Capítulo 2 1

No início da tarde, teríamos uma confraternização, sempre que entrava funcionário novo isso acontecia, seguido de uma reciclagem para os vendedores. Significava que amanhã provavelmente teríamos uma aula sobre vendas e marketing, o que eu geralmente aprovava. Aliás, agradecia por ficar longe da loja algum tempo, enquanto podia descansar as pernas. Então fiquei feliz em saber que havia um funcionário novo na área.

Não deu outra, após o almoço, fomos informados de que teria um revezamento para todos os vendedores participarem da confraternização. A livraria era enorme, com muitos funcionários, portanto não daria para participarem todos juntos. Contudo, se fosse no final do expediente, na certa poucos ficariam. Eu mesmo fazia parte da estatística dos que iriam embora, não gostava de deixar Luan sozinho além do necessário e muito menos chegaria tarde da noite em casa por qualquer motivo que não fosse obrigatório.

No refeitório, algumas mesas estavam dispostas com sanduíches, bolos e frutas, como era de costume. Peguei um copo de refrigerante, um pedaço de bolo e fui me sentar num canto, onde possivelmente ninguém me notaria. Outros funcionários conversavam, aproveitando o momento de descontração, mas eu ficava muito na minha e preferia não socializar tanto. Sabrina era a pessoa mais próxima de mim na livraria e ainda assim eu tentava não falar detalhes sobre minha vida com ela.

Notei Vinícius chegar com todo seu porte e desviei o olhar para um grupo aleatório de garotas, que olhavam para ele com interesse. Estava tão distraída que nem percebi quando Sabrina sentou ao meu lado.

- As meninas estão apostando quem consegue ficar com ele primeiro - sussurrou próximo ao meu ouvido.

- Você sabe que existe uma política de que não podemos nos envolver com ninguém daqui, certo? - retruquei só para provocar, era óbvio que ninguém seguia uma regra tão atrasada quanto essa.

Não com a quantidade de funcionários circulando na livraria.

- Ah, não me diga que você nunca pegou ninguém daqui? - devolveu rindo.

- Já sim e me arrependo até hoje - contei, tentando não falar mais do que isso.

Levi tinha namorada e a garota quase fez um barraco na porta da livraria quando soube de mim, sendo que eu não fazia a mínima ideia de que o garoto era quase noivo. Foi só uns beijos na saída que me renderam um problemão para resolver, então não valia a pena passar por algo parecido.

Comecei a seguir àquela regra de não se envolver com funcionários à risca a partir daquele dia.

- Olha só, quem diria - ironizou. - Quem era?

- Ele não trabalha mais aqui e você entrou bem depois - respondi, falando mais do que deveria. - Agora podemos mudar de assunto?

- Você não gosta de falar sobre si mesma - constatou, comendo um brigadeiro. - É difícil arrancar coisas de você.

- Talvez você devesse parar de querer arrancar coisas minhas - informei, tentando não parecer rude.

Sabrina era uma garota legal, mas ela sempre queria descobrir informações que eu não gostaria de fornecer a ninguém que não fosse muito próximo de mim.

Vinícius conversava com o Leonardo e vez ou outra olhava em nossa direção. Eu tentava interpretar essa troca de olhares como curiosidade por termos nos encontrado no fretado. A empolgação da Sabrina já era outra história, pelo que parecia, ela participou da aposta de quem ficaria com ele primeiro. Quando Vinícius começou a se afastar do Leonardo e a se aproximar de nós, confesso que fiquei meio perturbada e pensei em sair pela tangente. Assim Sabrina poderia ter sua chance de ganhar a aposta, porém tudo aconteceu rápido demais e quando dei por mim, ele estava próximo o suficiente para ser falta de educação ir embora:

- Posso me juntar a vocês? Estou meio perdido aqui. - Vinícius sorriu.

Foi Sabrina quem tomou a iniciativa de prontamente concordar:

- Pode sim. - Ela abriu o maior sorriso de todos e eu quase revirei os olhos.

