As orelhas da cachorra se abaixaram e ela gemeu olhando para a porta aberta do quarto antes de pular da cama.
― Estou acordado. ― Resmunguei, pisquei forte para clarear um pouco a mente. Eu estava no meu antigo quarto, o quarto na casa do meu pai que não foi tocado pelo projeto de renovação. Carros de esporte e mulheres seminuas ainda decoravam as paredes, congelados no tempo como um adolescente. O quarto era o mesmo de quando eu morava aqui.
Todo o restante tinha sido mudado.
Roxie latiu novamente. A tradução era outra, "Faz aquela criança parar de chorar" ou "Por que você está aí coçando o pinto ao invés de cuidar do bebê? "
― Estou indo. ― Eu gemi, com um bocejo abafado.
O quarto de Colin era no outro lado do segundo andar, bem ao lado de onde tinha sido o quarto de seus pais. E até agora eu tinha evitado olhar lá. Mesmo a visão da porta fechada já fazia eu me sentir mal.
Eu esperava que eles tivessem morrido dormindo, a fumaça do fogo rápido ultrapassando-os antes que eles tivessem a chance de reagir. Mas eu soube que não foi o caso. Meu pai e sua esposa tinham sido encontrados perto da picape. Antes de perceber o incêndio, meu pai deve ter segurado Heather e corrido até o veículo, torcendo para escapar. Nesse momento, eles devem ter percebido que já era tarde demais. As mãos deles ainda estavam juntas quando o resgate os encontrou.
Parei na porta do quarto de Colin. Quando eu morava aqui, o pequeno quarto com papel de parede cinza era usado para armazenar o estoque da loja do meu pai na Avenida Gardner. Agora era uma explosão de cores com animais pintados nas paredes em meio a cenas felizes cheias de balões, sóis sorridentes e arco-íris. Um ursinho de pelúcia me observava da cadeira de balanço do canto e um tigre de pelúcia dormia no pé do berço, onde estava meu irmão que deu uma pausa para respirar antes de cair em pratos de novo.
Roxie cutucou minha mão como se estivesse tentando me empurrar para frente. Eu me aproximei do berço lentamente para não assustar o bebê. Ele não me conhecia ainda. Apenas dois dias se passaram desde o enterro dos seus pais.
― Ei, camarada. ― Eu disse, na tentativa de soar relaxante e autoconfiante. Em vez disso, minha voz arranhou na garganta seca e pareceu mais um rosnado.
Colin parou de chorar, abriu seus olhos para me encarar por alguns batimentos e depois e depois entrou em erupção de novo, chutando as pernas e mexendo seus punhos pequenos com uma impressionante fúria de quatro meses de idade. Roxie fez um barulho simpático na entrada da porta. Suspirei e escavei minhas mãos debaixo do corpo do bebê que estava se contorcendo enquanto tentava esmagar uma pontada de desconforto.
Não havia muito que pudesse me assustar e eu tinha o hábito de me jogar nos desafios. Algumas vezes eu procurei os piores. Mas toda vez que eu pegava Colin, tinha essa nova e indesejada sensação de medo tentando me empurrar para a frente, e aguçada pelo pensamento mais hostil.
Eu não tinha que estar aqui.
Colin ainda estava se contorcendo e percebi que eu provavelmente deveria olhar a fralda. Claro, estava pesada e cheia. Eu o coloquei no trocador, tentando descobrir o jeito de colocar a nova fralda, quando ele soltou um granido seguido de jato de mijo que me acertou no peito.
― Boa mira. ― Eu murmurei, tentando manter a fralda presa no corpo dele antes de limpar meu peito com um punhado de lenços de bebê.
