Capítulo 9 Perda

11 anos atrás.

Ben.

- Vai pedi-la em casamento - Quando entramos em casa meu pai solta. É a primeira coisa que ele diz desde que soube da gravidez de Liv.

- Tom está na hora de dormir querido - Minha mãe fala e sai da sala. Odeio como ela evita as conversas sérias que meu pai inicia.

Eu sento no sofá e olho para meu pai.

- Vou arrumar uma casa para vocês e depois do casamento, vocês se mudam.

- Pai sério? - Erick intervém.

- Não se meta - Meu pai o corta - Ele vai assumir responsabilidade como homem. Mas ele não é capaz de resolver sozinho. Vai o que tirar, ela da proteção dos pais sem poder oferecer a qualidade de vida que ela está acostumada?

- É a minha vida. Minha e da Olivia, nós devemos nos decidir - Eu digo.

- Vocês vão decidir? - Ele ri - Seu emprego que você encheu a boca no jantar para falar que tem, fui eu quem arrumei. Suas notas sempre foram medianas, até a Oliva consegue ser melhor que você. Vai ter uma baita sorte se ela te aceitar, porque ela sim é inteligente e capaz de ser uma advogada de sucesso. Só foi burra por engravidar de você.

Erick senta do meu lado e sei que esse é o jeito dele de mostrar que está me apoiando. Ele nunca vai confrontar meu pai, mesmo discordando.

- Ela não tem cara de ser uma esposa normal, que cuida da casa e dos filhos. Você vai acabar fazendo esse papel, ela vai te engolir porque é melhor que você. Então casa com ela e controla isso.

Eu fico com tanta raiva de tudo que ele falou e fico com raiva de mim por não reagir. Ele acaba de falar e sobe as escadas para o quarto.

- Odeio ele - Eu solto como um desabafo.

- Ben cara, não vale a pena ficar assim. Converse com a Olivia e os pais dela e pensem na melhor solução para os dois.

- Em uma coisa ele está certo, devo pedi-la em casamento Erick.

- Não acho isso - Ele me chama para o lado de fora e quando estamos saindo ele pega uma garrafa de whisky. Tomamos da garrafa, cada um dando um gole - Acho que você é muito novo para desperdiçar sua vida assim. Ben, vocês namoram desde os 14 anos, isso é loucura, nunca conheceram outras pessoas, nem se apaixonaram, nem sofreram uma desilusão amorosa. Cara, você nunca transou um sexo rápido e sem importância. Você faz amor com a mulher que escolheu para ser a da sua vida. Não me leve a mal, amo a Olivia, mas acho que os dois estão estragando a vida e nem falo pelo bebê.

- Erick, acho que encontrar a mulher com quem quer estar pelo resto da vida é um privilégio. Sou grato por não ter passado por nada disso se isso significa que tenho Olivia para sempre. Desejo que você encontre a sua alma gêmea também.

Eu fico puto de ouvir isso e tomo mais um gole da bebida, que desce queimando minha garganta.

- Você não precisa estar na defensiva. Só não quero que tenha uma vida frustrada, quero que saiba exatamente quem você é e o que gosta. Não te quero acomodado, nem a Olivia. Não leve em consideração o que meu pai falou, apoie ela sempre, independente se ela se destacar mais que você. Não siga o exemplo do marido de merda que ele é - Estou chocado, Erick sempre foi o favorito do meu pai. Nunca pensei em vê-lo falando assim - Você é inteligente Ben, pode não gostar da área do Direito, mas você é capaz de fazer outras coisas. Só não se acomode e não se acostuma com as coisas.

Ele me abraça depois que acaba sua reflexão sobre minha vida e meu futuro.

Independente do que for, sei que se eu tiver com a Olivia, vou ser feliz.

No dia seguinte acordo decidido a pedir Olivia em casamento.

Meus pais estão na mesa tomando café com o Tom e eu me sento com eles.

- Vou pedi-la em casamento.

Minha mãe respira fundo e olha de lado para o meu pai.

- Você e Olivia vão se casar cara? - Tom me pergunta curioso.

- Lógico que vão. A ideia é se mudarem para uma casa aqui perto, estou pesquisando para comprar para vocês. Você pode trabalhar no fórum, é pequeno mas serve para você, principalmente pelo seu histórico.

Meu pai sabe mesmo acabar com qualquer confiança. E eu achando que me casando, o deixaria satisfeito.

- O que você achar melhor - Acho que era a melhor opção. Eu confiava que Olivia ia ser uma boa mãe, mas desde que conversei com Erick, me senti inseguro de fazer isso longe da nossa família. A Olivia é a mulher da minha vida e não tem sentido adiar o inevitável, ela ia ser minha esposa - Olivia não vai conseguir terminar o estágio?

