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Vinícius ficou em silêncio até a parada do fretado, então quando eu iria sair, ele veio atrás. Acho que morava próximo da livraria também, pelo menos mais perto do que eu. Enfim, não me importei, seguiria meu caminho até a estação de trem e depois ainda pegaria um ônibus para casa. Como já mencionei, atravessava a cidade para chegar ao trabalho todos os dias.
- Quer uma carona? - perguntou todo solicito, nem parecia que eu o rechacei há alguns segundos.
- Você está de carro? - indaguei confusa.
- Meu amigo viajou e deixou o carro na minha garagem - respondeu displicente. - Posso te levar em casa, se quiser.
- Não quero incomodar, depois você teria que voltar tudo de novo - avisei, apesar de desejar muito o conforto.
Ainda mais sabendo que Vinícius conhecia atalhos que me possibilitaria chegar em tempo recorde.
- Eu não me importo, você aceita? - insistiu, girando a chave, enquanto trocava o peso do corpo para a perna esquerda.
- Aceito - confirmei, vencida e exausta.
Orgulho não me levaria a lugar nenhum.
Andamos um pouco e ele retirou o carro da garagem, fiquei curiosa para entrar. Contudo, não me ofereceria sem ser convidada, até queria ir ao banheiro. Mas dava tranquilamente para chegar em casa, só que Vinícius era muito cavalheiro e atencioso.
Essas características também pareciam fazer parte de sua personalidade.
- Eu te convidaria para comer alguma coisa em casa, mas sei que não gosta de deixar seu irmão sozinho. Enfim, quer uma água ou ir ao banheiro? - ofereceu, fiz que sim com a cabeça.
Ele me guiou até dentro da casa, observei tudo por alto. Algumas luzes estavam apagadas e eu não ficaria encarando cada canto da casa dele. Vinícius morava sozinho? Acompanhado? A curiosidade gritava na minha cabeça, no entanto, eu fingi desinteresse e apenas usei o banheiro. No geral a casa era organizada e simples, pelo que consegui notar sem dar muita bandeira. Em seguida entrei no carro silenciosamente e pretendia continuar assim, não fosse Vinícius puxar assunto comigo. Portanto, achei que seria falta de educação não responder, já que eu estava pegando carona com ele.
- Você está chateada comigo? - perguntou sério.
- Por que estaria? - revidei, cruzando os braços.
Vinícius dirigia pelas ruas cuidadosamente, pelo mesmo caminho que fez da última vez.
- Escuta, eu estava falando com a Sabrina sobre alguns assuntos importantes - explicou, como se ouvisse meus pensamentos.
- Não me diz respeito o que vocês conversaram - contestei, olhando pela janela. - Mas a Sabrina é um pouquinho linguaruda e temos uma política de não envolvimento entre os funcionários. Sabe, caso queira ficar com ela - joguei, para analisar sua expressão.
Voltei meus olhos para Vinícius, a ponto de ver seus lábios tremerem, antes de ele soltar uma gargalhada.
- Você acha que eu estou a fim dela? - perguntou, ainda rindo. - Não é nada disso.
- Então o que seria? - Minha curiosidade comichou a ponto de eu não conseguir disfarçar.
- Não posso dizer, mas eu sei que ela é um pouco tagarela - respondeu misterioso.
- Do que você está falando? - rebati, indiferente. - Não tenho interesse nenhum em saber, só quero uma carona para casa.
Ele assentiu lentamente.
- Você é sempre tão irritadiça assim ou só quando está com ciúmes? - provocou, me tirando do sério.
- Ah, para! - Mordi o lábio por ter me exaltado, eu não era desse jeito. O que estava acontecendo comigo? - Desculpe, você nem me conhece, não fale besteiras.
- Tudo bem, vou me controlar mais. - Ele me olhou de lado por alguns segundos. - Prometo não te irritar, se pegar carona comigo todos os dias na volta pra casa. Pelo menos enquanto eu estiver com o carro - propôs e eu fiquei ligeiramente surpresa.
- Você gastaria horrores com gasolina, por que me levaria em casa? - perguntei sem entender. - Não faz sentido me trazer todos os dias e ficar cansado para trabalhar.
- Fiquei muito tempo sem trabalhar, estou bem descansado - respondeu sucinto. - A propósito, qualquer dia você pode ficar para jantar na minha casa.
Eu quase dei risada, só que a promessa daquele convite me deixou sem palavras. Algo em seu jeito de falar me deixava hipnotizada, ele todo me deixava assim. A verdade era que eu estava atraída pelo Vinícius e agia com aspereza para não dar na cara ou acabar fazendo uma bobagem.
- Se é assim, eu aceito - afirmei, agradecendo por ter carona vitalícia por algum tempo. - Vê se não vai se arrepender.
- Não vou - confirmou. - Amigos?
- Amigos - concordei, abrindo um sorriso sincero.
- Ufa, pensei que precisaria implorar!
Eu dei risada.
- Você é muito engraçadinho. - Empurrei de leve seu ombro, sentindo a rigidez de seus músculos.
Meu coração acelerou.
Droga, eu estava agindo como uma adolescente ridícula, com os hormônios à flor da pele!
- Implorar não seria má ideia - falei, só para aliviar o clima e talvez meu constrangimento por tê-lo tocado.
- Vou me lembrar disso da próxima vez.
Nós dois sorrimos.
