Capítulo 8 Um Lar Chamado Esperança

O céu começa a se tingir lentamente de laranja dourado e lilás suave, como uma pintura viva que anuncia o fim de mais um dia, ou talvez, o começo de uma nova vida. Beatriz observa o entardecer pela janela de seu quarto com os olhos brilhando, tomada por uma paz silenciosa e rara. Uma brisa morna atravessa as frestas e dança pelas cortinas, trazendo consigo o perfume das árvores que cercam o complexo e o frescor de um lugar que já parece ser dela. O cheiro mistura-se com o aroma leve do óleo que ela espalha com cuidado sobre a pele, um ritual quase sagrado de carinho e amor próprio.

Diante do espelho, Beatriz se encara por alguns segundos que parecem eternos. Vê uma jovem de beleza suave, de olhos vivos realçados por um traço delicado de lápis, os cabelos soltos escorrendo como seda sobre os ombros, e um vestido preto midi que abraça seu corpo com elegância. Mas ela enxerga mais do que a imagem refletida. Ela vê superação. Vê coragem. Vê uma história escrita com esforço, perdas e escolhas difíceis. E vê, acima de tudo, alguém que, apesar de tudo, venceu.

- Eu sou abençoada - sussurra, com um sorriso emocionado nos lábios. - Tive tanta sorte... Tanta coisa pra agradecer.

Por um momento, fecha os olhos e permite que o pensamento voe, leve e doce, até onde os olhos não alcançam. Imagina seus pais olhando por ela lá de cima, sorrindo com orgulho, com aquele brilho nos olhos que só o amor incondicional conhece. Pode quase ouvir a risada do pai, calorosa, e o jeito carinhoso da mãe, sempre tão zelosa.

- Eu consegui, mãe... pai... - diz baixinho, com a voz embargada pela emoção.

- Estou feliz... Estou sendo reconhecida. Estou viva. E tudo isso é por vocês.

Ela respira fundo, sentindo uma energia nova brotar dentro de si. Como se mãos invisíveis a abraçassem. Como se estivessem ali, dizendo: "Vai, filha. Agora é sua vez de brilhar."

E é com esse sentimento vibrante que ela caminha até a porta, o coração batendo forte. A campainha toca como um chamado para o novo capítulo de sua história. Ao abrir, seus olhos encontram os de Rafael, e por um instante, o tempo parece desacelerar. Ele está impecável em sua simplicidade, com uma calça jeans, camisa polo azul marinho, sorriso tranquilo e aquele olhar que transmite firmeza, mas também uma gentileza rara.

- Você está linda, Beatriz - diz ele, sem rodeios, admirando-a com respeito.

Ela sorri, divertida, com um toque de charme:

- E você está ótimo, Rafael. Acho que acertei no look, então.

Os dois riem juntos, e o riso é fácil, leve, como se se conhecessem há anos. Há algo reconfortante na presença dele, uma combinação estranha e perfeita de segurança e acolhimento. Quando ele lhe oferece o braço, ela aceita de bom grado, sentindo-se cuidada de um jeito sutil e sincero.

Ao atravessarem o portão de casa, Beatriz observa com mais atenção o lugar que, agora, chama de lar. As casinhas delicadas, rodeadas por jardins floridos, formam um cenário que poderia muito bem estar em um sonho. E é nesse cenário encantado que ela se aproxima da casa de Rafael, um pouco mais sóbria por fora, mas ainda assim convidativa.

Assim que ele abre a porta, Beatriz é surpreendida por uma explosão de vozes animadas:

- BEM VINDAAAA!!!

Um coro uníssono e vibrante ecoa pela casa, acompanhado por palmas e sorrisos. Beatriz leva a mão ao peito, os olhos marejando diante daquela recepção calorosa e inesperada. É como se uma corrente de luz atravessasse o seu corpo, derretendo o gelo que havia se formado em torno do seu coração nos últimos tempos.

- Meu Deus... - murmura, emocionada. - Isso é... lindo demais. Obrigada!

O ambiente é alegre, acolhedor, quase mágico. A sala, decorada com toques simples e coloridos, transborda calor humano. Lá estão quatro adultos e uma criança encantadora, todos com expressões abertas e sinceras. Beatriz sente como se tivesse sido acolhida por uma constelação de afetos, uma nova família pronta para incluí-la sem reservas.

- Eu sou a Fabrícia! - diz uma mulher baixinha, morena, com os cabelos curtinhos e um barrigão redondo de grávida. O sorriso dela é tão amplo que parece iluminar o ambiente. - Esposa daquele ali - aponta para um homem alto e sério, que já começa a corar.

- Antonio... - diz ele, meio emburrado, mas logo cede ao charme da esposa.

- E não se engane, eu sou legal também, só não gosto de demonstrar muito.

- Ah, não mente, amor! - responde Fabrícia com uma risada.

- Ele é um ursinho disfarçado de lobo mau!

O ambiente se enche de risos.

- E esse aqui é o Nicolas - diz Marlon, um homem de meia idade com olhar sereno, trazendo pela mão um garotinho de olhos vivos e cabelos cacheados.

- Oi, Beatriz... - diz o menino, espiando timidamente.

- Oi, Nicolas! Que sorriso lindo você tem! - responde ela, agachando-se para ficar à altura dele.

- Posso ganhar um abraço?

O menino sorri tímido, mas a abraça com carinho.

- Esse é o Marlon, meu esposo - completa Stefany, que se aproxima com passos calmos e sorriso maternal. - E eu sou tipo a mãezona do grupo, viu? Já vou avisando, agora você também é minha!

Beatriz ri, contagiada pela energia do grupo.

- Eu... nem sei o que dizer. Vocês são incríveis. Estou muito feliz de estar aqui.

- A gente também! - diz Stefany, apertando suas mãos com afeto. - Você chegou para somar. Aqui a gente não é só uma equipe. A gente é família.

Aquela palavra novamente, família. Mas, dessa vez, ela não dói. Ela aquece.

Beatriz segue até a mesa posta com simplicidade e charme. Uma lasanha caseira perfuma o ar, cercada de saladas, pães e sucos coloridos. Nicolas puxa uma cadeira ao lado dela e pergunta com olhos esperançosos:

- Posso me sentar aqui?

- Pode sim, meu amor. Vou adorar ter a sua companhia.

Durante o jantar, as conversas fluem com facilidade. Há histórias engraçadas, pequenas provocações entre casais, gargalhadas espontâneas, olhares cúmplices. Beatriz se sente cada vez mais em casa. Como se cada palavra, cada gesto, estivesse costurando novamente o tecido rasgado de sua alma.

Rafael, discreto, observa tudo com um sorriso nos olhos. Há algo em seu olhar quando pousa sobre Beatriz que a faz se arrepiar levemente, não de medo, mas de uma curiosidade intensa, como se algo novo e bonito estivesse apenas começando a nascer.

Depois do jantar, todos vão para a varanda, onde o céu está limpo e cravejado de estrelas. A noite é quente e confortável. Stefany propõe um piquenique no fim de semana, e todos concordam com entusiasmo. Beatriz apenas observa por um instante, com um sorriso suave nos lábios, sentindo-se exatamente onde deveria estar.

Mas, lá no fundo, uma faísca de desconfiança brilha entre os pensamentos:

Por que Rafael parece tão atento ao seu bem-estar?

E por que essa equipe, tão perfeita e acolhedora, parece esconder algo por trás dos sorrisos?

O que exatamente está por trás da pesquisa conduzida ali, naquele lugar tão sereno?

Ela ainda não sabe.

Mas vai descobrir. Cedo ou tarde.

            
            

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