Capítulo 7 Love Harold

"Nada do que eu já fiz me agrada. E o que eu fiz com amor, estraçalhou-se. Nem amar eu sabia, nem amar eu sabia.

-Clarice Lispector"

Foi difícil para a menina arrastar toda a carne floresta adentro até a sua pequena vila. Mas ela conseguiu.

- O que você quer, Harold? - O jovem estava parado à porta da garota. Ele a olhava distraidamente enquanto ela limpava sua presa. Olivia havia atrasado o processo após ter que ir ao riacho para abastecer a casa. Agora, com tudo pronto e as coisas em seu lugar, ela conseguiu o tempo necessário para limpar o único animal que conseguiu caçar.

- Ouvi que você tinha trazido algo grande, quis saber se não precisava de ajuda. - Ele lhe deu um sorriso frouxo. Ele realmente se importava com ela, mesmo ali, com sangue e fezes do cervo espalhados por todo o corpo da menina, ele ainda a via como a coisa mais linda que já tinha colocado os olhos.

- Desculpe, eu estou faminta. Sabe como fico quando estou faminta. - Olivia se sentia culpada muitas vezes pela forma rude como tratava Harold. Ele sempre a tratara com amor e carinho, enquanto ela era incapaz de retribuir - de forma agradável, pelo menos. Mas era difícil pensar com o estômago vazio. Filtrar as palavras era muito mais difícil.

- Você o trouxe sozinha? - Ele agora se deixou admirar. Era de longe um dos maiores que Olivia havia caçado, e até mesmo ela estava admirada com como havia conseguido trazer a caça para casa. Isso exigiu um esforço absurdo dela, uma força que ela jurava não ter mais naquele dia. Mas, mesmo o arrastando por um pedaço da floresta e sendo obrigada a carregá-lo nas costas por outro, ela estava satisfeita.

Dava para ver o brilho em seus olhos ao assentir para o amigo. E ele lhe deu um sorriso orgulhoso.

Qualquer sorriso que Harold desse em direção a Olivia fazia seu estômago tremer em resposta. Era incrível como ela conseguia não expressar tudo o que ele a fazia sentir. Mas, assim como Harold, ela sabia - ou pensava saber - que não era boa o bastante para o amigo.

Ele era tão bonito e, agora como guarda, devia ser o mais cobiçado do vilarejo. Já era desde a adolescência. Todas as garotas sempre babavam por ele. Ele era muito lerdo para perceber o alvoroço que as meninas faziam ao seu redor.

Harold sempre fora muito simples e focado. Depois da morte dos pais, então... ele acabou imitando o modo rude da Oli e afastou alguns de seus amigos. Agora ele precisava focar no futuro, precisava estar bem por ele e por Olivia. E estar inerte às coisas da juventude não tornava isso mais fácil.

Ela precisava dele, e ele tinha que estar lá por ela.

Foi basicamente quando Harold se deu conta dos sentimentos que tinha: a necessidade de mantê-la bem, saudável e forte. De mantê-la viva. Era a maior constante dele.

Já Olivia se agarrou ao único amigo que lhe restara, desde que ela afastara todos os outros. Ela com certeza não era do povo. Não se obrigava a se importar com o próximo porque o próximo não se importava com ela. E ela sabia disso por todas as noites de dor que passou com o estômago gritando. E somente Harold esteve com ela.

Ele era o único que ela queria que estivesse também.

- Segure as patas, por favor. - Ela pediu, tentando fazer o corpo do animal ficar quieto para arrancar a pele que faltava na parte de baixo.

Ele retirou a camisa antes de abaixar o corpo lentamente em direção ao chão. Ela parou por segundos tentando lembrar quando ele havia ganhado tanto peso; o corpo de Harold estava mais marcado, os músculos eram evidentes. Havia tempo que não iam ao riacho dar um mergulho. Nesse período, ele havia conseguido ficar mais bonito do que Olivia um dia achou ser possível.

A visão dele sem camisa, abaixando-se em sua direção, acabou tirando o foco da garota que, bom... acabou passando a faca na ponta do dedinho. Nada que já não tivesse acontecido várias vezes antes. Mas o olhar de Harold para as gotas de sangue jorrando do dedo dela apertou o coração. Era como se ele se sentisse culpado por distraí-la de algum modo, mas nunca passaria por sua cabeça que a distração eram os músculos tonificados dele.

