Capítulo 7 6

Acordei totalmente perdida, mas pelo menos estava descansada.

Que diacho aconteceu para eu descansar daquele jeito em tão poucas horas? Busquei o celular e quase caí de costas. Eram exatamente onze horas da manhã! Levantei da cama num rompante, sentindo a cabeça rodar. O que aconteceu? Será que Vinícius também continuava dormindo? Todos nós perdemos a hora? Luan não podia faltar mais, já ficou em casa esses dias por estar doente.

Caramba!

Lavei o rosto, vesti as roupas, escovei os dentes, amarrei o cabelo num coque qualquer e desci às escadas como um foguete. Encontrei Vinícius sentado no sofá conversando ao telefone, algo que parecia ser importante. Quando ele ouviu o barulho dos meus pés batendo freneticamente no chão, tapou o receptor de voz do celular e me encarou de forma divertida.

- A bela adormecida acordou - gracejou com um sorriso nos lábios.

- Você tá zoando com a minha cara? Se estava acordado, por que não me acordou? O Luan perdeu a hora e eu estou atrasada! - exclamei aos berros. - Arthur vai comer o nosso fígado com cebola e você está aí dando risada?

- Calma - pediu, mostrando as palmas das mãos como uma oferta de paz. - Eu liguei pra ele, expliquei que você teve um mal estar e que fiquei para te levar ao hospital - especificou, como se fosse a coisa mais natural do mundo eu passar mal e um outro funcionário ligar avisando.

- Por que você estaria aqui comigo, para início de conversa? - Cruzei os braços, vendo até onde o poder de persuasão dele me encrencava.

- Está tudo bem - desconversou, vindo até mim. - Eu levei o Luan para a escola, depois voltei com as chaves que ele deixou comigo. Até tentei te acordar, mas você estava totalmente apagada. Nem ouviu o despertador, queria que eu jogasse um balde de água em você? - perguntou com uma pitada de sarcasmo no tom de voz.

Fiquei em silêncio por alguns instantes, absorvendo aquelas palavras. Vinícius era um completo desconhecido que dormiu na minha casa e meu irmão deixou as chaves com ele.

Vinícius poderia fazer qualquer coisa que quisesse, onde eu estava com a cabeça de trazer um homem desconhecido para dentro da minha casa?

- Você me viu dormindo? - indaguei envergonhada.

- Vi e você ronca e faz umas caretas engraçadas, mas é totalmente adorável -apertou a ponta do meu nariz e eu quis socá-lo.

- Deveria ter jogado água em mim. Pelo menos eu não perderia a hora e eu não ronco nada! - exclamei finalmente, respirando fundo, continuei: -, mas obrigada por ao menos ter ajudado o Luan. Ainda assim, levando em conta que dormi tão tarde por sua causa, você não fez mais que sua obrigação - escapou sem querer. - Além disso, você poderia ser um maníaco e eu nem saberia.

Vinícius riu na minha cara.

- Eu não sou um maníaco.

- Isso é o que todos os maníacos dizem.

- Você conheceu todos os maníacos? - devolveu, erguendo uma sobrancelha escura.

- Assisto filmes. - Dei de ombros, procurando me acalmar ou morreria do coração.

Não entendia o porquê da necessidade de ser arisca com Vinícius, era uma sensação estranha. Em um momento eu queria embrenhar os dedos em seu cabelo e puxá-lo para um beijo. No outro queria descontar todas as minhas frustrações no coitado. Eu definitivamente estava perdida.

- Você sempre acorda de bom humor assim? - descontraiu rindo, o que me fez desarmar as ferraduras por um momento e rir com o Vinícius.

- Como você consegue ser desse jeito? Está sempre de bom humor e parece nem se importar com essa droga de emprego - observei, me jogando no sofá.

Ele enrijeceu um pouco a postura.

- Não é que eu não levo a sério, só sinto que não vale a pena me matar por causa disso - respondeu, analisando minha expressão. - Quando perdemos pessoas queridas, as outras coisas se tornam pequenas e às vezes até insignificantes.

Pela primeira vez, notei uma pontada de tristeza em seu tom de voz.

- Você perdeu alguém importante? - perguntei, receosa de estar invadindo sua privacidade.

- Meu pai, há três anos - revelou, desviando o olhar. - Só que eu não quero falar sobre isso - sentenciou, evitando qualquer pergunta que eu pudesse fazer a respeito. - Já fui em casa e podemos ir trabalhar agora no período da tarde - propôs, visivelmente procurando mudar de assunto.

Aceitei sem dizer uma palavra, ainda não tinha tomado café. Pelo horário eu comeria um salgado no meio do caminho. Todavia, Vinícius não permitiu, ele preferiu parar em um restaurante para comermos um omelete que serviria para ambos. Café e almoço juntos, dependendo do ponto de vista. O que resultou em um atraso ainda maior na minha folha de ponto.

Eu esperava que Arthur comesse meu fígado, definitivamente, mas ele apenas perguntou se eu estava bem e sequer pediu atestado médico.

Que diabos aconteceu com esse homem? Atrasos sem justificativa nunca foram tolerados na livraria, se chegássemos alguns minutos após o horário, era necessário ficar para compensar. Contudo, Arthur apenas me dispensou, como quem enxota um inseto insignificante.