Uma vez que ele já estava com uma fralda limpa, Colin concordou em voltar para o seu macacão confortável. De algum jeito eu fiz isso errado porque ouvi um estalo no fecho da frente que não tinha funcionado e fez toda a roupa ficar torta. Mas cara! A criança estava limpa e tinha parado de chorar, então isso não era grande coisa. Eu o carreguei até a cozinha para pegar uma das últimas mamadeiras que Kat Doyle tinha preparado. Ela havia me dado duas latas de leite em pó e muitas instruções exatas que eu logo esqueci, porque era muita coisa para colocar na minha cabeça em tão pouco tempo. Nada demais. Eu só adicionaria preparação de mamadeiras para a longa lista de coisas que eu precisava descobrir.
Colin começou a mamar energeticamente na segurança do meu braço direito enquanto eu tentava usar a máquina de café. Normalmente eu evitava cafeína, mas essa parecia ser uma boa manhã para abrir uma exceção. Fiquei surpreso em ver a hora no relógio acima do fogão: 8:50. Minha noção de tempo estava uma droga. Achei que era mais cedo.
A máquina de café espirrou um único jato de líquido na caneca que dizia "Felicidade de Hawk Valley". Deveria ter uma dúzia igual a essa no armário. Não me importei com creme ou açúcar, engolindo o calor tão rápido quanto minha boca aguentava.
Ao mesmo tempo, Colin terminou sua mamadeira e começou a choradeira. Achei que ele ainda estivesse com fome, então ofereci outra mamadeira. Ele pareceu feliz com isso.
A batida na porta da cozinha quase me fez largar a caneca de 'Felicidade de Hawk Valley'. Roxie pulou. Ela observou a sombra do lado de fora, latiu uma vez e logo começou a sacudir o rabo.
― Você esqueceu que é um cão de guarda? ― Perguntei, colocando para o lado a cortina amarela que cobria o painel de vidro.
Do lado de fora, Kathleen Doyle acenou para mim e eu não sabia se gemia com aborrecimento ou se abria a porta grato. Na maior parte do tempo, Kathleen era boa. Não mais a nerd magra que costumava me seguir por aí, ela cresceu cuidando da própria filha e ela obviamente estava de luto pela morte da prima. Além disso, ela adorava Colin e parecia saber tudo sobre bebês, então ela seria incrivelmente útil. Mas ela também poderia ser desgastante. Kathleen tinha muita energia e competência e, naquele momento, lidar com ela seria como um pé no saco. Ainda assim, abri a porta porque ela não merecia ver meu lado babaca.
― Bom dia. ― Ela disse radiante, preparando para passar pela soleira da porta antes que eu a convidasse. Ela estava com a filha, uma garotinha com tranças castanhas e biquinho no rosto. Ela não se parecia com a Kathleen. Provavelmente se parecia com o pai, quem quer que fosse. Eu não era tão rude para perguntar.
Colin respondeu ao som da voz da Kathleen, esquecendo a mamadeira e tentando se lançar na sua direção. Kathleen balbuciou e o arrancou dos meus braços sem pedir. Roxie estava encantada com as visitas inesperadas, balançando o rabo contra o fogão e lambendo o rosto da menina.
― Eu gosto desse cachorro. ― A menina disse, dando risinhos.
― Emma. ― Sua mãe alertou. ― Cuidado com cachorros que você não conhece.
Emma fez careta para sua mãe.
― Mas ele gosta de mim.
― Ela. ― Corrigi, abrindo um meio sorriso. ― O nome dela é Roxie.
― Viu, mamãe? É ela. Ela é legal.
― Ainda precisa ter cuidado.
Me virei para Kathleen.
― Olha, tudo bem. Roxie não machucaria nem uma mosca.
Kathleen não estava me ouvindo. Ela estava muito ocupada com Colin.
― Está com fome, anjo? Quer mais ba-ba?
Ba-ba???
Kathleen tirou a mamadeira de mim e colocou de volta na boca de Colin. Ela cantarolou e o balançou para frente e para trás. Eu precisava admitir, a criança não parecia se incomodar com toda essa atenção. Ele começou a observá-la com uma admiração infantil e pegou uma mecha do seu cabelo vermelho cacheado, balançando na mão.
