Capítulo 4 Névoa

espelho do apartamento refletia a imagem de Nicholas ajustando o colarinho da camisa preta. A luz amarela do abajur desenhava sombras em seus ombros largos. Ele vestia calça jeans escura, camisa justa de botões e um relógio discreto no pulso esquerdo. O cabelo loiro, levemente cacheado, estava alinhado - mas com um toque de desordem proposital. Os olhos azuis, intensos, pareciam ainda mais marcantes sob a luz artificial. A aparência era atraente o suficiente para chamar atenção - e ele sabia disso.

Mas não era vaidade. Era estratégia.

A fachada da boate era discreta, quase anônima, como se soubesse o que escondia. Um letreiro em néon azul piscava devagar sobre a entrada: Névoa. Nicholas parou por um segundo antes de entrar, observando o vai e vem das pessoas. Rostos desconhecidos, vozes abafadas pela música. Ele inspirou fundo. O coração acelerado não era medo - era propósito.

Ao atravessar a porta, foi engolido por luzes dançantes, batidas graves e o cheiro familiar de álcool e fumaça. O ambiente estava lotado, mas Nicholas se sentia solitário. Cada detalhe ali carregava a sombra de Arturo - o irmão sorridente, apaixonado por música, por gente, por noites assim.

Chegou ao bar e se sentou em um dos bancos altos. Queria ver. Observar. Mergulhar no cenário que, por tanto tempo, fora o palco da vida de Arturo.

Foi então que ela apareceu.

Lily.

Tatuagens que serpenteavam pelos braços, uma gargantilha discreta no pescoço, cabelos presos de forma despretensiosa. Carregava três copos na bandeja e um sorriso leve, mas atento. Havia algo nela que misturava cansaço com doçura. Era trabalhadora, dessas que sabiam o nome dos clientes mais frequentes e notavam quando alguém novo cruzava a porta.

Nicholas a reconheceu de imediato. Arturo falava dela com carinho e respeito.

"A Lily me salva das piores noites. Sem ela, eu nem estaria aguentando aquele lugar."

Lily o viu, inclinou a cabeça, curiosa. Aproximou-se.

- Primeira vez aqui? - perguntou, com naturalidade.

- Pode-se dizer que sim - respondeu ele, tentando manter a voz firme.

- O que vai beber?

Nicholas hesitou por um instante. Depois disse, com suavidade:

- Me vê um vinho branco suave com duas folhas de hortelã.

Ela parou no meio do movimento. Olhou para ele, surpresa. Um segundo de silêncio.

- Essa... é uma escolha incomum. Não é todo mundo que pede isso.

- Por quê?

- Porque era a bebida de alguém especial. - Ela sorriu com leveza, mas havia um traço de saudade nos olhos. - Ele dizia que o gosto lembrava o céu antes da tempestade.

Nicholas engoliu seco, disfarçando a pontada no peito.

- Bonita definição. E ele não vem mais aqui?

Lily desviou os olhos. Sua resposta foi breve.

- Não. Ele faleceu faz pouco tempo.

Ela serviu o drinque com habilidade, mas não tirava os olhos dele. Havia algo em Nicholas que a deixava inquieta - talvez a forma como ele olhava ao redor, como se cada canto da boate contasse uma história que ele já conhecia. Talvez fosse só impressão. Ou o fato de que, apesar de não serem parecidos, havia algo nos traços dele... algo que lembrava Arturo.

- Ele era meu amigo - continuou ela, baixando a voz. - Um amigão, mesmo. Daqueles raros. Sempre disposto, sempre de bem com a vida. Eu não acredito que ele tiraria a própria vida... Isso não combina com quem ele era.

Nicholas a encarou com atenção.

- Mas... e a polícia? O que dizem?

- Estão querendo encerrar o caso. Tudo que sei é isso. Muito rápido, sem perguntas, sem detalhes. Como se quisessem esquecer.

Nicholas apoiou os cotovelos no balcão, tenso.

- Ele parecia... feliz?

- Na maior parte do tempo, sim. Mas... - ela hesitou. - Quando a noiva vinha... ele mudava. Ficava meio tristonho, calado. Eu achava que era só cansaço. Agora, não sei mais.

Antes que Nicholas pudesse perguntar mais, risadas chamaram a atenção de ambos.

Michelle e seus amigos - Felipe, Alana, Willian e Marcela - entraram pela pista de dança, rindo e se provocando com cumplicidade. O grupo se movia com a confiança de quem conhecia cada canto da boate. Eram jovens, bonitos, e claramente acostumados a dominar o ambiente.

Michelle exalava presença. Os cabelos ondulados desciam soltos, o vestido preto marcava sua silhueta com elegância. Dançava com naturalidade, mas seus olhos não eram distraídos - analisavam, escolhiam, captavam.

E então ela o viu.

Os olhos azuis de Nicholas brilharam sob a luz roxa do salão. Ele parecia uma figura saída de um sonho confuso: misterioso, bonito, deslocado e, ao mesmo tempo, essencial àquele cenário. Um deus grego em meio à névoa artificial e à música alta.

Michelle parou por um segundo, sem disfarçar.

Havia algo nele que não se encaixava. E isso o tornava ainda mais interessante.

Nicholas fingiu não notar. Mas por dentro, sabia: o primeiro passo tinha sido dado.

E o jogo, enfim, começava.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022