - diz animado.
- Ótimo, gostaria de uma pena, um tinteiro e um papel pequeno para colocar dentro da caixa da joia.
Prontamente me entrega o que pedi, em poucas palavras peço desculpas e digo que não aceitarei devoluções.
Após escrever o bilhete, coloco dentro da caixa do ornamento, pela forma que ela olhava, acredito que a peça será um belo complemento ao vestido.
Lady Rebecca possui algo em comum comigo que é o bom gosto, e com minha irmã, o bom gosto pelas borboletas.
Confesso que ela me fascinou no primeiro olhar, mas preciso vê-la mais algumas vezes para saber se será uma candidata à minha altura.
- Irmão, envie pelo mensageiro o presente, não deve ir à casa dela sem antes serem apresentados formalmente pela família, não queremos nenhum mal-entendido ou escândalo - digo firme.
Ele me encara intensamente e sorri, enquanto Lucian pega o item escolhido por meu irmão.
- Senhor Lucian, oriente o mensageiro a não trazer de volta o item, diga que não aceita devoluções.
Ele acena e concorda.
- Para quem é este presente, meu irmão? - pergunta curioso.
- Para reparar um mal-entendido da minha parte, espero que esteja à altura dela.
Ele sorri e não entendo o que ele viu demais neste gesto.
- Será ela a escolhida? - Começa a rir e reviro os olhos com seu pensamento, embora não seja de todo o mal, pois ela possui beleza, falta saber do resto.
- Não sei, apenas pague, temos que chegar em casa logo, quero me trancar no escritório para poder ter paz no resto do dia.
Ele concorda e saímos da loja em direção à carruagem.
Partimos para nossa casa e passo o resto do meu dia atrás da mesa do escritório, revisando algumas anotações.
Após o jantar, me recolho em meus aposentos para apreciar minha mais nova leitura, "Modern Chess Openings" que me encanta pela forma que interpreta o jogo de xadrez.
Eu, particularmente, venho tentando aprender esse jogo interessante e, quem sabe, logo o entenda sem precisar de livros.
Sou interrompido pelos pensamentos da bela dama na livraria, algo nela me chamou atenção mais do que as outras damas, e olha que já tive inúmeras experiências, mas nenhuma me fez pensar por demasiado em um momento que nem deveria ter nenhuma importância.
Após ler algumas páginas, fecho, me ajeito na cama, sopro a vela e deixo o sono me levar.