― Ele tem tudo que precisa? ― Ela perguntou e finalmente me olhou. O que ela encontrou a fez piscar, franzir seus lindos lábios vermelhos e voltar seu olhar para o bebê.
Eu ainda estava meio nu, usando nada além de cueca sambacanção, mas eu não iria correr para o andar de cima para procurar algo melhor. Kathleen apareceu sem avisar. Então se ela queria fechar a cara, corar e fingir que estava tentando não encarar, boa sorte. Tomei mais um gole de café.
― Ele está bem. ― Disse, claramente incomodado por ela questionar se eu estava cuidando de Colin.
Ela verificou a roupa entortada e com fecho quebrado.
― Sério?
― Claro. Temos nos divertido juntos, convidei algumas stripppers noite passada, cheiramos cola e festejamos até o sol nascer.
― Mamãe, o que é uma stripper? ― Emma perguntou.
Kathleen estava aborrecida.
― Uma coisa que não vamos falar agora.
― Por que?
― Culpa minha, Emma. ― Eu disse, abaixando minha caneca.
― Eu disse uma palavra ruim. Desculpa.
A menina parou de brincar com Roxie e se aproximou de mim.
― Quem é você?
― Querida, esse é Nash Ryan. ― Kathleen disse. ― Você o conheceu. Ele é o irmão de Colin.
A menininha estava duvidosa.
― Ele não parece um irmão, parece um pai.
Kathleen tentou de novo.
― Ele é o filho mais velho do tio Chris, lembra?
― Ah, é. ― Emma disse e sua expressão mudou. De algum jeito a tragédia deve ter sido contada a ela. Mas não se sabia o quanto uma criancinha realmente entendia da morte. Ela provavelmente não estava nem no jardim de infância ainda. Eu já era um adolescente quando me deparei com uma tragédia de verdade pela primeira vez e, ainda assim, fui pego de surpresa pela perenidade da situação.
Mas aí Roxie lambeu o rosto de Emma de novo. Emma riu e o momento sombrio passou.
Kathleen limpou a garganta.
― Ei, Nash, posso te perguntar uma coisa?
Eu bocejei.
― E aí? Quer café?
― Não, obrigada. ― Ela apontou para uma mamadeira vazia no balcão. ― Você já deu uma para o Colin?
― Sim. ― Eu murmurei. ― Ele acordou e parecia com muita fome.
― Então essa é a segunda?
― A menos que as regras de aritmética tenham mudado.
― Você o colocou para arrotar?
― Não. Não pareceu que ele precisava.
Kathleen exalou um pouco alto demais e fez uma careta. Senti que dei a resposta errada.
'Ainda havia um pouco de líquido na mamadeira, mas Kathleen a retirou da boca de Colin e o passou de volta para mim.
― Tudo bem, amor. ― Ela disse numa voz doce cantada quando Colin grunhiu em protesto. ― Teu irmão vai te colocar para arrotar.
Kathleen amava segurar Colin, então eu imaginei que teria que ter um motivo para ela me entregá-lo tão abruptamente. Eu não tive tempo para pensar nisso, porque durante a tentativa de pegá-lo, a parte de trás da minha mão acidentalmente esbarrou no firme seio esquerdo da Kathleen. Meu pinto abandonado ameaçou acordar e, de repente, eu me arrependi de estar ali usando apenas uma mera samba-canção.
Pense em outra coisa, qualquer coisa! Hambúrguer. Merda de cachorro.
― Ah, espera aí. ― Eu disse, chegando perto da pia enquanto Kathleen continuou segurando o bebê. ― Tenho que lavar minhas mãos.
Isso era ridículo. Eu não era um adolescente babando excitado depois de apalpar os primeiros peitos. Só porque eu não tocava em um há tempos não significava que eu ia perder o controle.
― Nash? ― Kathleen disse, soando irritada.
Beisebol. Atropelamento. Secador. Qualquer coisa menos tetas. QUALQUER COISA MENOS SEIOS!!!
