Uma família de mentirinha
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Capítulo 2 2

C A P Í T U L O U M

NASH

O

celular começou a tocar no meu bolso de trás no exato momento que eu empurrei a chave na fechadura. Eu o ignorei e abri a porta do meu apartamento.

A volta para casa de Portland tinha sido longa e minha adrenalina finalmente tinha passado. Agora o sangue seco tinha endurecido por cima da pele quebrada dos nós dos meus dedos. O corte ardeu quando minha animada cachorra pastor alemão lambeu a ferida com um gemido simpático. Enquanto isso, meu celular emitia mais um pedido de atenção e, depois, ficou silencioso.

― Calma, garota. ― Eu disse, me defendendo dela e indo em direção à pia da cozinha.

Eu estremeci e flexionei minha mão debaixo da corrente de água fria. Peguei o antisséptico no armário à minha esquerda. Torci a garrafa com meus dentes e despejei-o sobre o ferimento nos dedos, sibilando um palavrão como um desgraçado quando a ferida latejou. O inchaço provavelmente continuaria por alguns dias e seria um saco quando cicatrizasse.

E, ainda assim, não lamentei nada.

Alguns arranhões rasos eram um preço aceitável a ser pago para ensinar uma lição a um babaca abusivo. Eu me lembrava, sorrindo, do gemido de dor do cara quando meu punho se conectou ao maxilar dele.

Não, eu não me arrependi nada essa noite.

Eu ainda estava no processo de lidar com minha mão ferida quando ouvi meu celular vibrar com um alerta de mensagem de voz. Meu olhar parou no relógio digital do microondas. Era duas e meia. Não há razão para uma ligação a essa hora. Eu vivia sozinho, não tinha namorada, e mal dizia duas palavras a qualquer um dos meus vizinhos. O único motivo que me fez dirigir a Portland essa noite foi porque um velho colega de faculdade tinha uma escala de seis horas na cidade e decidi então que até um filho da puta antissocial como eu poderia pôr os pés num bar vez ou outra.

Depois que eu levei meu amigo ao aeroporto, eu voltei para o bar onde estávamos. Eu tinha um motivo, que a maioria das pessoas não aprovaria. Eu queria ver se o filho-da-puta que fez a garota chorar estava por perto. E ele estava. Ele era um idiota desleixado que continuou bebendo licor mesmo quando não estava aguentando mais. Quando ele saiu cambaleando, eu o segui. Ele parou para mijar numa esquina escura do estacionamento e não teve tempo de guardar o pau antes que eu batesse nele. Ele provavelmente atribuiu isso a um assalto do dia a dia até quando eu cheguei perto o suficiente para sentir o fôlego e o fedor do medo dele e sibilei:

― Nunca mais machuque uma mulher, porra!

Ele entenderia o que essas palavras significam. Ele lembraria o jeito que torceu o braço da garota por trás dela e sussurrou alguma coisa enquanto a cara dela se torcia de dor, antes que ela se virasse para sacudir o punho dele. Pelo menos ela teve reação de acabar com ele e o filho-da-puta deve ter pensado que era o fim. Nem imaginou o tipo de cara que estava assistindo, do outro lado do bar.

Depois que eu bati o babaca covarde contra a parede pela última vez com força, eu desapareci, despreocupado com os policiais. Não tinha testemunha em vista. Além disso, eu tinha estacionado a duas quadras de distância e puxei o boné de beisebol bem baixo para nenhuma câmera de rua pegar meu rosto.

Eu não tinha planejado isso, não tinha saído essa noite com a intenção de pegar um imbecil se valendo da testosterona para cima de uma mulher só porque ele poderia. Eu nunca planejei essas merdas.

Mas quando eu os encontrava, eu reagia. Eu tinha que reagir. Porque eu conhecia a terrível verdade. Muitas vezes nessa vida a justiça não acontecia a tempo de salvar quem mais precisava. Era o pensamento que me mantinha acordado à noite: se eu não interferisse, ninguém mais o faria.

Roxie empurrou seu prato de comida e reclamou de novo, então eu dei água e um punhado de biscoito para ela, que mastigou feliz enquanto eu abria a porta do pátio feita de vidro deslizante e olhava a praia. Eu poderia ouvir as ondas do norte do Pacifico se lançando contra as pedras na escuridão. Mais cedo, o tempo estava calmo, mas agora o vento estava intenso, o ar de maio mais frio que o

normal. Tudo sobre o meio ambiente me agradava: o frio, a falta de pôr do sol, as tempestades que saem do oceano friorento e golpeiam o litoral. Eu tenho morado neste apartamento há dois anos e eu tinha tudo de que precisava. Meu trabalho poderia ser feito de casa e minha renda era razoável. Isso pode parecer uma vida medíocre para algumas pessoas, mas honestamente eu não me sentia nem um pouco solitário. Eu não sentia falta de pessoas, na verdade.

Inferno! Eu sempre poderia falar com minha cachorra se eu ficasse desesperado.

Essa noite meu amigo balançou a cabeça tomando seu coquetel de uísque e Coca Cola e implorou para saber se eu estava tendo alguma diversão nesses dias. Eu sabia o que ele queria dizer e mudei de assunto porque não gosto de me explicar e porque ele não era aquele tipo amigo, de qualquer maneira.

Se eu quisesse encontrar alguém bonita para me fazer companhia, eu sabia onde encontrar. Tinha uma faculdade movimentada a menos de 30 quilômetros de distância. Eu não fazia isso, não procurava uma cena no bar à procura de garotas animadas da faculdade porque eu não era mais o babaca fodedor casual que já fui um dia. Minha solitude tinha se enraizado muito. Nada e ninguém poderia tão cedo mudar minha mente sobre esse exílio autoimposto.

Como se opondo aos meus pensamentos sobre solidão e exílio, o celular no meu bolso de trás tocou novamente. Eu fechei a porta do pátio de vidro deslizante e o peguei. O número na tela era desconhecido. Um número do Arizona.

― Alô? ― Eu disse, num primeiro instinto de bolhas desconfortáveis no intestino.

― Nash? ― engasgou uma voz. Era um choro. ― Nash, é a Jane.

Jane. Tecnicamente a tia Jane. A irmã mais nova do meu pai deslizou pela vida numa névoa artística calma enquanto se envolvia no guarda-roupa do Steve Nicks. Nós mantivemos contato por email, mas eu não me lembraria da última vez que falei com ela. Pode ter sido na última vez em que estive lá em Hawk Valley. Há quatro anos. Não, cinco anos.

E agora, por alguma razão, Jane caçou o número do meu celular para me ligar no meio da noite. E ela estava chorando...

― O que aconteceu? ― eu perguntei e uma sensação de medo surgiu assim que eu lembrei de uma coisa que me esforcei para esquecer esses dias, que há pessoas no mundo com quem eu me importava.

Entre soluços e palavras travadas, ela me contou tudo.

Eu ouvi, mas não compreendi, não completamente.

Eu deveria ter percebido que as piores coisas do mundo acontecem quando você não as vê chegando. O destino era o filhoda-puta mais cruel e eu deveria ter permanecido pronto para qualquer soco. Eu não estava pronto para essa angústia no primeiro momento que o merda chamado 'destino' dizimou a minha vida.

Eu também não estava pronto agora.

Puta que pariu! Eu nunca estaria pronto.

            
            

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