Capítulo 9 Vossa alteza real

SEMPRE IMPORTANTE FRISAR O QUANTO DE GATILHOS ESSE LIVRO TEM, ELE É DOLOROSO E SÓ TEM ISSO A OFERECER, ESSE CAPITULO NÃO É DIFERENTE, POR FAVOR.

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''Não há corte sem dor."

- Augusto Cury

Os dias de vida boa do príncipe estavam chegando ao fim. Em menos de dois anos, ele se tornaria rei, mas ainda não fazia ideia disso. Tudo que queria no momento era aproveitar a vida boa que tinha: mulheres, bebidas, drogas, mulheres... Ele não podia reclamar de sua sorte. Mesmo tendo sido criado da forma que foi, seu pai lhe ensinara a ser um rei, mesmo que isso o tornasse impiedoso e arrogante. Sua mãe? Ela não tinha voz. Sua única obrigação era dar filhos ao rei, e falhou, dando-lhe somente um herdeiro. Fora isso, era um enfeite largado em qualquer canto do castelo, sem nenhuma serventia. O garoto cresceu vendo seu pai ser rude e sem compaixão para com a mulher.

Traições, agressões... Ela não tinha vida. Ela vivia para o que ele quisesse. Isso foi difícil no começo. Ele não conseguia vê-la em meio a tanto sofrimento, largada à própria sorte. Mas os dias, os anos se passaram, e ele já não tinha mais tanta empatia assim. Para ele, era algo normal vê-la sofrer, ver seu pai descontar o ódio do mundo sobre ela, mesmo que ela não tivesse culpa de nada. Mas ele fora ensinado desde pequeno que esse mundo foi feito para os homens, e ele tinha que ser forte para viver em um mundo assim, para liderar um mundo assim.

Ele se tornou o mais forte, também o mais cruel... Suas torturas, fossem em traidores do trono ou em frágeis mulheres, eram de longe as piores de todo o reino, e ele se orgulhava disso. Descontava em suas vítimas cada golpe que recebera um dia de seu pai, cada falta de amor, atenção, paciência. Porém, mil vezes pior: ele gostava daquilo. Ele amava a dor que infligia nas pessoas, amava o sofrimento que causava. Esse era o ponto alto da sua vida.

O rei estava doente nos últimos tempos, o que obrigava o príncipe a tomar as rédeas do reino em alguns momentos. Mas ele ainda não havia - e nem queria - que fosse definitivo. Ser coroado agora não estava em seus planos. Ele ainda tinha muito o que aprontar, ainda tinha muito pelo que viver, e não poderia fazer tudo isso se estivesse preso ao trono.

Poderia-se dizer que ele não reconhece o amor, mas, se tem uma coisa que ele conhece bem, é isso: ele ama a si mesmo com uma necessidade extrema, pois, se não se amar, ninguém o fará. Ele foi criado para receber adoração, não amor. Ser visto como forte, como o melhor. E ele seria... Mas ser amado era algo que ele sabia que não teria chances de ser. E nem saberia como reagir, já que tudo que conheceu até hoje foi dor, solidão, sofrimento. Por isso ele sabia causá-los tão bem. Por isso ele se amava tanto... E por esse amor, ele queria viver antes de se entregar à causa perdida do reino de Darnassus - antiga Europa, hoje com menos cidades que há cem anos, com uma tecnologia atrasada comparada ao que deveria ser neste tempo. Mas ainda se encontravam drogas de qualidade, se tivesse um bom dinheiro para desembolsar. Isso era um ponto alto para o príncipe. Afundar sua dor em álcool, drogas e sexo. Vida perfeita para alguns, mas ele sabia que faltava algo. Faltava a porra da vontade fodida de viver aquilo tudo. No fim, estar largado naquela cela novamente o estava obrigando a ter uma reflexão sobre toda a sua vida. Ele talvez quisesse fazer algo pelo reino... Talvez. Mas agora ele só queria ser o que pudesse, antes que não pudesse mais.

Os dias na masmorra não eram angustiantes como outrora. Estar ali não passava de uma diversão particular para o príncipe. Ele conseguia pensar em coisas cruéis para fazer quando saísse, em punições tão absurdas que até ele se espantava com o quão doente era. Mas ele também não conseguia evitar as lembranças de todas as vezes que esteve ali. Lembrava de cada uma, e a primeira foi a mais difícil...

Lembranças

- Solte-a! - Eu gritei. Eu o empurrei. Eu estava cansado de vê-lo agredi-la daquela forma. Ela estava ensanguentada, largada no chão enquanto ele chutava sua barriga. Não faz nem dois meses que ela perdeu um bebê, e ele a culpa. Eu o vejo a todo instante apontando o dedo para ela, dizendo o quão desprezível ela é, o quão fraca por não ser capaz de suportar uma gravidez. Mas por que ela teria culpa disso? Que culpa essa mulher tem o tempo todo para esse homem agredi-la tantas vezes? Eu estou com dez anos, e em todos eles eu a vejo assim. E nunca fui capaz de impedi-lo, nem sou capaz de entender o porquê. O que de tão grave ela fez?

Meus olhos estão marejados. Meu corpo foi jogado para longe de forma bruta. Não era a primeira vez que meu pai me batia, mas essa foi a mais dolorida. Eu não consigo me mover por um tempo. Tenho medo de que volte a acontecer, mas a dor no olhar da minha mãe, o quão triste ela está, em posição fetal tentando proteger o rosto dos chutes sem fim desse homem brutal...

Me viro à esquerda e vejo um vaso de porcelana. Ele é grande. Não sei se consigo arremessá-lo, mas eu preciso. Preciso. Eu não suporto mais vê-la assim. Eu não suporto mais vê-la assim...

- SOLTE-A! - Gritei novamente.

Após me aproximar e jogar o vaso sobre a cabeça do meu pai, ele acaba se cortando com os cacos que se espalham ao seu redor, e logo sua fúria se volta para mim. A mulher tenta se levantar, me ajudar, mas seu corpo está fraco. Eu entendo. Eu só queria que ele parasse de machucá-la. E agora, mesmo temendo o que vai acontecer comigo, eu estou bem com isso...

- Você é um moleque intrometido. Acha que ela não merece ser punida? Sabe o que ela fez? Não se intrometa nos meus assuntos, seu verme. - Ele lança o pé contra meu corpo. Eu sou seu alvo agora. E não me arrependo. Eu estou bem. A dor é rápida ao aparecer. Sentir seu chute contra mim me faz arfar em sofrimento. Por que ele é assim? O que nós fizemos para merecer iss... Poderia dizer o que aconteceu em seguida, mas eu não sei. Eu só acordei no escuro, no frio. Não tinha nada onde me encostar. Eu acordei no chão da masmorra, sem saber por que estava ali. E foi a pior noite de toda a minha existência. Estar ali sozinho, no escuro e frio daquele lugar... Eu só tinha dez anos e um pai doente pra caralho...

Lembro que ele disse, depois daquela primeira semana infernal, que esse era meu castigo por agredir o rei. Que como pai, ele tinha que me ensinar a respeitar autoridades, e que, se ele não fosse meu pai, se eu não fosse o único herdeiro do trono, eu estaria morto. Eu só tinha dez anos.

            
            

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