― Só um momento. ― Esguichei sabonete nas mãos e lutei para controlar meus impulsos com pensamentos livres de sexo que nada tinham a ver com o rápido toque não intencional no peito de Kathleen. Eu precisava sair bem dessa, mas tinha certeza que essa garota não ia se oferecer para transar. De qualquer forma, havia outras prioridades além de sexo.
Pelos próximos vinte segundos, eu me tornei o trabalhador que mais lavava a mão no estado de Arizona. Eu não enxaguei as mãos até ter certeza de que meu pau tinha se acalmado e não iria saltar do meu calção.
― De boa agora. ― Eu disse, sacudindo a água das minhas mãos e virando para encarar Kathleen.
Ele me lançou um olhar divertido e prendeu o meu irmão nos meus braços.
Colin continuou se contorcendo até que eu tentei dar palmadinhas nas suas costas. Percebi que Emma estava no chão com Roxie. Ela estava acariciando a cachorra e sussurrando alguma coisa enquanto Roxie olhava para ela com uma fascinação extasiada. Kathleen se mexeu para se apoiar na parede, observando-me com os braços cruzados como se estivesse esperando alguma coisa acontecer.
Poucos segundos depois, descobri que aquela 'alguma coisa' era quando balançou a cabeça, abriu a boca e cuspiu um vômito branco e pegajoso de bebê por todo meu ombro direito.
― Merda!
― Eca! ― Emma gritou.
Roxie latiu.
Colin começou a chorar.
― Ah... está tudo bem, meu bem. ― Kathleen disse e, por um estranho segundo nessa confusão toda, achei que ela estivesse falando comigo.
Ela não estava. Mais uma vez ela agarrou o Colin enquanto murmurava num tom de voz doce e meloso que me dava vontade de revirar os olhos ou vomitar. Kathleen carregou o bebê choroso para o andar de cima, deixando-me coberto de vômito enquanto sua filha ficava de boca aberta me olhando.
― Você precisa limpar isso. ― Emma me informou e depois retomou a brincadeira com Roxie.
― Obrigada, eu vou. ― Eu murmurei.
Peguei um punhado de toalhas de papel para absorver a maior parte da sujeira, mas não consegui me livrar da viscosidade. Além disso, agora eu cheirava a leite azedo. Nunca tinha passado pela minha cabeça que eu acabaria virando uma lona para xixi e golfo na mesma manhã.
Ao mesmo tempo, eu podia ouvir a Kathleen lá em cima. Ela estava cantando alguma música infantil sobre coelhinhos na floresta e o Colin tinha parado de chorar. Joguei as grossas toalhas de papel no lixo. Mais do que nunca eu queria ter uns minutos para espairecer no vapor de um banho quente.
― Ouça, ― Eu disse a Emma. ― você vai ficar bem aqui por alguns minutos?
A menina me olhou, piscou seus grandes olhos castanhos e deixou a cabeça baixa no azulejo da cozinha ao lado das patas da Roxie. Roxie deu uma fungada no cabelo dela e lambeu seu rosto. Eu percebi que isso significava que tudo bem, então corri as escadas acima.
Quando eu espiei o quarto de Colin, Kathleen estava de costas para mim enquanto o limpava no trocador. A saia azul colorida que ela usava era larga e longa e não podia esconder que ela tinha uma bela bunda. Eu poderia ser um pedaço de merda por fazer isso, mas eu fiquei parado tempo suficiente para dar uma boa olhada nessa vista antes de recuar, depois pegar uma muda de roupas de uma das minhas malas e ir ao banheiro principal.
Os tubos velhos soltaram um ruído quando eu liguei o chuveiro, mas a água estava maravilhosamente quente. Eu me senti muito melhor depois dos trinta segundos debaixo do jato, mas eu ainda estava agitado de tal forma que a água não poderia resolver. Na última semana, minha vida tinha sido só tristeza e planejamentos dos enterros e ansiedade e arrependimento. Eu precisava de alguma outra coisa. Um descanso, alguma coisa breve e sórdida para redirecionar meus pensamentos. Meu pau se contraiu e endureceu quando minha mão se fechou ao redor. Com tudo que estava acontecendo na casa naquele momento, não era exatamente uma boa hora para bater uma pensando na bunda coberta de flores e nos seus peitos duros. Eu fiz assim mesmo. Ninguém precisava saber.