- Estágio? - Meu pai dá uma gargalhada - Ela é uma mãe agora. Não vai poder trabalhar e quando for esposa, vai precisar cuidar da casa. Funções que não combinam com advogar.

Ele levanta e ninguém fala mais nada. Eu acho que quando Olivia souber do nosso futuro, planejado pelo meu pai, vai surtar. Falta pouco para nossa formatura, ela sonha em trabalhar e ser conhecida como Doutora.

Eu bato na porta dos pais da Olivia, ela abre e dá um sorriso fraco ao me ver e me beija.

- Oi amor - Ela me abraça - Dormi muito mal essa noite.

- Por que? Alguma coisa com o bebê? Ainda tendo enjoos?

- Ben, calma - Ela ri - Estamos bem, só estava preocupada. Você está certo, conseguimos fazer isso com o apoio deles, mas sem as intromissões na nossa vida.

Ela me puxa em direção ao sofá e acaricia minha mão. Os pais de Olivia saíram e a casa está silenciosa. Tento introduzir o assunto que me trouxe até aqui.

- Amor, acho que seria mais fácil se tivéssemos o apoio dos nossos pais. Meu pai falou de comprar uma casa aqui perto para nós. Achei uma boa ideia.

- E nossos trabalhos? - Ela diz muito insatisfeita. Olivia é transparente e odiou a ideia.

- Meu pai consegue para mim no fórum. E vamos conseguir nos manter com meu trabalho.

- E eu fico em casa cuidando dos filhos? - Ela nunca vai concordar com isso, não sei o que estava pensando - Desculpa Ben, mas não sou sua mãe. Eu pretendo ser uma advogada brilhante e farei isso, com ou sem filho.

- Eu detestei quando meu pai falou, mas depois eu pensei melhor e...

- Claro que essa maluquice veio do seu pai-Ela se levanta e me olha de frente - Benjamin, não é minha culpa se você não consegue enfrentar seu pai. Você necessita da aprovação dele o tempo inteiro, mas eu não. Não quero que nosso filho pense isso de você, que todas as decisões que você toma tem a sombra dele.

Eu encosto minha cabeça no sofá e suspiro, a Olivia tem razão. Faço tudo o que meu pai manda, ele decidiu o rumo da minha vida e ele não vai decidir sobre o rumo da vida do meu filho.

- Tudo bem amor, desculpa falar desse jeito. Mas Ben, é a nossa nova vida e nossa família. Eles não podem mais mandar nas nossas decisões. Você me deu essa segurança e agora tira ela de mim? Seja coerente por favor.

- Você tem razão, eu sei disso. A insegurança me dominou ontem Linda. Quero ser bom para vocês dois, prometo me esforçar e ser o melhor pai e marido.

- Marido é?

- Um dia né - Ela sorri para mim, senta no meu colo e nos beijamos.

Mais tarde, meu pai chega da rua trazendo um anel de noivado e me entrega.

- Não vai ter nenhum pedido agora pai. Não é o que eu quero - Eu olho para ele - Sabe que é sem noção você comprar um anel para a minha namorada né - Digo num tom de deboche.

Erick da uma risada, até minha mãe dá uma risadinha. Eu bato nas costas dele como agradecimento, mas vejo claramente a irritação dele.

- Bom já que vocês já estão resolvidos, vou me preparar para um enxoval incrível para meu primeiro neto - Esse é o jeito da minha mãe interferir e fazer um assunto morrer. Ela nunca vai me dizer que discorda do meu pai, mas no fundo sei que sim.

Olivia.

Eu estou indo para o meu terceiro mês de gestação. Nunca me senti tão mal, os enjoos não me deixam e em dois meses estou formada na faculdade e farei o exame para advogar. E em seis meses vou ser mãe.

Ben e eu estamos arrumando meu quarto porque vamos passar a dividir, o berço do bebê vai ficar num canto e não vamos ter muito espaço, algumas roupas vamos levar para nossa cidade na casa dos nossos pais e vamos ter o mínimo conosco. Até podermos alugar um lugar maior e viver como uma família.

Sei que Nicholas queria que o filho me pedisse em casamento, mas ele resolveu esperar. Sei que o pedido vem logo logo, porque achei um comprovante de anel. Eu acho que quero isso, amo o Ben e faz sentido nos casarmos, principalmente, porque vamos ser pais.

Meus enjoos continuam e hoje eu estou pior do que o normal, eu sinto uma cólica forte. Li que no primeiro trimestre é algo comum, mas estou com muita dor. Liguei para o Ben e ele vai me trazer remédios.

