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"O mal do século é a solidão, cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição."
-Renato Russo
A ONU era responsável por regular a política nuclear mundial. Igualmente, o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) foi um acordo pelo qual os países signatários se comprometiam a usar a energia nuclear para fins pacíficos. Isso foi quebrado, e logo os países estavam em uma nova corrida armamentista, realizando testes sem nenhuma preocupação com os efeitos ou acidentes. Tentando conter os descumprimentos, alguns países entraram em guerra, iniciando assim a terceira e maior guerra mundial. Não há registros dos acontecimentos, nem são ensinados nas escolas ou algo assim. Tudo que temos são histórias dos sobreviventes; tudo que aprendemos foi o que os avós passaram aos pais, que passaram aos filhos. A maior preocupação inicial após a guerra foi ajudar os sobreviventes, salvar o que restou dos arquivos científicos e tecnológicos, e manter o resto da humanidade viva.
Demorou anos para que se preocupassem com a educação, e isso nem aconteceu em todos os países. Ensinar a ler ou escrever virou obrigação dos pais, e muitos não davam bola para isso. Escolas deixaram de existir para quem não fosse rico o bastante para pagar. Faculdade era um sonho alcançado somente pelos nobres. Se fosse um pobre como Olivia, que mal tinha o que comer, ter um futuro acadêmico não faria parte da sua vida. Ela já era grata por saber algo, mas o que mais valia dos ensinamentos do seu tio era a caça; ele a ensinara a sobreviver em um mundo onde todos estavam se fodendo pela sobrevivência. Talvez no início, logo ao fim da guerra, tenha havido um pouco de empatia entre os seres humanos, mas quando as coisas pioram, quando a fome aperta e a sobrevivência é necessária, isso deixa de fazer sentido para algumas pessoas. Pelo menos no reino em que Oli morava, era assim... A dor, o sofrimento, a fome, o frio corroendo todos os que sobraram e tiveram a má sorte de estar ali. Seus governantes não se importavam, não davam a mínima.
Will falava de outros lugares que conseguiram seguir um padrão mais saudável para a população, de países que cresceram de forma assustadora comparado aos anos anteriores à guerra, lugares que não foram tão afetados pelas bombas e destruição, lugares férteis onde se podia plantar em qualquer lugar, onde não era preciso olhar se sua caça estava com uma ferida estranha após conseguir pegá-la com esforço. O reino de Olivia tinha sido bastante danificado, e eles não foram agraciados com o melhor dos governantes. Por duas sucessões seguidas, não havia nada de bom para se falar daquele lugar.
Os outros continentes mantiveram seus nomes, mesmo que tenham mudado a forma de governo. Eles lembraram da força que seus países e continentes tinham, e das lembranças dos antigos que se dedicaram a eles. A Europa, mesmo com tanto a se lembrar, mesmo tendo sido a descobridora dos demais, preferiu deixar suas raízes e seguir novos rumos. O pouco que restou dos países agora pertencia a um só comando e se chamavam de Darnassus¹. Algumas vilas ainda tinham os nomes de cidades que existiam ali antes da guerra, mas as cidades em si tinham virado ruínas, e poucos prédios com boas estruturas ainda estavam em pé por todo o mundo...
Por que as pessoas não iam embora? Bom, boa parte da população de Darnassus era, na verdade, bem rica. Existiam cerca de 10 vilarejos como o da Olivia, mas ninguém se importava em consertar. Aos pobres demais para sair, eles não conseguiriam nem chegar à fronteira; faltaria força para prosseguir. Houve poucos casos de bravos que conseguiram, mas ainda assim não sabiam para onde ir. Notícias internacionais não eram úteis aos olhos do antigo reino europeu; se saísse da fronteira, ótimo, entrar já não era algo fácil assim.
