Um médico seco e apressado se aproximou, seu rosto sombrio. "Ele estava envolvido em um clube de luta clandestino. Sofreu uma concussão grave, fratura no braço e múltiplas contusões. Ele tem sorte de estar vivo, Sra. Coutinho. Mas há a possibilidade de danos neurológicos a longo prazo. E a perna dele... é uma fratura complicada. Ele pode não andar normalmente de novo."
Minha respiração engasgou. As palavras ecoaram em meus ouvidos, um toque de finados. Pode não andar normalmente de novo. Minhas pernas cederam e eu desabei na cadeira ao lado de sua cama, encarando meu irmão, incapaz de compreender a magnitude deste novo desastre.
Fiquei ali, uma sentinela silenciosa, pelo que pareceu uma eternidade. O relógio na parede zombava de mim, seus ponteiros se arrastando lentamente. Finalmente, em algum momento no meio da noite, Benício se mexeu. Seus olhos se abriram, desfocados e distantes.
"Benício? Você pode me ouvir?" sussurrei, minha voz embargada de lágrimas. "Sou eu, a Jú."
Ele apertou os olhos, que lentamente focaram no meu rosto. "O que... o que você está fazendo aqui?" Sua voz estava rouca, carregada de irritação. "Vá embora."
Meu coração se apertou. "Benício, por favor. O que aconteceu? Por que você estava lutando?"
Ele virou a cabeça, lutando contra as contenções que o mantinham imóvel. "Não é da sua conta. Apenas me deixe em paz."
"Mas, Benício, sua perna... o médico disse-"
"Eu não me importo!" ele retrucou, tentando libertar o braço. "Eu precisava do dinheiro, ok? Você acha que é a única que pode fazer sacrifícios? Eu vi como você estava hoje à noite, Jú. Você está tentando me salvar, mas está apenas nos arrastando para o fundo do poço."
Meus olhos arderam. "Dinheiro? Benício, eu posso conseguir dinheiro. Eu posso-"
Ele riu, um som oco e amargo. "Você? O que você vai fazer, dançar por ele? Você acha que eu não vejo o quão duro você está lutando? Apenas me deixe em paz. Eu não preciso da sua pena."
"Benício..." Minha garganta se apertou, as palavras presas.
"Apenas vá", ele murmurou, virando o rosto para a parede. "Por favor. Eu quero ficar sozinho."
Fiquei ali, minhas pernas pesadas, meu coração doendo. Parecia uma faca se torcendo em minhas entranhas. Saí do quarto, cada passo uma agonia.
No corredor, esbarrei em um rosto familiar. Era Lucas, um dos amigos de Benício, pálido e preocupado.
"Juliana", disse ele, sua voz baixa. "Sinto muito pelo Benício."
"Lucas", sussurrei, minha mente ainda girando. "O que aconteceu? Por que ele estava lutando?"
Ele hesitou, olhando para a porta de Benício. "Olha, o Benício me fez prometer não dizer nada, mas... acho que você deveria saber. Aquela briga com o Léo? Não foi culpa do Benício. O Léo o provocou primeiro. Disse umas coisas horríveis sobre sua família, sobre seus pais, e... sobre você. O Benício simplesmente explodiu."
Minha respiração engasgou. Léo. Provocando Benício? E Dimitri, seu advogado, fez Benício parecer o agressor. A raiva, fria e afiada, começou a se espalhar por minhas veias, substituindo o desespero.
Nesse momento, a voz de Benício, abafada mas enfurecida, ecoou do quarto. "Lucas! Saia daqui! Agora!"
Lucas pulou, parecendo aterrorizado. "Eu tenho que ir, Juliana. Se cuida." Ele se afastou apressadamente.
Apertei minha cabeça, as peças do quebra-cabeça se encaixando, formando uma imagem de manipulação implacável e engano calculado. Cláudia. Dimitri. A mentira cuidadosamente construída.
Apareci para o meu turno na A Toca da Serpente com uma determinação de aço. Karen me encontrou na porta, seu rosto excepcionalmente sombrio. "Juliana. Temos um... pedido especial esta noite. Um que paga extremamente bem. Mas é... exigente. As outras garotas recusaram."