Eu resolvo esperá-lo deitada na cama. Eu me encolho toda e fecho os meus olhos, aperto firme minha barriga e choro pela dor que sinto.

A porta abre e sei que é o Ben.

- O que foi meu amor? Vim o mais rápido que pude e...

Eu não aguento nem falar, eu choro soluçando. Eu já sabia o que poderia ser, meu corpo não estava suportando aquela dor. Depois disso foi tudo um borrão.

Ben me pega no colo.

Tem muito sangue na cama.

Ele me coloca no carro.

Estamos sozinhos.

Eu quero minha mãe.

Sento numa cadeira de rodas.

Sou levada para a emergência.

Eu choro.

A médica diz que sente muito.

Eu grito.

Benjamin me abraça.

Eu grito mais ainda.

Ben chora.

Nunca vi Ben chorar.

Eu não sou mais mãe.

E ele não é mais pai.

E eu apago.

Acho que dormi por horas porque quando abro meus olhos, encontro minha mãe dormindo num sofá e Ben sentado numa poltrona, virado para a janela com o quarto escuro. Eu me mexo e Ben me olha, ele está com os olhos avermelhados e sorri, levantando um canto da boca. Foi o sorriso mais triste, não sei se isso existe, mas foi isso que senti.

Ele se levanta da cadeira, eu faço um sinal de silêncio e aponto para minha mãe, Ben concorda e aponta para a cama, eu chego para o lado e nos deitamos juntos. Ele faz carinho nos meus cabelos e beija minha testa.

- Você é tudo para mim - Ele susurra.

- Acho que não vou conseguir suportar isso - Eu digo baixinho e a lágrima escorre. Ele limpa.

- É a pessoa mais forte que eu conheço, Liv. Você não está sozinha, precisa ver a sala de espera - Eu imagino todos lá e sinto vontade de rir - Desculpa por não ter chegado a tempo e...

- Para amor, eu vou ficar arrasada se você começar a se culpar.

- Tudo bem - Ele concorda e me abraça mais ainda - Eu te amo.

Peguei no sono novamente depois daquela afirmação. Nunca senti uma dor como aquela, nunca perdi ninguém assim. Mas saber que o Benjamin estava comigo e que íamos superar juntos, fazia eu me sentir mais tranquila e com a certeza de que o luto ia passar.

Os dias se arrastam. Não estou focada em nada, me arrasto pelo apartamento e me permito ser mimada pelo Ben e pela Camila. Tudo que eu consigo fazer é chorar e ficar deitada, eu só queria estar com a minha mãe. Ela foi embora no dia seguinte que eu perdi meu filho, insistindo para ficar, mas eu prometi que ia ficar bem.

Eu não estou.

Agora eu sei.

- Acho que quero minha mãe - Eu sussurro no meio da noite para Ben, que está ao meu lado, sei que ele me ouviu.

- Amanhã eu te levo até lá.

Ele me abraça e eu sinto as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Ben não tem falado muito esses dias, ele basicamente faz as coisas por mim, me verifica a cada minuto e fica em silêncio.

No dia seguinte eu levanto e Ben já está acordado, eu saio do quarto e a Camila está montando uma mesa de café da manhã.

- Bom dia flor do dia - Ela me olha - Como você está amiga?

- Me sinto um pedaço de merda - A Camila cai na risada e eu acabo rindo também, gargalhamos um bom tempo, até que as minhas lágrimas escorrem - Eu não aguento mais isso - Eu respiro fundo - Cadê o Ben?

- Ele está no banho, já deve estar saindo.

- Ele agora podia voltar para o quarto dele né, você ainda não alugou e não tem mais a necessidade de ficarmos juntos.

- Você diz juntos na cama, ou juntos na vida? Só para entender o que quer de mim - Ben chega do nada e me diz isso - Porra, você está me afastando toda hora. Se arruma para eu te levar para sua mãe - Ele se vira e vai para o quarto.

- Ele só pode estar maluco - Eu sussurro para a Camila - Há 15 dias, eu perdi meu filho. Como ele quer que eu pense nele com desejo? Egoísta, isso não é sobre a nossa relação.

Camila me olha como se tivesse algo a dizer, até que finalmente diz:

- Ele também perdeu um filho. E você não está dando espaço para a dor dele, porque, na sua concepção, a sua dor é maior - Camila é muito sincera, ela sempre manda a real - Ele faz de tudo por você, cuida de você e eu vejo o quanto esse homem te ama. Mas tudo o que tem feito esses dias é ficar no seu sofrimento, distante dele e sem se perguntar uma única vez, como ele está - Ela se senta na mesa e continua me olhando, só que agora mais intensamente - Já se perguntou quem é que está cuidando dele?