O pouco que Will contou sobre o mundo antigo foi que alguns continentes deixaram de existir: a Oceania, inundada; a América do Sul, infestada de radiação; a África sofria agora com a poluição do ar, assim como boa parte da Europa e Ásia. Não era anormal, em alguns lugares, as pessoas fazerem uso constante de máscaras de gás. Mais da metade da população mundial morreu durante a guerra, e tudo que sobrou fomos nós. A América se fez uma única potência com o que restou dos países. Europa e Ásia também se juntaram, mas como uma parceria, mais do que um plano externo de governo, já que eram uma porra de monarquia. Aparentemente, a maioria dos países que sobraram optaram por essa forma de liderança. Não era restrito à transição de um país a outro, mas também não era bem visto. Como disse, a humanidade não melhorou com os erros. Alguns países se importavam com seu povo, sabiam gerir os problemas do país, diferente do país da Olivia, onde a fome predominava entre os desafortunados. Outra coisa que regrediu de forma absurda no país da Olivia foi o machismo. Os homens não viam as mulheres como nada além de um objeto, e isso era estimulado por seus governantes, principalmente com o sistema da revista, onde mulheres eram escolhidas para serem escravas sexuais ou prostitutas das grandes famílias nobres do país. Eles diziam que elas tinham o direito de escolha, mas que escolha tinham se viviam em meio à fome? Não havia empregos, já que em cada vila uma família nobre era responsável por uma área de infraestrutura. Infelizmente para Oli, o único tipo de trabalho possível em sua região eram as minas; as terras onde teve a infeliz sorte de nascer não eram muito frutíferas.
Parecia que até mesmo o solo os rejeitava.
Somente quatro continentes sobreviveram, digamos assim, mesmo com metade ou mais da população devastada pela guerra: América do Norte, alguns países da América do Sul que ficaram inabitáveis pela radiação, e a Ásia, que se tornou um só reino, resolveu suas diferenças e se juntou no lugar mais central do seu mapa. Toda a costa europeia e do mundo estava tomada por água, vários países estavam submersos, todas as ilhas que existiam pelo oceano não existiam mais. Algum idiota, durante a guerra, achou que seria útil usar armas químicas na Antártida, e isso acabou destruindo algumas calotas polares. Fora que a poluição que toda guerra gerou só aumentou o aquecimento global. A África era o maior reino atualmente. A Europa nem se chamava mais Europa e era o que menos se importava com a humanidade ou com o que restou dela, mas todos os reinos procuravam um meio de se ajudar ou de manter relações. Estávamos em um mundo fodido e ainda tínhamos que nos achar sortudos por ter sobrevivido no que restou de tudo.
- Majestade, o seu filho está fora de controle... - o homem se dirigia ao rei enquanto recebia um sorriso debochado e satisfeito do príncipe. Era tão comum esse tipo de reclamação que até mesmo o rei estava farto de recebê-las. Ele olhou em direção ao seu filho com desaprovação a qualquer que fosse a atitude que levasse aquele pobre homem a exigir uma audiência com o soberano.
Em resposta, o seu filho levou a mão disfarçadamente à boca em menção a coçar o nariz ou algo do tipo, somente como desculpa para cobrir o sorriso satisfeito que tinha em seus lábios...
Ele tinha todas as memórias do porquê o homem estava ali. Era um nobre conhecido do reino, esnobe até. Na cabeça do jovem e dos amigos, ele merecia uma certa lição...
Lembranças
- Você não teria coragem. - O amigo provocou, rindo de forma descabida na direção do príncipe. Ele estava sério, analisando a proposta, e se aquilo de fato o faria se sentir bem... Bom, faria sim...
- Ela tem o dobro da sua idade, poderia ser sua mãe. - O outro julgou, ele franziu o cenho em direção a esse, lançando o corpo do mesmo contra a parede próxima.
- Não use a porra da sua boca suja para falar sobre a minha mãe... - Ele revirou os olhos assim que seu amigo se soltou do seu aperto, pedindo desculpas pela comparação e por citar a mãe do jovem príncipe.
- Vamos, preciso agradecer a hospitalidade da senhora da casa... - Eles seguiram rindo como se fosse a piada mais engraçada já dita, mas os atos do príncipe a seguir não eram de forma alguma engraçados.
Após seduzir de forma suja a nobre senhora da casa Carvil, ele a levou para a cama para sucumbir ao desejo que tinha naquele jovem homem. Não foi necessário muito esforço para o herdeiro do trono conseguir acesso às pernas da senhora; ela se sentia sozinha, abandonada. Como a maioria das mulheres casadas daquele reino, não eram vistas, nem desejadas. Seus maridos só as tomavam, sem esforço algum para saciá-las.
Ele também já havia percebido os olhares da mulher desde que chegou à sua vila, desde que se hospedou em sua casa, a pedido do próprio marido. Afinal, que honra maior seria se não receber a realeza em sua casa?
O príncipe deveria estar fazendo visitas às vilas, inspeções às localidades, mas ele tinha outros planos para o passeio. E até mesmo esse novo joguinho que seus amigos inventaram estava sendo mais divertido que realizar as atividades reais que ele deveria.