Meu maxilar se contraiu. "Quanto?"
Ela mencionou um valor que fez meus olhos se arregalarem. Era o suficiente. Mais do que suficiente para os custos médicos iniciais de Benício, talvez até para sua reabilitação a longo prazo. "Qual é a pegadinha?"
"O cliente quer uma apresentação particular. O violino, no gelo. Mas... ele quer mais do que apenas o uniforme. Ele quer uma... expressão artística completa." Seus olhos evitaram os meus.
Eu sabia exatamente o que "expressão artística" significava. Significava humilhação. Significava ser totalmente exposta, física e emocionalmente. Meu estômago revirou. Mas eu vi o rosto de Benício, ouvi as palavras do médico. Pode não andar normalmente de novo.
"Eu faço", eu disse, minha voz monótona, desprovida de emoção.
Karen olhou para mim, um lampejo de algo quase como pena em seus olhos. "Você tem certeza, Juliana? Isso é... além dos limites. Não há palavras de segurança esta noite. Uma vez que você começar, você termina."
"Tenho certeza", respondi, minha voz dura. "Benício precisa de mim. E eu farei o que for preciso."
Entrei na sala privada, o cliente, um homem chamado Heitor Valente, já esperando. Era o mesmo homem da noite anterior, aquele que exigiu meu pedido de desculpas. Um predador. Ele sorriu, um sorriso arrepiante e triunfante.
"Ah, Juliana", ele ronronou. "Então você decidiu ser uma boa menina, afinal."
Estendi o contrato pré-assinado que Karen me dera. "Os termos são claros, Sr. Valente. Pagamento adiantado, como combinado."
Ele riu, pegando o papel. "Sempre a mulher de negócios, mesmo em sua... posição comprometida." Ele rabiscou sua assinatura, depois jogou de volta para mim. "Agora, vamos ao show, sim?"
Amassei o contrato na mão, o papel parecendo frágil e insignificante. Caminhei para o centro da sala, onde um holofote iluminava um enorme bloco de gelo e um único violino descansando em uma almofada de veludo. Respirei fundo. Era isso.
Meus dedos se atrapalharam com os botões do meu uniforme, cada um uma rendição. O vestido escorregou para o chão, me deixando com as roupas íntimas de renda escassas. Peguei o violino, sua madeira lisa e fria contra minhas mãos trêmulas. Então, pisei no gelo.
O frio mordeu meus pés descalços, uma dor aguda e chocante. Fechei os olhos, respirei fundo e passei o arco pelas cordas. A primeira nota, melancólica e clara, encheu a sala. Eu toquei, meu corpo doendo, meus pés ficando dormentes, a música um lamento desesperado pela minha dignidade perdida.
Heitor Valente assistia, um sorriso cruel no rosto. Ele se recostou, bebendo sua bebida, claramente aproveitando cada segundo agonizante. Continuei tocando, lágrimas escorrendo pelo meu rosto, misturando-se com o suor que brotava na minha pele. O gelo sob mim estava derretendo, lenta e inexoravelmente.
Quando terminei, meu corpo tremia incontrolavelmente, meus dentes batiam. Meus pés estavam em carne viva e sangrando pela exposição prolongada ao gelo. Eu estava entorpecida, por dentro e por fora. Heitor Valente aplaudiu lentamente, uma expressão satisfeita no rosto.
"Magnífico, Juliana. Verdadeiramente magnífico." Ele se levantou, depois se virou para sair. "Meu motorista vai te levar para casa. Fique com o uniforme. Uma lembrança."
"O pagamento, Sr. Valente", gaguejei, minha voz mal um sussurro. "Você disse que pagaria adiantado. O resto."
Ele parou, um sorriso zombeteiro no rosto. "Oh, isso? Bem, eu não acho que sua 'performance' correspondeu ao valor total. Um pouco... decepcionante no final. Considere o pagamento adiantado uma gorjeta generosa por seus... esforços."
Ele saiu, me deixando ali, nua e sangrando, em um bloco de gelo derretendo. Minha visão embaçou. Tentei correr atrás dele, exigir o que era meu, mas minhas pernas cederam. A dor em meus pés era excruciante.