Pelo tempo que saí do chuveiro e vesti minhas roupas, Kathleen levou Colin para baixo. Eu a encontrei na cozinha, despejando um cereal rosa que parecia horrível numa tigela. Felizmente Colin parecia muito bem instalado na sua cadeirinha e posicionado no meio da larga mesa da cozinha. Ele estava limpo, vestindo uma roupa diferente, e as mechas do cabelo claro dele pareciam combinar. Ele estava contente esmagando os brinquedos coloridos que estavam pendurados na cadeirinha. Emma sentou numa cadeira para crianças grandes e a cabeça da Roxie estava no seu colo. Parece que minha cachorra encontrou uma nova mestra.
― Espero que esteja tudo bem com isso. ― Kathleen disse, pegando uma colher de uma gaveta próxima e colocando a tigela de cereal na frente da sua filha. ― Heather cuidava tanto de Emma que ela costumava ter suas comidas preferidas sempre.
Eu dei de ombros.
― Por mim tudo bem.
Kathleen me olhou de cima a baixo. Eu não sabia o que ela estava olhando. Eu não estava mais quase pelado, então não havia nada para ver. Eu vesti jeans e uma camiseta verde com letras tão desbotadas que tinha esquecido o que diziam.
Mas, no caso de a inteligência lendária da Kathleen incluir poderes físicos, peguei uma garrafa de produto de limpeza e comecei a borrifar na bancada para que ela não pudesse adivinhar que eu tinha batido uma pensando numa foda imaginária da qual ela tinha feito parte.
― Parece que a tua mão já sarou. ― Ela disse, apontando.
Olhei para as costas da minha mão. Ainda tinha um hematoma e casca na pele, mas não tinha mais necessidade de usar a atadura.
Entretanto, lembrei que a Kathleen não era nenhuma tola e eu precisava escolher minhas palavras cuidadosamente.
― É. ― Eu disse, mantendo meu tom uniforme. ― Vou ter mais cuidado no futuro.
― Nash, você pode ser honesto comigo se isso não estiver funcionando.
Eu parei de borrifar e olhei para ela.
― O que não está funcionando?
Ela olhou de relance para Colin e pareceu triste.
― Você não parece pronto para isso. Você nunca esperou ser o guardião, né?
Abaixei o produto de limpeza um pouco forte demais. O barulho foi meio alto. A cabeça da Roxie apareceu e ela me olhou assustada. Kathleen cruzou os braços de novo. Emma continuou comendo seu cereal.
Eu apoiei minhas palmas das mãos na bancada e tentei manter minha raiva longe da voz.
― Não importa o que eu esperava. Heather e Chris não esperavam morrer. É assim que as coisas são. E apesar do que você parece pensar de mim, eu não vou largar as minhas responsabilidades.
Ela levantou uma sobrancelha.
― Eu não estava insinuando isso. Você realmente parece estar com dificuldade.
― Kathleen, dá um tempo. Há dois dias, eu enterrei meu pai e sua esposa e descobri que eu vou criar uma criança pelos próximos dezoito anos. Ainda estou tentando entrar nessa. Minha vida virou de cabeça para baixo.
Ela soltou um pequeno zunido, um som de desgosto.
― Não é sobre você se punir, Nash. É sobre o que é melhor para o Colin.
― E você não acha que eu sou capaz de fazer o que é melhor para ele.
Não era uma pergunta. Ela estava sendo muito clara.
Kathleen inclinou a cabeça.
― Você acha que é capaz de fazer o que é melhor para Colin?
