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Vinícius ficou no meu setor durante toda a manhã e Paloma pediu que eu o auxiliasse no caso de precisar de ajuda com os clientes ou tivesse dúvida sobre os livros. Aceitei, porque ela era a segunda voz de comando na livraria, depois do senhor Arthur. Paloma ficava na loja a maior parte do tempo, auxiliando os vendedores, enquanto Arthur trabalhava no escritório e vigiava todos nós pela câmera de segurança.
Vinícius estourou de vender naquela manhã, não foi surpresa alguma que a maioria das clientes fossem mulheres. Ele sorria e era extrovertido, além de muito convincente. Não me admirou ter conseguido a possibilidade de férias para mim, não quando vi de perto o seu poder persuasivo em ação.
Algo em seu jeito de falar fazia com que fizéssemos questão de agradá-lo e isso me deixou em estado de alerta.
- Obrigada, vou levar sim! - exclamou a garota que ele atendia diante dos meus olhos.
Era uma edição de luxo do livro orgulho e preconceito, que custava um terço do meu salário. Contudo, a garota parecia imensamente feliz quando foi até o caixa fazer o pagamento.
Vinícius agradeceu sorrindo e acenou, observei em silêncio enquanto comprimia os lábios.
- Você é muito bom com vendas - ironizei, ele coçou a nuca. - Ainda mais com mulheres.
Não podia ser a aula básica de vendas e marketing que eu perdi, graças a minha folga de última hora.
Era algo a mais, algo do próprio Vinícius.
- Obrigado? - respondeu em tom de indagação. - Aprendi direitinho no meu treinamento.
- Eu acho que não - neguei. - Tem mais a ver com a cor dos seus olhos e o jeito que faz as pessoas se sentirem. - escapou, mordi o lábio por ter falado aquilo em voz alta.
- Especifica - pediu, cruzando os braços sobre o peito.
Olhei para cima e aqueles olhos brilhantes estavam sobre mim. Era difícil respirar. Pigarreei, tentando recobrar a compostura.
- Você deve imaginar o efeito que causa nas mulheres - despejei e sai andando.
- Que efeito? - perguntou, vindo atrás.
- Não preciso dizer, é só você se olhar no espelho - respondi, fugindo para o refeitório.
Era meu horário de almoço e eu preferia não ficar com Vinícius.
Ele não entendeu e continuou me seguindo.
- Eu causo esse efeito em você? - indagou, interessado e esperançoso.
Girei o corpo bem lentamente, ficando de frente para Vinícius no processo.
- Não, não causa - afirmei taxativa. - Sou imune ao seu charme barato.
- Que pena. - Sua voz soou com uma pitada de decepção.
O que estava acontecendo?
- Eu não sabia que você fazia esse tipo.
Aproveitei para pegar minha comida.
- Qual?
- O que joga charme para todas - acusei, apontando um garfo para Vinícius.
- Não joguei charme pra ninguém além de você, Mariane - respondeu na lata. - Desculpa, não sei o que me deu, não sou assim. Vou deixá-la almoçar em paz, aliás, preciso resolver uma coisa na rua. - Vinícius saiu todo desconfiado.
Ele passou o horário de almoço fora, assim como a maioria dos funcionários que almoçavam no mesmo período que eu. Não tê-lo por perto foi bom e ruim, mas não o suficiente para eu deixar de pensar na razão de ser a escolhida do Vinícius no quesito jogar charme.
Eu conhecia minhas qualidades, porém, não queria acreditar que ele tivesse qualquer tipo de interesse em mim. Era mais seguro não me envolver com ninguém, principalmente se tivéssemos que conviver no trabalho, como de fato aconteceria. Ser o alvo da sua atenção me causava uma sensação de privilégio e pavor.
Era como ter o sol apontado diretamente para mim e isso podia aquecer ou me queimar. Eu precisava mais do que nunca fingir ser imune àquele olhar e todo o conjunto da obra.
Ainda bem que durante a tarde ele ficaria em outro setor, assim teria um tempo para adquirir anticorpos.
Quando voltei ao trabalho, encontrei Vinícius conversando com Sabrina. Eu diria que de uma forma bem íntima, o que me deixou com um misto de agonia e alívio. Era isso, foi só um flerte ridículo e infundado. Estava na cara que eu não era a única para qual Vinícius jogou charme.
Agora eu já podia voltar para a minha rotina normalmente, sem nenhum homem estupidamente lindo bagunçando meu raciocínio lógico. Perfeito, foco no objetivo e férias no próximo mês. Ao menos isso ele me proporcionou, era um bom motivo para eu conseguir agir com maturidade e continuar tratando Vinícius como deveria. Como um simples colega de trabalho, nada mais!
Trabalhei o restante da tarde ligada no 220, era como se toda a energia perdida voltasse com força total em algumas horas. Eu estava possessa, no entanto, jamais daria o braço a torcer assumindo nem para mim que a razão era Vinícius. Se ele queria passar o rodo em geral na livraria, boa sorte para ele.
Eu não estaria na lista de garotas iludidas nem hoje, nem nunca.
◆◆◆
Vinícius ainda quis falar comigo no fretado, como se não tivesse ficado com graça durante toda a tarde com a Sabrina. Não tinha outro lugar para ele sentar?
Ah é, a Sabrina não vinha de fretado!
Coloquei os fones de ouvido e apenas ignorei, mas ele parecia agoniado por atenção e achei infantil da minha parte ignorá-lo por completo. Quantos anos eu tinha, afinal de contas?
- Como foi seu dia? - perguntou, quando retirei um dos fones para ouvir.
- Cansativo - respondi vaga. - E o seu?
Quase fui sarcástica, mencionando a Sabrina. Só que daí ficaria escancarado que percebi a interação deles e eu em hipótese alguma me entregaria desse jeito.
- Foi promissor, consegui algumas coisas usando meu poder de persuasão - contou divertido.
Fiz um esforço para não revirar os olhos.
- Que bom pra você - desdenhei, mudando a música da playlist.
- Você parece incomodada com alguma coisa - observou, dessa vez tive que revirar os olhos. - Ficou chateada com o que eu disse mais cedo?
- Por que eu ficaria? - devolvi cheia de ironia. - Acabamos de nos conhecer, por favor não aja como se fossemos amigos, só por ter me ajudado quando precisei.
Ele se encolheu.
- Desculpe, não era minha intenção - alegou, mostrando as palmas das mãos em uma oferta de paz.
- Tudo bem, só não aja como se fossemos amigos - reafirmei, mesmo ciente de que estava sendo grosseira demais.
Não era necessário que eu agisse dessa forma, mas não sei o que me deu. Depois que flagrei Vinícius jogando charme para a Sabrina, parece que virei uma granada prestes a explodir.
Era tão ridículo, eu o conhecia há alguns dias apenas. O quão carente eu estava? Não deveria me importar e muito menos tratá-lo mal por causa disso. Jogar charme deveria ser inerente à personalidade de algumas pessoas e com Vinícius não parecia ser diferente.
Eu só tinha que não me importar e continuar fazendo meu trabalho, exatamente como fiz até agora.