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Quando acordo, ainda um pouco zonza, não sei nem onde estou. No entanto, ao abrir os olhos e apurar os sentidos, noto que o quarto é branco e cheira à antisséptico. O odor invade meu nariz violentamente, tanto que tenho o impulso de ir para longe, esse cheiro está me enojando. Contudo, uma voz agora familiar para mim, me distrai de minha próxima ação.
- Dani, acordou? - é Miguel.
- Onde estou? - já a minha própria voz soa rouca e falhada.
Como se eu tivesse ficado muito tempo sem exercitar minhas cordas vocais.
- No hospital, você precisa ficar em observação por hoje. - ele se aproxima e fixa os olhos em mim.
- Por quê?
- Você pegou dengue, mas já está tudo bem, sua febre cedeu. Acho que amanhã já poderá ir pra casa. - Miguel pega a minha mão, enquanto eu tento assimilar suas palavras.
- Dengue? Como alguém pega dengue em uma viagem de férias? - pergunto sarcasticamente, soltando um muxoxo em seguida.
- Nós tivemos um surto há pouco tempo, a saúde pública conseguiu controlar. Porém, no último mês, surgiram alguns casos isolados. O seu foi um deles. - Miguel explica com toda a paciência do mundo.
- Que sortuda. - ironizo inconformada. - Sabia que não deveria ter ido àquelas rochas.
- Que rochas? - ele me encara nitidamente confuso.
- Àquelas quase ao final da praia, uma voz me disse que não deveria ir até lá, pois algo poderia me acontecer. Está vendo, fui desafiar o destino. - dramatizo comigo mesma.
Miguel abre um sorriso.
- Isso não tem nada a ver com as rochas, Dani. Você só foi sorteada por algum mosquito. - contrapõe acariciando o dorso da minha mão com o polegar.
- Sério? O que mais me falta acontecer? - indago com a voz carregada de angustia.
- Ei, calma. Está tudo bem agora, eu vou cuidar de você e daqui uns dias já estará novinha em folha, visse? - Miguel aperta minha mão de forma carinhosa, enquanto seu polegar continua a acariciar gentilmente minha pele.
- Não precisa se preocupar comigo, Miguel. - protesto me sentindo culpada.
- Claro que vou me preocupar, levei um susto quando te vi praticamente desmaiada e ardendo em febre. Não apareceu em casa para irmos ao Píer, também não consegui falar com a Pati e você não me atendia, enfim. - ele despeja tudo muito rápido e como estou um pouco tonta, demoro alguns segundos para assimilar suas palavras.
Até que minha ficha cai.
- O assaltante!
- Que? - Miguel une as sobrancelhas sem entender.
- Eu sonhei que alguém roubava minha casa, então era você... Espera, você me viu? Como eu estava vestida? - sinto meu rosto queimar só de imaginar Miguel vendo-me quase despida, porque é assim que eu geralmente durmo aqui por causa do calor.
E, como praticamente nem levantei da cama direito, apenas peguei a correspondência na caixinha pendurada do lado de dentro da porta...
A Meu Deus!
- Calma, Dani. - tenta me tranquilizar. - Eu te cobri com um lençol assim que entrei, não vi nada mesmo. - garante tão ou mais constrangido que eu.
- Ah - devo estar parecendo um pimentão maduro, sorte que a luz fraca do abajur ao meu lado, ameniza um pouco a situação. -, e como entrou? Cadê a Mel? - mudo a rota da nossa conversa, querendo esquecer completamente o ocorrido.
- Eu forcei a porta - responde hesitante, porém claramente aliviado pela mudança de assunto. - Mel está com Lúcia. Aliás, antes que me pergunte, Patrícia viajou, disse que liga depois para saber como nossa "turista" está. - faz aspas com os dedos em turista e aperta minha mão um pouco mais.
A dele, por sinal, está bem quentinha, não sei se ainda estou febril. Todavia, me sinto melhor com esse toque singelo.
- Então você fez esforço? - me recordo do que o médico ordenou e tenho o ímpeto de repreendê-lo.
- Dani, calma. - pede gentil. - Eu estou ótimo, é o seu bem-estar que está em pauta nesse momento. Você precisa descansar, está com dor? Vou chamar a enfermeira...
- Eu tô bem. - aperto sua mão, impedindo-o de se afastar de mim. - Só... fique aqui.
Começo a me sentir sonolenta e me aconchego na cama nada macia. Miguel ficou quase duas semanas aqui, deve ter estado ansioso para ir embora. Por que pedi para ele ficar mesmo? Deve estar muito tarde, pelo que vi ele estava cochilando na cadeira. Miguel precisa ir pra casa, cuidar da filha, não de mim.
- Ficarei, Dani. Mas antes vou chamar a enfermeira. - ele desfaz o contato de repente, tanto que eu me sinto até um pouco vazia e carente.
- Não, Miguel. - rebato taxativa. - Após chamar, vá para casa descansar. Você é recém operado e já fez esforço, seu médico deveria me bater. - reflito pesarosa.
- Eu não vou a lugar algum, não importa o que diga. - ouço em resposta.
- Depois eu que sou teimosa.
Miguel deixa um beijo casto na minha testa e o vejo sair porta afora, sem retrucar dessa vez.
(...)
Ao acordar, ainda com o corpo um pouco dolorido, suspiro lentamente observando minha pele levemente avermelhada. A enfermeira noturna que Miguel chamou, me explicou que este é um sintoma da dengue e que não preciso me preocupar. Desde que não faça esforço e tome muito líquido, ficarei bem.
Entretanto, ao me levantar para ir ao banheiro, sou recebida por outra enfermeira, o plantão deve ter trocado, afinal. Por falar nisso, será que Miguel foi descansar como eu pedi? Espero que sim, não o vejo por aqui.
- Bom dia, querida. Está melhor?
Ressalto aqui, que os profissionais desse pronto socorro são ótimos, a falta de conforto é compensada com esse tipo de atitude.
- Bom dia, estou me sentindo melhor, já posso ir embora? - questiono eufórica.
- Pra que a pressa? Não vai nem esperar Miguel que passou a noite aqui? O Dr. Rafael está examinando os pontos dele, acho que não será possível retirar por enquanto. Por isso acredito que ele não deve demorar. - a enfermeira baixinha afere minha pressão e mede minha temperatura.
- E por que Miguel não pode retirar os pontos? - sinto um desconforto no peito.
- Porque estão ligeiramente inflamados, será preciso tratá-los antes. Apesar da restrição clara do Dr. Rafael, Miguel fez esforço. Aliás, vocês devem ser amigos, não? - indaga curiosa. - Já que ele não saiu de perto da sua cama. Porém, Miguel ainda está convalescendo e não pode fazer extravagâncias, tipo dormir na cadeira dura do hospital, visse? - sua reprimenda soa de forma bem sutil, ainda assim alcança seu objetivo.
- Eu pedi para Miguel ir embora. - sinto uma onda de remorso sem precedentes me atingir. - Quero dizer, na segunda vez eu pedi.
- Miguel disse que não iria, acertei? - ela dá um sorrisinho de canto.
- Sim. - afirmo, sentindo-me extremamente culpada.
- Que tal vocês cuidarem um do outro a partir de agora? Assim fica tudo certo. - a enfermeira, que percebi pelo crachá se chamar Elaine, me dá uma piscadela de cumplicidade.
- Eu não posso cuidar de Miguel, logo vou embora. - minha voz soa totalmente esganiçada.
- Uma coisa de cada vez, gatinha. - Elaine sorri amorosamente, finalmente deixando-me sozinha.