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Entre a traição e a verdade: A filha que o destino escondeu.

Luarah
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Capítulo 1 Onde termina o amor

Beatriz abre a porta do quarto, e o que vê a despedaça de forma brutal. A cena à sua frente congela o tempo e arranca o chão sob os seus pés. Felipe está ali, deitado em sua cama, nu, com o corpo entrelaçado ao de outra mulher, a Lívia. A visão é clara, cruel, aterrorizante. O lençol cobre apenas o essencial, deixando à mostra o toque íntimo de suas peles suadas, coladas como se tivessem sido moldadas para caberem uma na outra. O peito dela repousa sobre o dele, como se aquele espaço sempre tivesse sido seu. Como se Beatriz nunca tivesse existido.

E ali, parada na porta, o coração acelerado como um animal encurralado, sem conseguir respirar, sem conseguir piscar, sem conseguir sequer gritar, ela sente a dor. Uma dor que não é só emocional, é física, violenta, esmagadora. Algo entre a náusea e o colapso. Um rasgo seco, cortante, que começa na garganta e se espalha pelo peito como uma explosão silenciosa.

O estômago dela se contrai como se tivesse sido perfurado por dentro. O ar se nega a entrar. Os olhos ardem, mas ela não pisca. Está congelada. Estática. É como se estivesse assistindo à própria morte em câmera lenta. O coração, antes cheio de planos e promessas, agora lateja como um tambor descompassado. O corpo inteiro treme, mas não há reação visível. Por fora, ela parece uma estátua de sal. Por dentro, tudo ruge, tudo queima, tudo grita.

O mundo dela, que até poucas horas atrás era feito de planos para o casamento, de uma vida a dois, de um futuro sonhado, agora jaz ali, desmoronado entre lençóis sujos de prazer e mentira. Aquela era a cama onde dormiam juntos. O quarto onde riram, choraram, fizeram planos. Agora, palco de uma traição devastadora.

Ela sente o próprio sangue zunindo nos ouvidos. Uma pressão insuportável na cabeça. A visão embaça por segundos. O rosto de Felipe está relaxado, sereno, um retrato de satisfação pós amor. Lívia, tão à vontade, repousa nele com a intimidade de quem já pertence a ele e aquele lugar. Beatriz sente o estômago revirar. Um gosto amargo invade a boca. Ela fecha a mão em punho, tentando não desabar ali mesmo.

Ela quer gritar. Chamar o nome dele. Arrancar aquele lençol. Fazer o mundo explodir. Mas sua voz não sai. A garganta está selada por dor e incredulidade. A mente dela repete a mesma palavra: por quê?

Eles não a veem. Não ouvem. Dormem. Dormem como se o mundo estivesse em paz.

Beatriz dá dois passos para trás. Depois mais dois. O coração implora por uma fuga, mas os pés parecem colados ao chão. Um tremor sobe por suas pernas, alcança os braços, toma conta da pele. As lágrimas finalmente escapam, quentes, silenciosas, escorrendo pelo rosto pálido. Ela respira fundo, um som quebrado sai dos lábios.

- Por que justo hoje...? - ela sussurra, como se falasse para a parede, para Deus, para qualquer entidade que pudesse lhe dar sentido.

- Exatamente no dia da minha formatura...

O mesmo dia em que Felipe prometeu estar ao lado dela. O dia em que jurou que a vida deles começaria de verdade.

O dia que deveria ser o início... agora se torna o fim.

Ela fecha a porta do quarto devagar. O clique suave é como um ponto final seco em tudo o que viveu com ele. Depois se vira, atravessa o corredor, com as pernas fracas e os olhos vazios. Cada passo é um esforço descomunal. Cada batida do coração é uma lâmina nova.

A sala parece um cenário estranho. As taças de vinho vazias. A luz baixa. A bolsa de Lívia jogada displicentemente sobre o sofá. Tudo ali testemunha o crime. Tudo ali grita que ela foi enganada. Que viveu uma mentira.

Beatriz abre a porta do apartamento com fúria. Um estouro. Uma ruptura. Como se fosse arrebentar as últimas correntes que ainda a prendem àquele pesadelo.

Desce as escadas sem parar, sem respirar direito, quase tropeçando nas próprias pernas. O vestido longo ainda está molhado da chuva. A maquiagem desfeita. Os pés descalços tocam os degraus frios, indiferentes à dor física. Nada importa além da dor dentro dela.

Na rua, a noite continua a mesma, mas Beatriz não é mais a mesma.

A chuva volta a cair com força. As gotas batem em sua pele como facas geladas, mas ela não se importa. Caminha sem rumo, sem direção, como se o seu corpo estivesse em piloto automático, guiado apenas pela tentativa de escapar da imagem gravada na sua mente.

Lívia...

A mulher que sempre estava por perto. Que sorria demais. Que tocava o braço de Felipe tempo demais. Que ela sempre desconfiou... porque Felipe dizia que era só uma amiga. Uma colega de trabalho. Inofensiva, apenas uma pessoa carente.

A raiva começa a crescer. Não explode, mas se acumula como lava, fervendo silenciosa por dentro.

E então, ela se lembra.

Cesare.

A voz dele surge como um eco no fundo da mente:

- Ele não é quem você pensa, Beatriz. Abra os olhos antes que seja tarde demais.

Na época, ela achou que ele estava com ciúmes. Achou que era exagero. Mas agora...

Agora as palavras dele soam como uma profecia.

As promessas dele ecoam na mente dela como zombarias. Os planos. A vida a dois. O apartamento. A rotina compartilhada. A promessa de casar após a formatura.

Mentiras.

Corre. Como quem foge de um incêndio. Como quem tenta escapar de um pesadelo que se recusa a acabar. O choro forte misturado com soluços. A chuva lá fora é um castigo divino, uma punição final. Mas também é libertação.

Por que ele fez isso comigo, será que não fui o suficiente para ele?

Por que logo com a Lívia?

Por que justo hoje?

Por que tanta frieza?

Beatriz atravessa a rua. Os faróis dos carros refletem nas poças. A cidade está nublada, borrada, girando ao redor dela. Cada passo a leva mais longe do que foi. Do que acreditava ser. Do que ainda queria.

Um som. Um motor. Rápido demais.

Um clarão de luz.

Um freio tardio.

E então, o impacto.

O corpo de Beatriz é lançado no ar. Por um momento, ela voa. Um segundo de suspensão entre a dor e o nada.

Depois, tudo desaparece.

Mas antes que a escuridão a engula por completo, um pensamento final perfura o nevoeiro da sua mente:

E se não foi apenas um acidente?

                         

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