Minha temperatura estava subindo. Talvez tivesse alguma coisa a ver com a sua atitude imperial. Talvez tivesse alguma coisa a ver com o fato de que ela estava invadindo os meus piores medos. A verdade era que eu realmente não estava certo se eu tinha o que Colin precisava. Eu não sabia se eu era capaz de ser um bom pai, ou até mesmo um pai satisfatório.
Ou talvez eu só estivesse ressentido do fato de que Kathleen parecia sexy como um pecado mesmo quando me deixava louco.
― O melhor para o Colin ― Eu disse numa voz firme. ― seria se seus pais nunca tivessem morrido.
Kathleen fez uma careta.
― Lógico. Mas essa não é a realidade.
― Não, não é a realidade. A realidade é que Heather e Chris estão mortos. A realidade é que eles me escolheram como o guardião para o filho deles, que também é meu irmão. ― Eu exalei e reduzi minha voz. ― Então é isso que eu vou fazer. Ser o guardião dele.
Ela não pareceu convencida.
― Simples assim? Você não tem um trabalho em Oregon?
― Eu sou um designer de sites autônomo. Posso fazer de qualquer lugar.
― Mas você pode apenas se mudar sem dar satisfação?
― Claro.
― Deve ter outras coisas para considerar.
― Tipo o que, Kathleen?
― Bem, você não tem uma vida, Nash?
Eu estava de saco cheio das perguntas dela.
― Você não tem uma vida, Kathleen?
Ela vacilou.
― Eu tenho uma vida. ― Ela disse calmamente e estendeu a mão para tocar a cabeça da filha.
Emma olhou de relance para mim e depois continuou comendo seu cereal. Tinha a sensação de tê-la magoado. Não era a intenção. Eu valorizava tudo que a Kathleen tinha feito. Eu estava feliz por ela ter cuidado do Colin. E eu não sabia qual era sua situação pessoal. Kathleen Doyle cresceu brilhantemente, uma daquelas pessoas que devem viajar e conquistar o mundo. Mas aqui estava ela, de volta à cidade natal, morando em um duplex com uma criancinha e sem nenhum anel no dedo.
― Na verdade, eu não tinha muito uma vida. ― Eu disse e Kathleen olhou surpresa. ― Não mesmo. Eu morava sozinho. Não saía muito. Eu só existia. Então não estou perdendo nada.
Era tudo verdade... Ainda não era a completa verdade. Eu não me sentia obrigado a explicar cada pensamento meu para a Kathleen. Ela não precisava saber que algo ainda queimava dentro de mim, algo que foi inflamado no dia que minha mãe foi assassinada por um homem em que ela confiava. Algo que me obrigava a andar pelas sombras e fazer pequenas doses de justiça quando eu encontrava chance. Kathleen me parece ser do tipo que nunca aceitaria violência, mesmo quando necessária. Se eu tivesse que admitir a história verdadeira por trás do ferimento nos dedos, ela não entenderia. Ela poderia decidir causar problema.
Eu andei em volta da bancada e me aproximei da mesa. Apertei um porco rosa esponjoso que está pendurado na cadeirinha do Colin. Fez um chiado agudo. Ele chutou as pernas e sorriu. Eu sorri de volta.
― Estou nessa a longo prazo. ― Eu disse numa voz suave, falando mais para o meu irmão do que para a Kathleen.
― Sinto muito. ― Ela disse. ― Eu não quis...
― Não sinta. ― Eu disse bruscamente. ― Vamos deixar para lá.
Ela assentiu.
― Tudo bem.
Por alguns segundos, não havia nenhum barulho além da Emma mastigando.
Decidi que precisava de outra xícara de café, então enchi a caneca novamente.
― Você parecia estar indo para o trabalho. ― Eu disse. Eu não fazia ideia do que Kathleen Doyle fazia da vida, eu particularmente nem me importava, mas a conversa precisava de um novo caminho.
― Ah, o trabalho. ― Disse ela, puxando uma cadeira da cozinha e sentando. ― Tem mais uma coisa que eu queria conversar com você. E eu vou querer uma xícara de café se ainda estiver valendo.
