Capítulo 6 Fred

Fred Narrando

O jantar acabou, e um por um começou a se levantar da mesa. Dom foi pro escritório, Vincent sumiu no corredor e eu fiquei por último, observando. Hope ainda conversava com a mãe dela, sorrindo como se o mundo fosse leve. Não é. Ela devia saber disso. Aqui dentro nada é leve. Nada é seguro.

Dei um gole no vinho, o último da noite, e deixei a taça na mesa. Me afastei em silêncio, como sempre. Subi as escadas devagar, mãos nos bolsos da calça, passos firmes no piso de madeira. O som do meu próprio andar ecoava nas paredes da casa onde cresci. Tudo ali era antigo, sólido, carregado de história, e de sangue.

Passei pela porta do meu quarto, mas não entrei. Fiquei parado no corredor, de frente pra porta do quarto novo dela. Aquele maldito quarto que agora era dela. Não sei por que fiz isso. Curiosidade? Idiotice? Ou só aquele incômodo no peito que começou desde a hora que vi ela chegar com aquele vestido.

Ela cresceu.

Não era mais a garotinha que corria atrás da mãe na cozinha. Era uma mulher. Corpo de mulher, olhos de mulher. Olhar firme, mas inocente demais pra esse mundo. Inocente demais pra mim.

Ouvi a voz dela e da mãe vinda do fim do corredor. As duas riam baixinho. Fui até o meu quarto e entrei. Fechei a porta devagar, encostei a testa nela por um segundo. Respirei fundo.

- Merda - murmurei.

Fui direto pro banheiro. Tirei a camisa, joguei na cadeira. Tomei um banho frio, quase gelado. Eu precisava esfriar o sangue. Só que não adiantou nada. A imagem dela desfilando na minha cabeça, mexendo com tudo que eu achava estar sob controle.

Aquela maldita mulher não tem noção do efeito que causa. E se tiver pior ainda.

Saí do banho, vesti uma calça de moletom, uma camiseta preta, e fui até a janela. Da minha janela, dava pra ver o jardim interno. Respirei fundo.

Ela está aqui. Na ala principal. A poucos metros de mim. A poucos segundos de qualquer decisão errada.

Meu pai tá feliz com a volta dela. Quer ela dentro da família. No negócio. No meio da merda toda.

Ela não sabe o que significa estar aqui dentro. Não entende o tipo de homem que sou. Nem deve entender.

Hope Olhou nos meus olhos, apertou minha mão, e sorriu.

E eu? Fingi frieza. Fingi que controlei. Mas quando a pele dela encostou na minha, meu corpo reagiu como se tivesse esperado oito anos por aquilo.

Agora ela está do outro lado da parede. E eu estou aqui, tentando não ceder. Tentando manter o instinto trancado.

E eu sei que o controle não vai durar muito.

O despertador tocou às cinco, mas eu já estava de pé. Sono leve, cabeça pesada. Passei a madrugada virando na cama, pensando nela. No maldito vestido, no sorriso, no toque da mão. Tomei banho quente, vesti calça preta, camisa escura, coldre por baixo do casaco. Peguei a chave da moto e desci sem fazer barulho. A casa ainda dormia.

Eu sempre sou o primeiro a despertar, a verdade é que. Desde que eu fiquei viúvo, que não consigo mais dormir e muito menos descansar como antes.

A estrada até a sede da máfia Collins era longa, ladeada por vinhedos silenciosos e cercas de ferro. O portão abriu assim que me aproximei. Dois dos novatos estavam na guarita. Nem olharam pra mim. Sabem que não gosto de papo de manhã.

Cheguei na sede, uma construção de pedra, imponente, com cheiro de madeira antiga e pólvora. Meu território. Minha selva.

Treinei os soldados a manhã toda. Reforcei técnicas, testei reflexos, mandei repetir cada movimento até os braços deles falharem. Aqui não tem moleza. Aqui se erra uma vez só. E morre.

- Vocês ainda estão lentos. No campo, isso custa vidas. - rosnei, empurrando o ombro de um dos moleques.

Depois do treino, fui direto pra sala dos fundos. Peguei uma cerveja gelada e sentei no canto, suado, o corpo cansado, mas a mente alerta. Foi quando meu pai chegou.

Don Collins. A presença dele muda o ar do ambiente. A respiração dos homens muda, os olhos evitam o dele. Entrou com aquele andar seguro e pesado, seguido por Vincent e outros três conselheiros.

- Reunião agora. Sala principal. - ele disse, sem precisar repetir.

Entrei por último. Me encostei na parede, braços cruzados, observando.

- Está na hora de garantir o futuro da Hope. - começou ele, com a voz firme. - Ela voltou formada, adulta, pronta. Precisamos unir o sangue dela a algum aliado forte. Alguém que fortaleça nossa base e honre a posição que ela carrega.

Senti meu maxilar travar. Meu pai olhou direto para o Vincent.

- Essa missão é sua. Quero opções. Gente confiável. Fortes. Que somem, não suguem.

Vincent assentiu, sempre o queridinho. Obediente, metódico. Um cão de guarda bem treinado.

Eu, por outro lado, fiquei em silêncio. Mas dentro de mim, o sangue começou a ferver. Então é pra isso essa maldita festa? Um desfile de candidatos? Um mercado de alianças onde Hope vai ser o prêmio?

Senti vontade de quebrar alguma coisa.

Hope não é moeda de troca. Não é troféu de guerra. E, mais importante, ela vai ser minha. Eles ainda não sabem disso, talvez nem ela saiba. Mas eu sei. Desde que ela chegou na sala de jantar. Desde que o perfume dela ficou grudado na minha pele.

Meu pai continuava falando, citando possíveis famílias aliadas, nomes que não significavam nada pra mim. Eu só conseguia ouvir o som abafado da minha própria raiva.

Eu não falei nada. Não aqui. Não agora. Mas já decidi.

Isso não vai acontecer. Eu não vou permitir. Ela não vai ser jogada na cama de um estranho em nome de nenhuma aliança.

Se eu tiver que quebrar regras, eu quebro. Se tiver que enfrentar meu pai, o conselho, o mundo inteiro, que assim seja.

Porque Hope não vai pra outro. Nem por honra. Nem por sangue. Nem por guerra.

Ela vai ser minha, só minha.

            
            

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