/0/14445/coverbig.jpg?v=d120edfc595220e29f599bab7a546f88)
Ao final do jantar, a chuva não só não havia cessado, como parecia mais violenta. O som das gotas castigando os vidros do restaurante do hotel se misturava ao eco dos trovões que rasgavam o céu com força cada vez maior.
Valéria olhou pela janela, inquieta. As ruas ao redor já mostravam sinais de alagamento. Carros passavam devagar, formando ondas que se quebravam nas calçadas.
- Meu Deus... essa chuva não passa - murmurou, franzindo a testa. - E eu preciso ir.
Nicholas se recostou na cadeira, cruzando os braços com um ar tranquilo demais para a situação.
- Acho que não vai passar tão cedo. - Olhou para o relógio. - Já são 21h.
- Pois é... - ela respondeu, incomodada. - Era pra eu estar na delegacia agora. Tenho relatórios pra finalizar.
Ela pegou o celular, tentou uma ligação, mas não havia sinal. Frustrou-se com um suspiro pesado. Nicholas observava tudo com um ar quase divertido, mas não debochado. Havia ali uma pitada de admiração por aquela mulher que não parava - mesmo quando o mundo lá fora dizia para esperar.
- Você se importa de esperar um pouco aqui no saguão? - ele perguntou. - Se a chuva não der trégua, vejo se consigo um carro grande pra te levar.
Ela hesitou. A ideia de depender de alguém - especialmente dele - a incomodava um pouco. Mas a situação era mais forte do que o orgulho.
- Está bem. Mas só por um tempo.
- Ótimo - ele respondeu, já se levantando. - Vou pegar nossos guarda-chuvas com o recepcionista. Ou, no nosso caso, sombrinhas simbólicas contra o dilúvio.
Ela soltou um riso breve, vencida pela ironia da situação.
**
Os dois caminharam até o saguão, onde alguns hóspedes conversavam em voz baixa, outros reclamavam do tempo e da falta de táxis. Nicholas e Valéria sentaram-se num sofá largo, com vista para a entrada do hotel. As luzes lá fora piscavam, instáveis, ameaçando um possível blecaute.
- Sabe o que é curioso? - disse Nicholas, mexendo no celular em busca de sinal.
- O quê?
- Eu planejei cada passo desde que voltei pra cá. Cada movimento. Mas... não planejei você.
Valéria virou o rosto, encarando-o de surpresa. Mas seus olhos suavizaram a expressão.
- Isso foi um elogio?
- Não sei. Você é policial, deve saber interpretar melhor as entrelinhas.
Ela sorriu de lado, balançando a cabeça como quem não queria admitir que gostou da provocação.
- E você... advogado charmoso, sempre tem uma resposta, né?
- Nem sempre. Por exemplo... ainda tô esperando seu aceite na rede social.
Valéria riu, relaxando um pouco.
- Ainda estou decidindo se posso confiar em você.
Nicholas levou a mão ao peito, teatral.
- Desse jeito vou ter que fazer valer minha OAB pra te convencer.
- Hm... isso talvez funcione - ela brincou. - Ou talvez eu só esteja esperando pra ver até onde você vai com tudo isso.
Nicholas não respondeu de imediato. Apenas a olhou. A tensão entre eles já não era mais só profissional.
**
Um trovão forte interrompeu o momento, fazendo alguns hóspedes se assustarem. As luzes piscaram mais uma vez.
- A cidade vai parar hoje - murmurou Valéria.
- E talvez seja por isso que estamos aqui agora - ele disse, com a voz mais baixa, quase cúmplice.
Ela desviou o olhar por um instante. A chuva, a noite, os mistérios... tudo parecia empurrá-los para algo novo. Algo que nem um advogado planejado, nem uma investigadora racional podiam controlar.