Karen entrou correndo, seu rosto pálido. "Juliana! Você está bem?" Ela olhou para meus pés, depois para o gelo derretendo. "Ele realmente... ele não te pagou?" Sua voz estava carregada de incredulidade. "Aquele desgraçado! Não se preocupe, Juliana. A boate vai te apoiar nisso. Vamos conseguir seu dinheiro."
Nesse momento, a porta se abriu novamente. Dimitri estava lá, seus olhos percorrendo a sala, pousando em mim, depois caindo para meus pés, e subindo para o gelo derretendo. Seu rosto era indecifrável.
"Entendo que há uma disputa legal aqui", disse ele, sua voz seca. "Estou aqui em nome do Sr. Valente. Ele alega que a Sra. Coutinho não forneceu o serviço acordado."
Meu sangue gelou. Ele sabia. Ele tinha que saber. Meus olhos encontraram os dele, implorando por um pingo do homem que eu conheci. Mas seu olhar era tão frio e duro quanto o gelo sob meus pés.
"Você está representando ele?" perguntei, minha voz crua de incredulidade.
"Meu cliente contratou meus serviços", respondeu Dimitri, sua voz desprovida de emoção. "Ele alega que você quebrou o contrato. Estou aqui para garantir que seus interesses sejam protegidos." Ele fez uma pausa, seus olhos se estreitando ligeiramente. "Embora, devo dizer, para alguém que afirma ser tão íntegra, você parece ter um talento para se meter nessas situações, não é, Juliana?"
A acusação pairou no ar, densa e sufocante. Foi uma reviravolta cruel. Ele estava me acusando de ser o problema, mesmo agora, quando eu estava no meu momento mais vulnerável.
Karen, sentindo meu sofrimento, deu um passo à frente. "Espere aí, Dimitri. Isso é ridículo. Juliana cumpriu sua parte do acordo. Ele simplesmente se recusou a pagar! Temos um contrato assinado."
"Um contrato que ele agora contesta", Dimitri contrapôs suavemente. "Ele alega que foi sob coação, e a performance foi insatisfatória. No entanto, estou disposto a resolver isso discretamente. Meu cliente está preparado para oferecer um pagamento simbólico, puramente por... boa vontade, para evitar mais ações legais." Ele mencionou um valor ridiculamente baixo, mal um décimo do que foi prometido.
Meu queixo caiu. Ele estava tentando me enganar de novo. E Dimitri o estava ajudando.
"Você disse que me ajudaria", sussurrei, minha voz tremendo de raiva e desespero. "Você disse que o processaria!"
O olhar de Dimitri encontrou o meu, frio e inabalável. "Eu disse que consideraria. E depois de analisar todo o escopo da situação, eu tenho uma condição. Eu assumirei seu caso, e garantirei que você receba a quantia total que foi prometida. Com uma condição."
Meu coração martelava contra minhas costelas. "Que condição?"
"Você pedirá desculpas publicamente a Cláudia Vasconcelos", disse ele, sua voz monótona. "Pelo incidente de bullying que 'arruinou a vida dela' na Mackenzie. Um pedido de desculpas completo e sem reservas. Em uma live."
Meu mundo girou. Ele queria que eu me humilhasse. Que admitisse publicamente uma mentira que destruiu minha vida, que me custou meus pais, minha reputação, tudo. E ele queria que eu fizesse isso por Cláudia, a mulher que arquitetou minha queda, que agora era sua noiva. Era a traição final. A humilhação final.
Eu o encarei, incapaz de falar. O ar em meus pulmões parecia vidro quebrado.
O rosto de Dimitri era inflexível. "Considere, Juliana. É isso, ou você perde tudo. De novo."
Minha mente correu. Benício. Suas contas médicas. Seu futuro. Eu não tinha outra escolha. Esta era minha última chance. Minha última e desesperada aposta.
Uma risada amarga e sem humor escapou dos meus lábios. "Tudo bem", murmurei, a palavra com gosto de cinzas. "Você venceu, Dimitri. Eu faço. Eu vou me desculpar."