Naquela noite a volta para casa foi mais rápida e com certeza muito mais divertida. Aliás, chegamos por volta de trinta minutos. Eu nem acreditei nisso, geralmente me custava quase duas horas para poder me jogar no sofá antes de preparar o jantar, tomar banho e cair na cama novamente. Não podia me acostumar a vir de carro, porque não duraria para sempre e depois ficaria difícil pegar no tranco. Se bem que no próximo mês tudo indicava que eu teria férias, então nem queria pensar além do necessário no transporte público.
- Obrigada, cheguei em tempo recorde como de costume - agradeci sorrindo.
Vinícius assentiu.
- Não por isso - retribuiu o sorriso. - Posso entrar e ver seu irmão? Ou daqui já posso ir embora? - perguntou divertido.
- Pode entrar, claro - aceitei, era o mínimo que eu podia fazer. - Quer ficar para jantar? Minha comida não é das melhores, mas sei fazer um macarrão com atum que é uma delícia.
- Opa, eu aceito - concordou bem rápido, o que me fez rir novamente.
- Vamos, então - gesticulei com as mãos.
- Só vou estacionar melhor no meio fio. - Aproveitei para sair do carro.
- Vou abrindo o portão - respondi, sentindo uma sensação estranha de animação. Eu não estava assim por Vinícius jantar em casa comigo, certo?
Esperava que não, ficaria muito encrencada se estivesse.
Eu não gostava de visitas, muito menos após o meu turno cansativo na livraria. Principalmente uma visita que me desse um trabalho extra, mas com Vinícius eu fiquei feliz em preparar macarrão com atum mesmo cansada. Alguém me socorre de mim!
◆◆◆
Luan se deu bem até demais com Vinícius, depois do jantar foram jogar e me deixaram cuidando da louça. Vinícius até se ofereceu para me ajudar, porém Luan o puxou pelo braço e eu acabei achando adorável ver meu irmão interagindo com ele. Luan geralmente era introvertido, não costumava agir desinibido assim com nenhum adulto além de mim e a Vanda. Foi uma surpresa vê-lo empolgado dessa forma com uma visita, sem nem conhecer Vinícius direito.
Acabei terminando de lavar a louça rapidamente, para me juntar a eles no sofá. Ficamos nos divertindo, ao ponto de eu perder completamente o controle do horário. Olhei no relógio e faltavam dez minutos para meia noite.
Arregalei os olhos, enquanto Vinícius continuava jogando animadamente com Luan. Sem nem se importar com a hora avançada.
- Acho que você vai ter que dormir aqui - informei, tentando não parecer rude em querer expulsá-lo.
- Que? - Vinícius olhou no relógio de pulso. - Não sabia que era tão tarde!
- Então. - Abri um sorriso irônico.
- Preciso ir, não quero te fazer trabalhar "virada" amanhã. - Ele levantou abruptamente, fazendo Luan vencer a partida.
- Está muito tarde para você voltar - refleti. - Melhor dormir aqui hoje, se não se importar.
- Não vou te atrapalhar? - perguntou apreensivo.
- Não, a menos que se incomode de dormir no sofá - ponderei, vendo Luan levantar e desligar o videogame.
- Eu ganhei dessa vez, não importa se foi por um descuido seu - acusou frustrado, aparentemente ele queria continuar jogando.
- Escove os dentes e vá se deitar - ordenei, sem abrir precedentes para protestos.
- Tudo bem, chata - respondeu emburrado. - Tchau, Vinícius. Foi maneiro jogar com você! - Eles deram um toquinho de mãos e Luan foi se afastando.
Achei graça.
- E o meu? - Luan sabia do que se tratava.
- Credo, pede um beijo pro Vinícius. - Deu a língua e saiu correndo, rindo.
Meu rosto queimou.
- Não corre, seu moleque! - gritei, apesar do horário.
- Gostei dele. - Vinícius comentou com um sorriso sacana nos lábios. - Ele te dá um beijo de boa noite?
- Às vezes sim, outras não. Depende do humor - especifiquei, ainda envergonhada. - Vou ajeitar o sofá pra você, já está bem tarde. Quer tomar um banho? Tenho uma escova de dentes reserva também.
- Tudo bem, só quero jogar uma água no corpo - explicou, parecendo constrangido. - Amanhã cedo eu me troco, desculpe te dar esse trabalho. Sério, você podia ter me expulsado.
- Se eu fizesse isso, o Luan ficaria sem falar comigo por um mês - contei, mas a verdade é que eu também me distraí com a presença dele.
- De qualquer forma não queria incomodar - insistiu, nisso já se passavam uns dez minutos.
- Vem, vou te mostrar o banheiro e levar uma toalha. - Encerrei o assunto. Vinícius assentiu e começou a me seguir.
Eu terminei de ajeitar o sofá e Vinícius surgiu na sala enxugando os cabelos na toalha.
- Você lavou o cabelo a essa hora da noite? - questionei incrédula.
- Não podia? - devolveu confuso.
- Você pode pegar um resfriado ou ficar cheio de caspas - apontei, ficando de frente para ele.
- Tudo bem, eu consigo lidar com isso - respondeu divertido. - Agora vá dormir, está tarde e você precisa descansar. - Ele tocou de leve meu braço e eu estremeci ligeiramente.
- Tudo bem - aceitei, indo até o interruptor. - Posso apagar a luz?
- Pode sim - confirmou. - Boa noite, Mariane.
- Boa noite, Vinícius - desejei, subindo as escadas.
Naquela noite, não foi surpresa alguma eu não conseguir dormir com facilidade, mesmo com o cansaço dominando cada célula do meu ser.