Eu enchi mais uma caneca da Felicidade de Hawk Valley e dei a ela. Ela sorriu quando viu, mas eu não entendi porquê. Eu a observei jogar seus grandes cachos vermelhos por cima do ombro e levar a caneca aos lábios grandes e sensuais.
― É sobre trabalho? ― Eu perguntei para manter minha mente nos tópicos de classificação livre.
― É. Eu queria falar da loja, para saber o que tinha em mente. Já está fechada por uma semana, o que obviamente é compreensível. Mas eu estava pensando se você pensou em um cronograma para a reabertura.
Eu não tinha pensado nada para a loja do meu pai na Avenida Gardner. O lugar tinha passado por um monte de transformações ao passar dos anos. Quando meu avô comprou o prédio, era um bar falido. Ele reformou e abriu um café chamado Ryan's Place. Foi mantendo por uns anos, mas depois meu pai tomou posse quando eu era bebê. Administrar um restaurante com pouco lucro era complicado e Chris Ryan tinha outras ideias. Ele pensou que Hawk Valley estava à beira de renascer e que a Avenida Gardner se tornaria algum tipo de meca artesanal, atraindo turistas e compradores de arte como os lugares em Sedona e Scottsdale. Por isso, Ryan's Place se tornou Galeria das Montanhas de Hawk. Foi um erro de cálculo. Uma mísera galeria não era o bastante para atrair os colecionadores para a área. Então mais uma vez houve uma mudança e a Presentes de Hawk Valley nasceu. Era uma loja comum de lembranças onde se poderia comprar todos os tipos de porcaria brega com seu novo logo gravado em letra dourada, mas tinha uma parte importante nos fundos, onde os artistas locais vendiam suas obras por consignação. Pelo menos era como as coisas estavam na última vez em que estive aqui. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo na loja atualmente.
Kathleen esperava minha resposta.
― Eu vou pensar. ― Eu disse, mesmo que a loja não fosse minha lista de preocupações.
― Eu posso te encontrar lá essa tarde. ― Ela ofereceu, olhando seu relógio. ― Eu tenho que deixar a Emma na pré-escola e depois vou conhecer um casal de clientes, mas eu posso por volta das duas.
Não entendia por que a Kathleen se preocuparia tanto com a loja. Parecia ser mais do que simplesmente se manter ocupada.
― Talvez outro dia. ― Eu disse, olhando de relance para Colin na cadeirinha. Ele ainda estava encantado com o porco balançando.
Kathleen não estava satisfeita.
― Nash, tem algumas coisas que realmente precisam ser discutidas sobre a loja.
― Tudo bem, não hoje. ― Eu tinha outras coisas para descobrir, como a educação de crianças. E meu próprio trabalho me aguardava. Tinha meia dúzia de projetos não finalizados no meu laptop e provavelmente um limite da simpatia dos clientes.
Kathleen franziu a testa.
― Você também tem dois empregados para levar em consideração, sabe.
Não, essa ideia nunca me ocorreu.
― E você é um deles? ― Perguntei a ela. Isso explicaria o motivo da insistência dela, mesmo que eu achasse que Kathleen e seu supercérebro pudessem fazer muito mais do que trabalhar numa loja de presentes de uma cidade pequena.
Ela sacudiu a cabeça.
― Não. Bom, mais ou menos. Quer dizer, eu não era uma das empregadas a quem estava me referindo. Mas tenho feito as contas nos últimos três anos, então posso dizer tudo que precisa saber sobre a situação financeira da loja.
― Você é contadora?
Ela sacudiu a cabeça.
― Mais perto de contabilista. Eu opero independentemente e alguns pequenos negócios de Hawk Valley são meus clientes. ― Um sorriso triste tocou seus lábios. ― Tenho que agradecer a Heather por isso. Ela convenceu seu pai a me contratar quando eu não tinha graduação nem experiência e depois me recomendou pela cidade.
Kathleen procurou dentro de uma bolsa marrom pequena, arrancou um cartão de negócios e me entregou.