No fim, começamos a conversar sobre livros, no entanto logo tivemos que retornar para a loja porque os outros funcionários precisavam confraternizar também. Voltei a trabalhar e nem vi a tarde indo embora, com tantos clientes para atender. Quando dei por mim já estava pegando minha mochila.

◆◆◆

Não consegui falar com meu irmão o dia todo, isso me deixou extremamente preocupada. Na volta para casa, por sorte ou azar, Vinícius sentou ao meu lado.

- Posso ficar aqui? - indagou meio reticente.

- Pode sim - afirmei, procurando ser educada, mas não tão solícita.

Eu não queria conversar porque estava morta de preocupação. Desviei o olhar de seus olhos e continuei tentando falar com meu irmão. Por fim, liguei para a minha única vizinha confiável. Ela chegava um pouco antes de mim e sempre dava uma olhada no Luan enquanto eu seguia para casa.

- Vanda, tudo bem? - Fui dizendo quando ela atendeu. - Pode, por favor, dar uma olhada no Luan? Não consigo falar com ele - pedi, sem conseguir esconder a aflição na minha voz.

Ela informou que me ligaria daqui a pouco, também acabara de chegar. Agradeci e desliguei o celular, soltando um suspiro, enquanto passava a mão pela testa.

- Problemas?

- Meu irmão não atende o celular - despejei, mesmo ciente que ele não podia fazer nada.

- Entendo - respondeu, como se não quisesse se envolver ou dizer algo idiota.

O diálogo morreu, quando meu celular tocou. Era a Vanda para me dizer que Luan estava queimando de febre e ela cuidaria dele até que eu chegasse.

- Vou pegar um táxi e chegarei mais rápido - respondi, desligando o celular.

Meus olhos se encheram de lágrimas, eu era uma péssima irmã. Larguei Luan sozinho o dia todo e sequer notei que algo estava errado quando tentei acordá-lo para a escola. Mordi o lábio, tentando secar as lágrimas. Eu não queria que Vinícius presenciasse o que possivelmente se tornaria uma crise com lágrimas e nariz escorrendo.

- Você precisa de ajuda? - Voltou a indagar, dessa vez demonstrando preocupação.

- Meu irmão está queimando em febre e eu o deixei sozinho o dia todo - lamentei sem poder me controlar, mas me calei porque não adiantaria despejar meus problemas nos outros.

- Quer que eu te leve? Posso pedir o carro do meu amigo emprestado, ele mora na parada do fretado - ofereceu todo gentil, eu não queria ter aceitado.

Todavia, a preocupação falou mais alto e apenas balancei a cabeça em concordância. Vinícius imediatamente pegou o celular do bolso e discou. Enquanto eu tentava me manter calma, apesar do nervosismo. Durante o caminho fiquei em silêncio, mordendo a parte interna da boca a ponto de sentir o gosto de sangue na língua. Vinícius pareceu respeitar meu silêncio, então quando descemos do fretado, um homem nos esperava.

Ele entregou uma chave e Vinícius agradeceu, como se pedisse silenciosamente com o olhar que o amigo não perguntasse nada. Eu também estava tão aflita que nem prestei atenção nas poucas palavras que trocaram. Vinícius gentilmente me guiou para dentro do carro, tocando meu ombro até que eu estivesse sentada e com o cinto de segurança afivelado.

- Pode me passar seu endereço? Eu vejo se tem alguma rota mais rápida para a sua casa - informou e eu prontamente passei as coordenadas.

O silêncio perdurou, até Vanda me mandar uma mensagem dizendo que a febre cedeu um pouco depois do antitérmico e de um banho morno. Fiquei um pouco mais tranquila, a ponto de conseguir formular uma frase de agradecimento ao Vinícius:

- Obrigada pela ajuda.

- Não foi nada, você estava preocupada. Era o mínimo que eu podia fazer - respondeu, indo por caminhos que eu não conhecia.

