Capítulo 9 Fred

Fred Narrando

No espelho, ajeitei o colarinho da camisa preta. Por cima, o terno sob medida, impecável. Preto também, como manda o figurino. Gravata fina, relógio de luxo no pulso, e o olhar frio de sempre. O que eu vestia pouco importava, minha presença sempre falava mais alto.

Passei a navalha rente à barba, só pra alinhar. Não gosto de nada fora do lugar. Tudo no controle. Sempre.

No armário, peguei meu uísque favorito, um escocês envelhecido que ninguém mais toca. Enchi o copo até a metade, bebi devagar, deixando o líquido queimar a garganta. Aquilo me centrava. Aquilo me lembrava quem eu sou.

Quando desci, o salão já estava começando a encher. Gente demais, sorrisos forçados, apertos de mão falsos. Homens engravatados com suas esposas plastificadas, filhos de aliados tentando parecer perigosos. Vi tudo aquilo e só confirmei: esse mundo é uma encenação, menos pra mim.

Me aproximei do bar montado num dos cantos do salão. Peguei outro copo de uísque. Preciso de algo forte pra aturar o desfile de hipocrisia que essa festa virou.

Vincent me achou rápido. Sempre acha. O sorriso debochado no rosto me irrita mais do que deveria.

- A princesa tá fazendo sucesso - disse ele, se encostando ao meu lado. - Já tem meia dúzia de candidatos perguntando por ela. Filhos de aliados, herdeiros de famílias que querem se aproximar.

Dei um gole longo no uísque. Senti o calor subir pelo peito. O copo esvaziou rápido.

- Isso não vai dar em nada - rosnei, encarando o salão. - Nenhum deles é digno.

Vincent riu. Aquele riso maldito.

- O Don quer que ela case com alguém do círculo. Aliança sólida. Política pura.

- Política é merda - cortei seco. - Ninguém encosta nela.

Vincent ergueu as mãos como se dissesse "calma", mas me conhece bem demais pra insistir. Eu tava falando sério. Mais do que nunca.

Hope não é só mais uma menina no meio dessa guerra de poder. Não mais. Vi a mulher que ela virou. Vi o jeito que ela me olhou, o toque dela na minha mão. Senti a porra da corrente elétrica que atravessou meu corpo.

Ela não nasceu pra esses moleques mimados que querem usar aliança como moeda.

Enquanto o salão se enchia e as músicas de orquestra começavam a soar, eu fiquei ali. No escuro, no canto, observando tudo.

O predador no meio dos cordeiros. Essa noite ainda vai ser longa. E eu já decidi: Hope é minha. Eles que tentem.

Eu arranco cada um pela raiz.

A música mudou, Baixa, Densa. Como um aviso.

Levantei os olhos do copo de uísque no instante em que os murmúrios tomaram conta do salão. Olhares se viravam na mesma direção, como se alguma força invisível tivesse puxado cada pescoço ali.

Então eu a vi, Hope.

Caminhando devagar, como se cada passo fosse ensaiado. Como se ela soubesse exatamente o efeito que estava causando. O vestido azul-marinho abraçava o corpo dela de um jeito que me fez prender a respiração por um segundo. O decote em coração, as alças finas, a fenda discreta na saia. Tinha uma porra de uma elegância que beirava o pecado. O tipo de beleza que cala qualquer ambiente.

Cabelo preso num coque baixo, mechas soltas na frente. Os brincos de brilhante piscavam com a luz dos lustres. Os olhos dela brilhavam. Mas não era só pela produção.

Era a confiança. A presença.

A filha da empregada agora era parte da família Collins. Oficialmente.

E estava mais perigosa do que nunca.

Vincent apareceu ao meu lado, com um meio sorriso no rosto.

- Já tem candidato demais de olho nela. Hope virou o troféu da noite, irmão.

Não respondi. Só virei o resto do meu uísque de uma vez.

Candidato nenhum vai tocá-la.

Me levantei e fui até ela.

O som dos meus passos abafava o burburinho dos bastardos esfregando as mãos, como abutres rondando uma presa. Mas Hope não é presa. É fogo.

E eu já estava queimando por dentro.

Estendi a mão pra ela, encarando cada milímetro daquele rosto.

- Dança comigo - falei, a voz baixa, carregada de algo que nem eu sabia nomear.

Ela hesitou por um segundo. Depois, colocou a mão na minha.

A pele dela era quente. Frágil e firme ao mesmo tempo. Um toque que vicia.

A conduzi até o centro do salão, sem me importar com o que vinha atrás. Gente demais olhando. Gente demais desejando.

Foda-se todos eles.

A mão dela encaixou na minha. A outra, leve, descansou no meu ombro. Minha mão foi pra cintura fina, apertando o suficiente pra ela entender: aqui, você está comigo.

Começamos a dançar. Nossos corpos em sintonia, como se aquele momento estivesse escrito em algum lugar sombrio do destino.

Aproximei minha boca do ouvido dela.

- Você está linda - sussurrei, deixando meu hálito roçar sua pele. - Não quero ver você com mais ninguém essa noite.

Ela virou o rosto, um sorrisinho debochado no canto dos lábios.

- Tá falando sério?

- Tô. Mais do que nunca.

Mantive o olhar preso no dela. Os olhos escuros dela tinham um brilho que me deixava em alerta. Ela não era ingênua. Sabia do jogo.

E ainda assim, dançava comigo.

- Esse baile - continuei, com a voz baixa, sombria - não é só pra celebrar tua volta. É pra escolher um pretendente. Um possível noivo. Teu nome tá sendo negociado em taças de vinho e apertos de mão.

Ela me encarou, tensa.

- Eu não quero pretendente nenhum, Fred.

Sorri. Frio. Satisfeito.

- E se o pretendente for eu?

O corpo dela deu um leve espasmo. Um arrepio. A respiração acelerou. Eu percebi. Cada porra de detalhe. O jeito como os dedos apertaram os meus. Como a pele dela esquentou sob minha mão. Como ela mordeu levemente o lábio inferior sem nem perceber.

Ela não respondeu. Não precisava.

A resposta estava ali, entre cada batida do coração acelerado dela.

Continuei dançando como se o mundo tivesse sumido. Como se cada passo, cada giro, fosse um aviso para quem quisesse se aproximar.

Ela é minha, Ainda que ninguém soubesse.

Ainda que nem ela admitisse.

Mas eu sabia. E isso bastava.

Porque o que eu quero, eu tomo.

E quem tentar se meter entre eu e a Hope, vai descobrir isso da pior forma.

            
            

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