Capítulo 6 Sementes ao Sol

O sol já começava a aquecer com mais força quando Nicholas, ainda com o peito arfando, olhou para Valéria e sugeriu, entre um sorriso e uma respiração mais profunda:

- Quer tomar alguma coisa? Um refresco? Tá um calor absurdo.

Ela o analisou por um segundo. A regata branca dele estava colada ao corpo suado, revelando cada linha definida dos braços e a barriga trincada. Os cachos loiros bagunçados, o olhar claro e sincero - tudo nele parecia real demais para aquele cenário quase cinematográfico.

- Vamos ali - respondeu, apontando para uma lanchonete discreta na esquina. - Está quente mesmo.

Sentaram-se numa mesinha sob o toldo, protegidos do sol direto. Nicholas pediu uma água de coco gelada; ela, um suco de abacaxi com hortelã. O ambiente era tranquilo, com poucas pessoas. Por um momento, parecia que o tempo desacelerava ao redor deles.

- Então... - ele começou, apoiando os cotovelos na mesa - por que investigação? Sempre foi esse o plano?

Valéria sorriu, passando os dedos pelo canudo.

- Sempre não. Quando era pequena, queria ser astronauta. Depois médica. Mas quando meu pai foi preso injustamente por uma acusação absurda, eu tinha doze anos. Aquilo me marcou. Entendi, cedo demais, que justiça não era automática. E decidi que queria estar do lado de quem podia fazer alguma diferença.

Nicholas a olhou com respeito renovado.

- Faz sentido. Você tem esse... olhar de quem enxerga além. É raro.

Ela sorriu de canto, sem rebater o elogio.

- E você? Londres, hein? Deve ter sido uma vida bem diferente.

- Totalmente. - Ele deu um gole na água de coco. - Eu fui pra lá fugindo de algumas coisas... e buscando outras. Fiz meu mestrado, trabalhei em alguns escritórios bons, mas... nunca me senti completo. Sabe aquela sensação de que algo ficou pra trás?

- Sei. - Ela assentiu, pensativa. - Às vezes, a gente acha que recomeçar é o suficiente, mas tem coisas que só se resolvem quando encaramos.

Nicholas a observou por um segundo a mais do que o necessário.

- Você fala como quem já enfrentou muita coisa.

- E você, como quem ainda vai enfrentar.

Os dois sorriram, quase ao mesmo tempo. Um silêncio breve se instalou, mas não era desconfortável. Era daqueles que nascem quando duas pessoas começam a se reconhecer.

O vento leve bagunçava os fios do rabo de cavalo de Valéria. Nicholas desviou o olhar por um instante, tentando controlar os pensamentos que fugiam ao plano original. Mas era difícil. Ela era diferente. Forte, e ao mesmo tempo... doce.

- A gente podia repetir isso outro dia - ele disse, casual. - Corrida, conversa, bebida gelada.

Valéria mordeu o canudo, olhando pra ele por cima do copo.

- Vamos ver se você aguenta me acompanhar, Ferrarezzi.

- Em todos os sentidos? - ele arriscou, com um sorriso.

Ela riu, sem negar nem confirmar.

E naquele instante, sob o sol matinal e entre risos discretos, algo começava a brotar. Ainda tímido. Mas vivo.

            
            

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