Capítulo 3 Ela não era responsável por aquilo

O dia seguinte ao beijo na arquibancada, Fernanda se atrasou o máximo que pôde.

Seu coração estava estranho, um misto de regojizo e arrependimento. Não queria chegar cedo à sala de aula e ter qualquer conversa com Fábio. Tinha medo que ele houvesse nutrido esperanças de que ela compartilhava os mesmos sentimentos que ele.

Ficou com vergonha de si mesma. Se perguntava constantemente o por quê de ter feito aquilo.

Fábio não era como Marcos, o primeiro era terno e gostava dela, o segundo não tinha qualquer sentimento romântico por Fernanda. Ela podia dizer qualquer coisa para o segundo, de qualquer natureza ou conteúdo, poderia até ficar* com ele sem ter medo de iludir ou machucar, mas Fábio era diferente.

Assim, permaneceu escondida na escada enquanto esperava o sinal tocar. Assim que ouviu o som agudo e repetitivo, correu para entrar antes dos portões do andar serem fechados.

Entrou na sala de aula e viu Fábio, ele havia reservado um lugar logo à sua frente. Na cadeira seguinte estava Patrícia, linda e deslumbrante como sempre, e à sua frente um lugar vazio. E foi exatamente nesse lugar que Fernanda se sentou.

A aula transcorreu como de costume, algumas vezes Fernanda cochilava, mas o professor não brigava com ela, afinal, apenas duas pessoas na sala inteira haviam tirado 10 na última prova dele, uma dessas pessoas era Fernanda.

No momento em que o sinal do intervalo tocou, Fernanda segurou a mão de Patrícia e a arrastou para fora da sala. Com o canto do olhou percebeu Fábio e Fabrício a olhando, cada um com uma expressão diferente.

Quando chegaram ao pátio, sentou-se numa das mesas e ficou imaginando se contava ou não para a amiga. Fábio, então, se aproximou das duas amigas e colocou a mão sobre seu joelho. Aquele não era um comportamento incomum, Fernanda sempre fora muito de contato físico com os amigos, porém, devido às circunstâncias ficou constrangida, ela simplesmente não sabia o que fazer.

Fabrício a olhava com seu costumeiro "olho torto".

Os quatro passaram a conversar e aos poucos Fernanda foi relaxando, distraída com o assunto. No retorno à sala de aula, Fábio fez questão de segurar sua mão. Num impulso, ela desvencilhou do contato, ele tentou ainda mais duas vezes antes de desistir. Àquela altura, Fernanda não tinha coragem sequer de olhar para ele, sentia culpa por ter permitido que ele a beijasse, mesmo sabendo que para ele não tinha o mesmo significado que para ela própria.

No dia seguinte, com o coração pesado, levou Patrícia até o banheiro e disse que tinha algo a confessar.

- Diz. - Falou Patrícia, os olhos brilhando de curiosidade.

- Eu fiquei com Fábio.

Patrícia ficou calada por alguns segundos, depois falou:

- Ow, amiga! Pra falar a verdade, ele me contou ontem.

- Como assim?

A outra jovem, ficou séria.

- Ele ligou lá pra casa ontem à noite, falou que vocês tinham ficado e que ele tinha terminado com a namorada por isso e tudo. Mas que você estava toda fria com ele.

- Espera! Ele tinha namorada?

- Sim, ele tinha namorada e tem mais, ela fugiu de casa depois que terminaram, deixou uma carta pra ele e tudo.

- Ele ficou comigo mesmo tendo uma namorada?!

Algo dentro de Fernanda pareceu ter se quebrado. Como alguém que demonstrava gostar de uma pessoa ao mesmo tempo em que tinha uma namorada? E ainda por cima, a namorada havia fugido de casa após ele terminar o namoro por ter ficado com ela?!

- Sim, e ela fugiu de casa.

- Não foi minha culpa. Eu nem sabia que ele tinha namorada!

- Eu sei, amiga. Mas se você não gosta dele, precisa deixar claro, porque ele gosta muito de você.

Fernanda nem sabia mais se o que sentia era raiva ou vergonha, mas sentiu como se fosse chorar a qualquer momento.

- Gosta nada!

Com o orgulho ferido e a auto-estima destruída, ela marchou para fora do banheiro.

Na hora do intervalo, organizou um momento para estar com Fábio à sós. As palavras que foram ditas a seguir, foram frutos de uma profunda frustração, para ela, se ele não era capaz de gostar dela de verdade, ela não se daria nunca mais ao trabalho de se preocupar com os sentimentos de Fábio. Enquanto ele permitisse, iria o usar como "estepe" assim como ele havia feito com ela.

- Não termine seu namoro por mim, eu não vou namorar você. Se você quiser ficar, a gente fica, apenas.

*Ficar: gíria, "relação esporádica e sem compromisso"

            
            

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