Nunca tinha pensado no que Ben está sentindo, eu me permiti ser cuidada por ele, sem me perguntar isso. Eu prometi que íamos superar toda essa dor juntos, mas ele me ajuda a superar e eu não o ajudo em nada, nem o apoio.

- Eu sou uma bruxa - Ela ri, se levanta e me abraça.

Eu vou em direção ao meu quarto. Quando entro, vejo Ben colocando a roupa e ele me olha.

- Se já tomou café, se arruma para irmos. Já avisei no trabalho que não vou hoje.

Eu vou para a frente dele, tiro as roupas de sua mão e ele me olha.

- Desculpa amor. Eu sei que a dor não é só minha e é completamente errado presumir que você está sofrendo menos que eu - Eu choro mais uma vez - Eu te amo lindo, não quero me afastar de maneira nenhuma e me sinto uma merda por ser tão egoísta e por fazer você pensar que não te quero. Eu quero Ben, eu sempre quis e acho que sempre vou querer.

Ben se aproxima, me puxa pela cintura e me beija. Eu sinto o desejo por ele borbulhando em mim, como ele pode pensar que eu não quero mais isso.

- Vai ficar tudo bem - Ele suspira essas palavras na minha boca. Me dá um último beijo e se afasta - Toma, por favor, seu café e vamos.

Eu concordo com a cabeça e saio do quarto.

No caminho para a casa dos meus pais, ficamos em silêncio. Eu avisei que estava indo e pedi para minha mãe não me perguntar nada. Lá é o espaço que vou ter para chorar e sentir falta do meu filho.

Ontem o telefone tocou e era do escritório que eu estava fazendo meu estágio, eles me disseram que não poderiam mais me manter, que entendiam minha dor e sentiam muito, mas eu não era mais necessária lá. Foi horrível, sempre quis mais do que aquele lugar, mas ser dispensada daquela maneira, foi desumano.

Quando chego na minha mãe, Ben me ajuda a entrar e coloca minhas coisas no meu quarto. Eu entro atrás dele e me jogo na cama, minha mãe deixou tudo preparado para mim.

- Pensa em ficar por quanto tempo? - Benjamin senta do meu lado na cama.

Eu puxo ele para se deitar comigo, ele se vira para mim e eu acaricio sua nuca.

- Ainda não sei - Eu sussurro.

Ele me beija.

- Você me liga? Ou pelo menos sei lá, manda mensagem - Ele parecia ansioso - Vou respeitar seu tempo, mas volta por favor.

- Eu vou - Faço essa promessa e beijo seu rosto.

Eu durmo e não vejo a hora que o Ben vai embora. Eu fico deitada mais um pouco olhando para o nada, minha mãe entra no quarto.

- Oi princesa, como você está?

- Tudo bem - Eu respondo sem ânimo.

Minha mãe se senta na beirada da cama e alisa meu cabelo.

- Quando você vai embora?

- Já está me expulsando, cheguei hoje - Eu brinco, mas ela não ri.

- Não foi culpa dele, você não pode afastá-lo dessa maneira.

- Não estou culpando ele mãe, eu só...

- Você está punindo o Benjamin. Amor dói, dói muito e você pensa nas coisas que poderia ter feito diferente e também pensa que a dor não vai embora. Vou te falar uma coisa, a dor ela não vai embora. Você sabe que passei por uma perda horrível depois que você nasceu, vi meu bebê morto. Mas da para aprender a lidar com ela, a dor. Seu pai não soube e então ele me afastava e te afastava também, você era tão pequena, ele viaja e trabalhava sem parar e até pouco tempo foi assim. Ele não conseguia ser meu marido, ele não conseguia me encarar e isso tudo porque inconscientemente, ele achava que eu era a culpada.

Eu fico triste em ouvir a história do luto da minha mãe, eu era pequena e tenho alguns flashes do que aconteceu.

- Ele me punia sem saber que estava fazendo isso. Acho que é isso que está fazendo com Ben, vocês se amam e estão construindo uma vida linda juntos. Não se abala querida. Lute pelo que você sempre lutou, seu amor, seus estudos e deixa a vida acontecer. Aprenda a viver com as coisas que doem, elas vão te transformar na mulher forte que você nasceu para ser.

Eu não me aguento e choro, abraço forte minha mãe.

- Obrigada mãe, eu te amo - Eu soluço - Eu amo o Ben, e sei que vamos nos casar um dia. Eu só tenho certeza disso e vamos ser muito felizes, vamos ter tantos filhos que você vai endoidar. Ele vai achar um trabalho que o faça feliz e eu vou conseguir ser a melhor advogada da melhor empresa da cidade.

            
            

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