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Vinícius realmente não estava no fretado na manhã seguinte, inclusive não o encontrei até o início da tarde. Ele conversava com Paloma em um canto afastado quando o avistei, então preferi não demonstrar que já o tinha notado. Nesse momento Sabrina me interceptou, colocando uma das mãos em meu ombro.
- Admirando o Vinícius? - perguntou ironicamente. - Amiga, ele não é pra você.
Fechei a cara.
- Quem disse que eu estou interessada nele? - devolvi na defensiva.
- Só estou te dando um conselho. - Ela deu de ombros e foi se afastando. - Vinícius não é para o bico de nenhuma das meninas daqui. A aposta acabou - concluiu, já longe de mim.
Fiquei cismada com aquilo, mas não poderia chegar no Vinícius e perguntar o que Sabrina quis dizer. Daria muita bandeira, então eu teria que ignorar ou descobrir por conta própria. Ainda pensando no que ouvi, fui até o escritório da Paloma e soube que os papéis das minhas férias estavam preparados. Daqui uma semana eu estaria em casa por um mês.
Ou seja, conseguiria cuidar do tratamento do Luan tranquilamente e colocar meus neurônios para descansar. Além de tudo, constava no quadro de avisos que teríamos alterações nos benefícios e convênio médico para familiares seria incluso nos próximos meses.
Eu estava no céu!
◆◆◆
Havia duas mulheres elegantes no setor infantil da livraria após eu retornar do escritório, uma delas agachada conversando com uma criança fofa com um livro nas mãos.
Ah, caramba.
Era um livro esgotado, que estávamos negociando uma nova remessa há semanas e nada da editora enviar reposição. Notei duas crianças, uma com o último exemplar em mãos, a outra chorando, enquanto a - possivelmente mãe - tentava consolar um garotinho inconsolável.
Portanto, lá fui eu apaziguar a situação, vendo dois homens aparentemente perdidos e duas mães contendo o que parecia ser uma possível guerra fria entre leitores mirins.
- Desculpe, o que aconteceu? - perguntei apenas para ter certeza.
Era exatamente o último exemplar de Amoras.
- Oi, tudo bem? - A mulher loira perguntou educadamente. - Não teria outro exemplar desse livro, por favor? Digamos que nossos filhos viram o livro juntos e talvez se tivesse mais um. - Ela fez uma careta adorável, evidenciando seus traços bonitos.
Tinha cachos loiros e definidos, enquanto a outra era morena, de cabelos lisos e escuros.
- Sinto muito, estamos aguardando a nova remessa só que a editora ainda não enviou. - Tentei dar a notícia de uma forma que não fosse desesperadora.
Um dos meninos começou a chorar uma vez mais.
- Pietro, o que falamos sobre nem sempre poder ter tudo o que gostaríamos? - Um dos rapazes se pronunciou.
Era lindo e notei que talvez fosse estranjeiro ou... Eu realmente não imaginava sua nacionalidade.
- Mas papai. - O garotinho protestou.
- Seu pai tem razão, Pietro. - Ela concordou, enquanto o que eu julgava ser o pai do menino, bagunçava seus cabelos escuros e lisos.
- Davi, conversamos sobre isso também, não? - Ouvi uma outra voz masculina, que parecia vir do pai da criança que segurava o único exemplar disponível.
Então o impensável aconteceu, o garotinho que pelo visto se chamava Davi, ofereceu o exemplar do livro ao Pietro.
- Toma, a mamãe vai comprar outro pra mim quando der - afirmou, abrindo um sorrisinho banguelo.
Meu Deus, que fofura!
- Obrigada, mas não precisa. Pietro já aceitou - contestou a mulher loira, abrindo um sorriso sem graça.
- Eu insisto - respondeu a mãe do Davi, o garotinho abnegado, passando a mão na cabeça da criança.
Eu gostaria de perguntar se eram realmente as mães.
- Obrigado. - Pietro aceitou, dando um abraço no Davi.
Acabei rindo da cena.
- Desculpe, vocês são os pais e as mães? - perguntei, matando a minha curiosidade.
- Somos - responderam quase em uníssono.
Nesse momento Vinícius surgiu, para curiar o que aconteceu.
- Problemas? - perguntou preocupado.
- Estamos esperando reposição de Amoras e essas crianças queriam o último exemplar - respondi, esperando por um milagre.
Os dois meninos eram tão adoráveis, eu não queria que nenhum deles saísse triste da livraria.
- Acabei de pedir para reporem, se puderem aguardar por alguns minutos - objetou, educado.
- Eba! - Davi exclamou todo alegre.
- Mari, leve-os até a sala de descanso enquanto eles esperam. Os dois exemplares são cortesia da livraria, desculpe pelo contratempo. - Vinícius pediu, me deixando completamente surpresa e confusa.
Obedeci, guiando ambos os casais e as crianças. Só então notei que havia mais uma garotinha com eles, ela olhava um livro de colorir do Miraculous.
- Não precisa se incomodar, não queremos dar trabalho. - A mulher morena afirmou, enquanto caminhávamos.
- Tudo bem, nossa política é fazer com que todos os clientes saiam da livraria satisfeitos. Inclusive os pequenos - gracejei, os dois casais riram.