Ele pensava em me mandar embora, após o meu período de férias? Só poderia ser esse o motivo que o levaria a não se importar mais comigo. Arthur já tinha planos para me despedir!

Na hora de ir embora eu estava desolada, Vinícius não ficou no meu setor durante a tarde, então não conversamos. Entretanto, lá estava ele me aguardando no fretado. Vinícius deixou o carro na garagem antes de virmos para a livraria. O carro que ele me levava era um modelo esportivo maravilhoso que eu imaginava ser bem caro. Contudo, não tomei a liberdade de perguntar nada por não querer ser deselegante, afinal o carro não era dele. Eu imaginava o quão próximo Vinícius era do amigo, para que ele deixasse o carro em sua garagem. Só que esse pensamento logo foi esquecido, quando Vinícius me olhou de lado como se estivesse pronto para ouvir meus desabafos.

- Vou ser demitida - sussurrei, temendo que a simples menção daquela palavra atraísse o caos para a minha vida.

Para a minha surpresa, ele riu.

- Por que pensa isso? - perguntou, se recompondo.

- Só achei essa explicação para o fato do Arthur não me enxotar da livraria depois de eu ter chegado atrasada. Principalmente já tenho ficado de folga recentemente e com férias planejadas, do nada - frisei, gesticulando com as mãos.

Nem sempre muitos funcionários pegavam o fretado no mesmo horário que eu, a maioria morava perto da livraria ou eram do noturno. Às vezes alguns pegavam o fretado quando queriam ir para algum lugar que fosse parada do ônibus e movimentava as coisas. Como no dia em que Vinícis apareceu, acho que ele atraiu as vendedoras. Naquele dia tinha mais alguns funcionários ali, mas eu não conhecia nenhum deles. A livraria era enorme, três andares com diversos setores. Portanto, nem todo mundo se conhecia ou tinha intimidade, alguns eu via somente de longe ou na troca de turno. Pois fechava às onze da noite e havia aqueles que trabalhavam meio período e recebiam um pouco menos também. Nem entendia direito porque fui contratada, o requisito era morar próximo do trabalho e eu estava bem longe disso. Talvez meu sorriso tenha cativado Arthur ou a Paloma, vai saber.

- O senhor Arthur não é tão ruim como dá a entender - respondeu neutro. - Você não vai ser demitida.

- Como sabe? - devolvi, suspeitando.

- Tenho sexto sentido pra essas coisas - afirmou, dando de ombros. - Agora relaxa, você é muito acelerada.

- Eu tenho que ser acelerada para dar conta de tudo que tenho que fazer em um dia - apontei séria.

- Eu sei e te admiro muito por isso - declarou, fazendo meu coração se aquecer.

- Obrigada, eu acho - agradeci, desviando os olhos.

- Escuta, eu estava pensando se você não podia jantar na minha casa qualquer dia desses - convidou casualmente após alguns segundos de silêncio. - Se tiver com quem deixar o Luan, eu aviso o dia com antecedência. Só preciso organizar umas coisas antes - completou, preenchendo todo e qualquer silêncio que pudesse surgir.

- Vanda geralmente fica com ele quando eu tenho algum compromisso - respondi, apesar da surpresa. - Está me convidando para um encontro?

- Só se quiser. - Se defendeu. - Como amigos.

- Talvez eu possa ir - observei, sem querer demonstrar que com certeza eu iria. - Combinamos depois.

- Certo - concordou sorrindo, como se estivesse muito feliz por eu ter aceitado.

- Sabrina não vai ficar com ciúmes? - ironizei, em hipótese alguma eu perderia a chance de provocá-lo.

- Não, ela é uma amiga e nada mais - rebateu, buscando meu olhar.

- Aham, sei - acabei rindo para disfarçar. - Não quero ninguém cuspindo na minha marmita.

Eu não contaria sobre a aposta, elas que se virassem com isso.

Vinícius riu.

- Você é inacreditável. - Ouvi em resposta.

- Estou apenas sendo sincera - afirmei, imaginando como seria um encontro com Vinícius longe da livraria e dos olhos curiosos do Luan.

Vinícius não entrou em casa naquela noite, com medo de me fazer perder a hora de novo. Eu também preferia não ficar o tempo todo com ele fora do trabalho, por motivos óbvios e também porque tinha que lavar roupas. Luan estava sem nada para vestir e eu não ficava atrás.

- Boa noite - desejou, com os olhos bruxuleando devido a luz vinda da lua.

- Boa noite - respondi, tentando continuar neutra e não demonstrar que ele me afetava tanto.

- Amanhã eu não pego o fretado com você, preciso resolver umas coisas - explicou. - Te encontro na livraria?

- Se não tem jeito - gracejei sorrindo.

Analisei Vinícius se inclinando em minha direção e quase me apavorei. Contudo, ao notar meu desespero, ele se adiantou em deixar um beijo na minha bochecha.

- Era só um beijo amigável de despedida - garantiu, abrindo um sorriso inocente.

- Engraçadinho. - Soltei nervosa, saindo do carro numa rapidez que me deu até tontura.

Como se apenas um beijo amigável de despedida não fosse o suficiente para fazer várias mulheres se derreterem.

            
            

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