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- Quem era aquele cara? - Luan perguntou, passando o pão no fundo da tigela. - Seu namorado?
- Não, só um amigo do trabalho - respondi, me jogando na cadeira ao lado de sua cama. - Você quase me matou de susto!
- Eu tô bem, não precisava se preocupar - desdenhou, como se Vanda fosse me alarmar daquele jeito por nada. - Não mude de assunto, quais são as intenções dele?
- Que intenções, fedelho? - devolvi, rindo. - Olha o teu tamanho!
- Eu sou teu único irmão, tenho que cuidar de você. Pensei que iria ficar pra titia, pelo menos ele é bonitão, né tia Vanda? - perguntou animado.
- Olha que audácia! - Eu gargalhei.
- Bem bonitão. - Ela piscou para mim. - Agora que está tudo bem, eu também vou, preciso preparar o jantar antes que o senhor faminto chegue. - Vanda levantou se apoiando nos joelhos. - Depois a gente conversa, gatinha. Se precisar de alguma coisa é só dar um grito.
- Obrigada, Vanda - agradeci novamente com um abraço rápido, por causa do meu estado.
Eu precisava de um banho urgentemente. Antes, porém, apertei Luan em um abraço de urso.
- Me solta, sua surtada! - exclamou, tentando se afastar.
- Você nunca mais me assuste desse jeito, ouviu? - baguncei seus cabelos e fui pegar o termômetro para medir a temperatura dele antes de tomar banho.
- Já falei que eu tô bem - reafirmou, deitando na cama. - Só cansado.
- Vou dormir aqui hoje com você - informei, indo buscar meu colchão.
Peguei todas as coisas necessárias ouvindo os protestos do Luan até eu entrar no banheiro.
- Espero que você comece a namorar logo e largue do meu pé - resmungou, mas quando eu saí do banho, meu colchão estava ajeitado bem perto da cama dele.
Minha coberta e travesseiro estrategicamente posicionados. Enquanto Luan estava de costas para a porta, como se já dormisse.
- Se não se importar vou comer o restinho de sopa que sobrou, você ainda quer? - perguntei, por via das dúvidas.
- Comi demais, bom apetite.
Deixei um beijo em sua cabeleira escura e cacheada, saindo do quarto para comer. Minha vida não era fácil, porém eu amava aquele pirralho mais do que tudo e sempre cuidaria dele. Ainda que isso me rendesse algumas olheiras e precocemente muitos fios de cabelo branco na cabeça. Acordei com o Luan agarrado em mim no colchão, então giirei o corpo, ficando de frente para ele. Luan tinha treze anos, mas era comprido demais para a idade, assim sendo parecia ter uns quinze. Tanto no tamanho quanto na personalidade, o que aconteceu com meu pai o obrigou a amadurecer forçadamente e isso não me deixava feliz em hipótese alguma. Eu sabia que era uma irmã relapsa, no entanto, não dava para estar sempre presente por causa do trabalho. Vanda me ajudava muito, ficando de olho nele por mim. Contudo, não era a mesma coisa, mas o que eu podia fazer? Deixei um beijo em sua cabeleira e tentei acordá-lo.
- Luan, você está bem para ir à escola? Quer ficar em casa? Hoje a Vanda não trabalha, pode ficar com você - falei amorosamente, ele se remexeu. - Eu tenho que ir trabalhar, vou enviar uma mensagem para a sua professora - sentenciei, já sabendo que não seria bom ele ir para a escola correndo o risco de ter uma recaída.
- Tá bom - concordou, toquei sua testa e não estava mais quente. - Quero água.
- Vou buscar - avisei, já me levantando.
Entreguei a água, terminei de me trocar e liguei para a Vanda. Ela acordava cedo porque o marido saia nesse horário para trabalhar, então aproveitei para pedir que ficasse de olho no Luan por mim. Como sempre, Vanda aceitou passar o dia aqui em casa até que eu voltasse. Éramos mais que vizinhas, para falar a verdade. Ela era como uma mãezona para nós dois. Com tudo organizado, me despedi do meu irmão e segui para a livraria. Durante o caminho, Vinícius não saia dos meus pensamentos, ele foi tão gentil e atencioso ontem mesmo sem me conhecer. Ainda tinha o combo olhos verdes e boca carnuda, pude analisar melhor seus traços quando nos despedimos ontem sob o luar. Vinícius podia levar qualquer garota à loucura com apenas uma olhada ou uma mordida no lábio. Não era por menos que todas as meninas da livraria estavam falando ou querendo chamar a atenção dele de alguma forma. Balancei a cabeça, afastando a lembrança da noite anterior. Vinícius era bonito demais para que eu pensasse nele por mais de dez segundos.
Era perigoso pensar em homem bonito, porque depois você começava a imaginar como seria beijá-lo na boca e daí em diante era só ladeira abaixo. Acabei rindo com a constatação, eu nem sabia se ele gostaria de me beijar.