Pensando melhor, talvez até ficassem amigos depois do episódio de hoje. As crianças com certeza já se tornaram, notei os dois garotinhos conversando e nem sinal da discussão anterior pelo livro.
◆◆◆
- Eu procurei conter a situação, mas você foi excepcional! - comentei no nosso horário de almoço.
Vinícius ficou sem graça, mas não contestou.
- Eu só fiz o que a Paloma disse, ela tinha pedido já para eu repor os livros que chegaram essa manhã - explicou, mas eu tive minhas ressalvas.
- Repor os livros não tem a ver com o jeito que você lidou com a situação - objetei, lembrando de como ele agiu todo profissional.
Nem parecia o Vinícius que jogou videogame com o Luan no meu sofá.
- Chega de falar de mim - retrucou agitado. - Está animada com as férias?
- Você tá brincando? - Eu ri. - Estou surtando de agonia, planejando o que preciso fazer para aproveitar o tempo livre e não me enrolar quando voltar a trabalhar.
- Não pode simplesmente descansar?
- Eu tenho um irmão para cuidar, contas pra colocar em ordem, a casa pra organizar. - Enumerei. - Não é tão fácil.
Ele soltou um suspiro.
- Você é ligada no 220 o tempo todo.
- Já disse que preciso ser, quando desligo por um momento sequer tudo sai de controle. Meu irmão fica doente ou esqueço de pagar uma conta, preciso estar atenta o tempo todo - desabafei, porque era meio natural falar com o Vinícius.
Apesar do pouco tempo de convivência, ele era um bom ouvinte e isso me impelia a falar sobre os meus anseios. Diferentemente da Sabrina, que tentava arrancar as informações à força, Vinícius fazia com que a gente quisesse desabafar. Era assustador e reconfortante.
- Você não pensa em, sei lá, encontrar alguém que te ajude ou esteja com você te dando uma força? - questionou, meio obtuso.
Dei risada.
- Está se referindo a um namorado? - Arqueei a sobrancelha para soar mais dramática.
- Pode ser - concordou tentando parecer natural.
- Talvez, quando eu encontrar alguém que valha a pena - respondi, sem querer deixar transparecer que fiquei constrangida com a pergunta. - E mesmo que encontre, a responsabilidade de cuidar de tudo ainda vai ser minha. - Dei de ombros, também fingindo naturalidade.
- Depende do ponto de vista, por exemplo, se você fosse a minha namorada. Eu iria querer te ajudar no que pudesse - observou, fazendo meu coração se agitar.
- Mas eu não sou sua namorada - refutei, sentindo um aperto no peito.
- Mas é minha amiga.
Abri um sorriso, tentando não ficar decepcionada pela palavra amiga.
- Isso foi gentil da sua parte - provoquei, ainda rindo.
- Eu sou gentil o tempo todo. - Se vangloriou, também dando risada.
Nesse diálogo eu percebi que me apeguei verdadeiramente ao Vinícius.
Eu só não sabia ainda que forma de apego era.
◆◆◆
Os dias foram passando com rapidez, enquanto Vinícius continuava me trazendo em casa depois do trabalho. Vez ou outra ele ficava para jantar, porém nunca além das nove horas. Acontece que eu até gostava quando ele perdia o horário, porque Luan estava começando a apreciar muito a companhia dele e se tornar menos introspectivo. Vinícius era divertido e conseguia cativar facilmente as pessoas, inclusive eu e meu irmão.
Nós dois ficávamos esperando que ele perdesse a hora e dormisse em casa. Eu queria não pensar muito no que tudo isso significava, continuava mentalizando que éramos apenas amigos.
- Então a partir de amanhã você está oficialmente de férias! - exclamou animado. - Vou sentir falta de você no fretado e na livraria.
- Eu não. - Menti na cara dura. - Vou estar muito feliz assistindo filmes de heróis para isso.
- Insensível - murmurou, fazendo uma careta hilária. - Mas você precisa descansar mesmo, desligar um pouco essa sua cabeça. - Vinícius tocou minha testa com a ponta do indicador e deu um impulso leve.
- Aí - choraminguei, alisando a região. - Que audácia a sua!
Ele riu e eu acompanhei.
- Desculpe, não resisti. - Se defendeu. - Aliás, eu pensei em levar você e o Luan ao cinema amanhã, para comemorar suas férias, o que você acha?
Pensei por um instante.
- Acho que ele vai gostar - confirmei sorrindo.
- E você?
- Eu o que? - Me fiz de sonsa.
- Você vai gostar, Mariane? - perguntou com todas as letras.
- Vou - afirmei apenas. - Só preciso dormir pelo menos até às dez, então pode ser no período da tarde.
- Certo, te ligo amanhã então - respondeu, apertando a ponta do meu nariz. - Agora preciso ir, tenho que resolver uma coisa hoje ainda.
- Tudo bem, não quero monopolizar sua noite - devolvi, saindo do carro.
Vinícius segurou meu pulso antes de eu conseguir sair completamente. A porta já estava entreaberta quando olhei para trás, encontrando seus olhos verdes em mim.
- Eu adoro quando você monopoliza minha noite - declarou, fazendo meu coração acelerar. - Tchau, Mariane.
- Tchau, Vinícius - desejei, fingindo naturalidade. - Até amanhã.
Eu corri para o meu portão, entrando em casa um pouco aérea e cada vez mais confusa.