O olhar de Dimitri suavizou ao olhá-la, um contraste gritante com o olhar glacial que ele me dera momentos antes. "Eu disse a eles, amor. Só estou checando você antes do meu voo para o Rio. Queria ter certeza de que você estava confortável."
Uma onda de murmúrios percorreu a mesa. "Oh, Dimitri, você é tão fofo!" "Sempre cuidando da Cláudia!" Suas vozes bajuladoras só aprofundaram a ferida.
Ele olhou para os outros, um aviso sutil em seus olhos. "Por favor, deem um pouco de espaço para a Cláudia. Ela passou por muita coisa ultimamente." Seu olhar nunca pousou em mim. Nem mesmo um piscar de olhos.
Meu coração, que eu pensei já ter se transformado em pedra, latejou com uma dor fresca e crua. A indiferença era quase pior que o desprezo aberto. Significava que eu realmente não era nada para ele agora.
"Então, Juliana", disse Heitor Valente novamente, quebrando o silêncio agonizante, sua voz agora um rosnado baixo. "Você vai ser uma boa menina, ou eu preciso te lembrar quem está no comando?" Ele gesticulou em direção ao bloco de gelo, um sorriso cruel no rosto.
Minha mente correu, procurando uma fuga, qualquer fuga. Eu não podia fazer isso. Não aqui. Não na frente de Dimitri. Isso me quebraria completamente. Mas Benício... Benício precisava desse dinheiro. Ele precisava que eu sobrevivesse.
"Senhor, por favor", implorei, minha voz mal audível, grossa de lágrimas não derramadas. "Eu não poderia... uma música diferente? Talvez algo menos... desafiador?"
O rosto de Heitor Valente se contorceu em um escárnio. "Ainda bancando a inocente, hein? Da última vez que ouvi, você era uma grande artista, Juliana. Disposta a fazer qualquer coisa por dinheiro, não era?" Ele se inclinou para a frente, sua voz caindo para um sussurro ameaçador. "Ou talvez você apenas prefira uma audiência privada para seus talentos?"
Seu tom sugestivo fez meu estômago revirar. A lembrança de seu olhar lascivo de antes, a sensação de sua mão úmida no meu braço - tudo voltou correndo. Senti-me totalmente exposta, como se o fino uniforme de renda já tivesse desaparecido.
Nesse momento, Karen, minha gerente, apareceu na porta, seus olhos avaliando rapidamente a situação. Seu rosto estava pálido, seus lábios pressionados em uma linha fina. Ela sabia. Ela sabia que a linha havia sido cruzada.
"Sr. Valente", disse Karen, sua voz surpreendentemente firme. "Peço desculpas pelo mal-entendido. Juliana é nova na seção VIP. Talvez eu possa lhe oferecer outra garota? Alguém mais... experiente com suas preferências?"
Heitor Valente acenou com a mão, desdenhoso. "Não, não. Estou muito feliz com a Juliana. Mas parece que ela precisa de um pouco de... incentivo." Ele olhou para mim, seus olhos brilhando com malícia. "Juliana, ajoelhe-se e peça desculpas por sua insolência. Agora."
Meu corpo enrijeceu, um pavor frio se infiltrando em meus ossos. Meus joelhos ameaçaram ceder. Pedir desculpas? Pelo quê? Por tentar preservar o último resquício da minha dignidade? Mas o olhar nos olhos de Heitor... ele estava falando sério. Ele queria me quebrar.
Olhei para Karen, cujo rosto estava sombrio, um comando silencioso em seus olhos. Faça isso, Juliana. Pelo dinheiro. Pelo seu irmão.
Minha mente brilhou com o rosto de Benício, pálido e ferido na cama do hospital, o prognóstico sombrio do médico. As contas médicas crescentes. A ameaça iminente da FEBEM. Era tudo por ele. Tudo. Meu orgulho, minha dignidade, minha própria alma.
Meus joelhos atingiram o tapete macio com um baque suave. A renda do meu uniforme arranhou minha pele. Abaixei a cabeça, meu cabelo uma cortina ao redor do meu rosto, segurando um soluço. "Eu... peço desculpas, senhor. Perdoe minha... presunção." As palavras pareciam veneno na minha língua.
Uma pequena risada quebrou o silêncio. "Olha para ela, rastejando como um cachorro", alguém sussurrou. "Quem diria que Juliana Coutinho acabaria assim?" Outra voz, mais dura, disse: "Dimitri nem está olhando. Ele provavelmente ainda a odeia."
Heitor Valente riu, um som desprovido de calor. "Boa menina. Agora, saia daqui. Você estragou meu humor." Ele acenou com a mão, desdenhoso.
Levantei-me às pressas, minhas pernas bambas, e tentei escapar da sala antes de me despedaçar completamente.
Quando saí cambaleando, Karen estava me esperando, seu rosto uma nuvem de tempestade. Ela agarrou meu braço, suas unhas cravando na minha carne. "Meu escritório. Agora."
O escritório era pequeno, apertado e cheirava vagamente a cigarros velhos e desespero. Antes que eu pudesse fechar a porta, a mão de Karen brilhou. Um tapa forte e ardido estalou na minha bochecha, fazendo minha cabeça virar para trás.
"Sua idiota!" ela sibilou, sua voz baixa e perigosa. "Eu te disse para fazê-lo feliz! Eu te disse para seguir as regras! Você sabe quanto dinheiro você acabou de me custar? Quanto você acabou de custar a si mesma?"
Minha bochecha queimava, latejando de dor. Lágrimas brotaram em meus olhos, mas me recusei a deixá-las cair. "Eu... sinto muito, Karen. Eu tentei. Mas ele queria que eu-"
"Eu não me importo com o que ele queria!" ela cuspiu. "Você acha que é boa demais para isso, Juliana? Você acha que ainda é aquela estudante de arte rica que pode se dar ao luxo de ser 'orgulhosa'?" Seus olhos se estreitaram. "Olhe ao seu redor, querida. Isso não é a Mackenzie. Este é o mundo real. Um mundo onde o dinheiro fala, e você, minha cara, é apenas mais uma mercadoria na prateleira."
Ela andava de um lado para o outro na pequena sala, sua raiva vibrando no ar. "Você é um risco. Não posso ter você estragando meus clientes. Você está demitida."
Minha cabeça se ergueu, meus olhos arregalados de terror. "Demitida? Não! Por favor, Karen, eu preciso disso. Benício... ele precisa disso. Eu farei qualquer coisa. Eu juro. Só... não me demita. Eu obedecerei a cada regra. Eu prometo." Minha voz era um apelo desesperado, despojado de todo orgulho.
Karen parou de andar, seu olhar frio e inflexível. "Qualquer coisa?"
"Qualquer coisa", repeti, minha voz mal um sussurro.
Ela me estudou por um longo momento, um olhar calculista em seus olhos. "Tudo bem, Juliana. Uma última chance. Mas se você estragar tudo, está fora. Para sempre."
Eu assenti, o alívio me invadindo, frio e desesperado.
Saí da boate, o ar fresco da noite fazendo pouco para acalmar minha bochecha em chamas. Eu só precisava chegar em casa, desaparecer na escuridão. Mas uma figura emergiu das sombras do beco ao lado da boate, bloqueando meu caminho.
Dimitri.