O resultado foi que chegamos bem mais rápido na minha casa.

- Se quiser ir, não quero te prender aqui - falei, porque ele foi gentil e eu não queria monopolizar sua noite.

- Vou ficar para o caso de precisar de uma carona ou outra coisa - afirmou, descendo do carro. - Mas se quiser que eu vá, tudo bem. Não quero invadir sua privacidade.

- Não, que isso. Agradeço sua ajuda. - Abri o portão e entramos, Vanda veio ao nosso encontro.

- Mariane, que bom que chegou. - Ela me deu um abraço rápido e olhou para Vinícius curiosamente.

Acho que só não fez perguntas por causa do meu irmão.

- Como ele está? - perguntei, deixando as apresentações para depois.

- Melhor, eu pensei em chamar um Uber e levá-lo ao hospital. Mas a febre cedeu e até fiz uma sopa pra ele tomar. Estava esperando esfriar um pouco - informou, seguindo para a cozinha.

- Obrigada, Vanda - agradeci, subindo as escadas. - Vem, Vinícius. - Chamei, porque seria estranho deixá-lo sozinho na sala.

Ele me seguiu em silêncio, encontrei meu irmão deitado de barriga para cima com uma toalha na testa. Corri até ele e toquei suas bochechas.

- Luan - peguei sua mão e apertei.

- Oi mana - respondeu meio grogue. - Desculpe eu não ter ido pra escola, não estava conseguindo ficar de pé.

- Não se preocupe com isso, só trate de ficar melhor. - Beijei seu rosto, então Vanda surgiu no quarto com a sopa.

- Já que está melhor, pode comer, mocinho. - Ela sentou na beirada da cama e eu o ajudei a se sentar.

- Tô morrendo de fome! - exclamou, esfregando as mãos.

Suspirei de alívio, dando um olhar agradecido à Vanda. Ela sorriu e indicou a porta, entendi o que minha vizinha quis dizer. Era para eu falar a sós com Vinícius e depois contar tudo. Toquei de leve o antebraço do Vinícius, esperando que ele compreendesse o recado. Ele me seguiu novamente, agora para fora do quarto. Paramos de frente um para o outro no corredor e eu ensaiei o que iria dizer.

- Obrigada pela ajuda - insisti em agradecer. - Cheguei bem mais rápido. - Coloquei as mãos nos bolsos da calça, sem saber como proceder em seguida. - Não quero mais tomar seu tempo, pode ficar tarde para voltar.

- Já que está tudo bem eu vou indo e não precisa agradecer. Já te falei. - Vinícius abriu um sorriso de canto bem sedutor.

- Ainda assim, obrigada. - Ele assentiu consternado.

- Boa noite, Mariane.

- Eu te levo até o portão - informei, já em movimento.

Fomos descendo às escadas, caminhamos para fora de casa e paramos na calçada. Sob o céu estrelado e a lua derramando sua luz difusa, os olhos do Vinícius ficavam ainda mais impressionantes. Fiquei hipnotizada naquele olhar por alguns instantes, até me lembrar do que fui fazer ali.

- Volte com cuidado, tá? - pedi, ponderando se apertava sua mão ou dava um beijo em sua bochecha.

Escolhi a segunda opção apenas porque parecia mais íntimo e eu queria tirar uma casquinha.

- Vou fazer isso - afirmou, olhando em meus olhos por alguns segundos, antes de se afastar para entrar no carro. - Amanhã eu não vou de fretado, então te encontro na livraria?

Fiz que sim com a cabeça, sem conseguir evitar o sorriso bobo nos lábios. Esperei o Vinícius sumir na noite para entrar.

Subi correndo e encontrei Luan comendo a segunda tigela de sopa com um pedaço enorme de pão. Apesar de fazer algumas caretas para engolir, constatei que ele estava realmente melhor, graças a Deus.

            
            

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