Ela levou o dedo à boca no impulso para sugar o sangue, sem lembrar que estavam sujos, e logo cuspiu em reação ao gosto do animal cru.

- Você é muito dispersa, Oli. Olhe essa faca, o quão amolada está?! - Ele pegou sua mão, levando-a a um balde com água limpa próximo, e jogou um pouco sobre o ferimento. Depois arrancou um pedaço de pano que tinha próximo e amarrou o local.

Olivia o olhava com atenção, sem nem mesmo responder à advertência de Harold. Ele era sempre assim. A tratava como uma criança. Era o que ela achava: que toda a proteção dele para com ela era porque ele a via como uma irmãzinha indefesa e, por isso, tinha que lhe advertir sempre.

Isso a deixava furiosa, mas ela nem sempre queria rebater.

Hoje era um dia desses. Ela estava feliz. Tinha trazido comida para casa e, de quebra, se deleitado ao ver o amigo tão despido em sua frente. Algo no seu interior fez uma leve oração para que seus sonhos de hoje fossem essa visão - de quão perfeito Harold conseguia ficar a cada dia.

- Deixe, eu termino. Você está exausta, precisa sentar um pouco. Seu corpo não suporta mais nada. Olhe seu rosto, está caído. Eu me sinto tão mal por não... - Ela sabia o que ele iria dizer. Era sempre a mesma coisa. Mas ela estava feliz hoje e não precisava do seu amigo a lembrando de quão cruel a vida era para eles.

- Está tudo bem, Harold. Foi só um corte. - Ela disse, mas ele lhe deu aquele olhar de advertência. Harold estava melhorando nisso com o tempo também. Às vezes fraquejava as pernas da garota com suas repressões.

Ela resolveu obedecer sem questionar, e, bom... não podia deitar suja como estava, então foi em busca de um balde com água para se lavar.

Após tomar um banho e tirar toda a sujeira do corpo, ela deitou-se na cama. Queria ficar vendo Harold trabalhar. Ela sempre gostava. E, assim então, sem camisa, mostrando cada pedaço daquele tórax definido, a fazia engolir em seco só por voltar às lembranças. Mas ela estava exausta. Nem sabia o que a mantinha em pé até agora...

Então ela deitou em sua cama para dormir, e não ficou surpresa com o quão rápido pegou no sono. Ela estava exausta.

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"- O que você quer? - Ele estava parado em frente à porta do meu quarto, seus lábios estavam tão rosados e suculentos... Eu não conseguia piscar. O medo de perder cada movimento que fosse vir dele, de não ver seus lábios se movendo e desejar que estivessem colados aos meus... A imagem perfeita de Harold se aproximando de mim, tomando para si todo o ar à nossa volta, tomando para si toda a minha vontade... Era soberana, era dominante, fazia meu corpo me trair, e eu não me importava nada com a traição...

Três passos foram o bastante para seu corpo estar em frente ao meu. Me tomando todo o ar que me restava. Minha boca estava entreaberta. Eu esperava uma resposta mais física que sibilada. Eu queria que fosse, na verdade. Eu espero há tanto por isso que me assusta a necessidade que tenho dele... Ele abaixou seu corpo à altura do meu e soprou as palavras no meu ouvido, de forma tão lenta que chegou a ser doloroso...

- Você... - Ele disse antes de forçar seus lábios aos meus, me tomando num beijo tão quente e macio. Eu podia sentir seus lábios grossos em minha boca, podia sentir suas mãos deslizarem por minhas costas, podia sentir o peso do seu corpo sobre o meu. Eu senti...

Mas logo ele parou e me olhou nos olhos, com frieza e desprezo...

- Olhe pra você. Realmente é tão desesperada por amor que imagina que eu possa sentir algo por você? Ninguém nunca vai sentir nada por você. As pessoas te abandonam, Olivia. Elas não amam você. Deveria saber... - Se fosse mentira, eu simplesmente chutaria as bolas dele e o mandaria para longe. Mas era verdade. E a única coisa que eu sabia fazer era chorar... Eu queria sumir... Gritar... - Ninguém, OLIVIA... NINGUÉM, OLIVIA..."

            
            

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