Peguei os fones e mergulhei na música até chegar à livraria, o dia seria longo e eu precisava me concentrar nas tarefas que pagavam as minhas contas e nada mais. Na hora do almoço, o pessoal geralmente saía para comer e eu ficava no refeitório quase sempre sozinha. Dessa vez tive companhia. Coloquei minha marmita para esquentar e vi quando Vinícius se aproximou com um sanduíche na mão.
Sorri e fui me sentar, ele me acompanhou.
- Posso ficar com você? - perguntou todo sorrisos.
- Claro - confirmei, tentando não me afetar.
Era difícil não ficar encarando Vinícius, aqueles olhos meio que te hipnotizavam.
- Como seu irmão está? - indagou interessado.
Não queria comer na frente dele, mas não tinha outra opção e eu estava faminta. Não ficaria com fome só porque havia um homem bonito na minha frente, já passei dessa fase.
- Está melhor - respondi suspirando. - Deixei minha vizinha de olho nele.
- Entendo. - Vinícius ficou em silêncio a partir disto e eu também, começando a comer. Ainda bem que minha marmita estava apresentável, pelo menos. - Você chegou muito tarde? - perguntei para quebrar o silêncio.
Tentava comer devagar, não como a draga que eu era. Quanto mais rápido eu comia, mais tempo tinha livre para tirar um cochilo na sala de descanso.
- Não se preocupe com isso - pediu pensativo. - Você gosta de trabalhar aqui? - perguntou curioso, do nada.
Pensei por um instante.
- Eu gosto dos livros e esse trabalho paga minhas contas. - Dei de ombros, não querendo soar mal agradecida.
Vinícius era funcionário novo e eu também não queria desmotivá-lo.
- Mas você gosta? - insistiu.
- Quer saber a verdade? - Ele fez que sim com a cabeça. - Estou com férias vencidas, o salário é baixo e não temos convênio médico para familiares. Nem consigo trocar minha vaga com o meu irmão. Trabalho do outro lado da cidade e às vezes queria encontrar outra coisa, só que não posso me dar ao luxo por causa do Luan! - Parei de falar mortificada. Eu nem o conhecia para despejar aquelas peculiaridades sobre minha vida em cima dele.
- Entendi. - Vinícius dizia essa palavra com frequência. - Preciso resolver uma coisa, vou deixá-la almoçar tranquila. - Ele deu um sorriso que não me convenceu e se afastou.
Fiquei ali morrendo de vergonha por ter dito meus pensamentos em voz alta. Vinícius podia não entender, ficar desmotivado ou contar para alguém e eu ser demitida por não gostar do meu trabalho. Mas eu gostava!
Gostava de livros, pelo menos. E principalmente de não morrer de fome. Tinha o Luan também, eu precisava cuidar dele, então não era como se pudesse escolher trabalho. No geral até gostava de trabalhar na livraria, ganhar descontos nos livros, essas coisas, só que era longe e eu estava esgotada. Queria muito tirar férias, mesmo que fosse mais vantajoso vendê-las e pegar o dinheiro. Eu não aguentava mais a rotina louca que estava levando, precisava de uma pausa ou surtaria. Terminei de comer arrependida e fui descansar um pouco. No período da tarde tínhamos muitos clientes, era extremamente cansativo. Portanto, eu aproveitava meu horário de almoço para recarregar as energias e dar conta do trabalho. Mandei mensagem para a Vanda e acabei adormecendo em um dos puffs com o celular no peito.
Acordei com a Sabrina me sacudindo.
- Mariane. - Chamou, abri os olhos ainda sonolenta. - O supervisor quer falar com você, na sala dele, agora.
Dei um pulo, seria demitida!
Sabia que não deveria ter falado tanta coisa para o Vinícius, eu nem o conhecia. Eu precisava muito daquele trabalho. Tinha o tratamento do Luan para colocar aparelho, o aluguel, conta de água e luz. Já estava a ponto de implorar pelo meu emprego, quando entrei na sala do senhor Arthur.
- Mariane. - Meu nome soou de forma tranquila e isso me confortou minimamente. - Soube que está com problemas com o seu irmão.
- Como o senhor soube? - Escapou, voltei atrás e me corrigi. - Desculpe, na verdade ele ficou doente ontem. Mas já está tudo bem!
- Recolha suas coisas e tire o resto do dia de folga, amanhã não precisa vir trabalhar. Providenciarei suas férias para o próximo mês, só preciso que tenha um pouco de paciência, pois estamos com o pessoal reduzido. - Foi dizendo, eu fiquei com cara de pamonha.
- Desculpe, mas o funcionário novo falou alguma coisa com o senhor? - perguntei receosa, não conseguia entender bulhufas do que aconteceu.
- Não importa como fiquei sabendo - cortou incomodado. - Só pegue suas coisas e cuide do seu irmão, em breve falaremos sobre suas férias.
Agradeci novamente e saí, ainda confusa com o que aconteceu.
Não consegui encontrar Vinícius antes de ir embora para questionar se foi ele quem falou com o senhor Arthur. Ficaria com a pulga atrás da orelha até voltar ao trabalho, porém, eu não reclamaria de poder descansar um pouco sem ter desconto no meu salário.