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Duda sempre me dizia que para se achar, é preciso se perder. E, cá estou eu. Perdida? Creio que não, eu diria que encontrada. Em meio a essa areia branca tão fofinha e a imensidão de águas cristalinas, posso afirmar que me achei. Peço perdão pelo trocadilho, mas finalmente encontrei um porto seguro. Corrigindo, eu sou meu próprio porto. Não preciso de ninguém mais, não posso basear minha felicidade em outrem, isso só nos traz dor e decepção. Precisamos ser completos, para somente então, talvez, encontrar alguém que nos transborde. E Richard não me transbordou, pelo menos não de coisas boas.
Vejo agora, banhando meus pés nessas águas, que do nosso relacionamento só restara mágoa e desilusão. Se isso é ruim? De forma alguma, após muito refletir, cheguei a conclusão de que me sai bem. Afinal, quantas mulheres não se amarram para sempre a um homem que não é digno de seu amor? Com muito sofrimento e lágrimas, eu consegui me livrar. Nem todas tomam a decisão de cortar os laços.
Diante de todos esses acontecimentos, percebo que estou me sentindo um pouco melhor, tanto que até vou ligar para minha mãe e ouvir seus xingamentos. Acho que ela merece uma explicação, mas antes vou falar com Duda, sei que me dará sábios conselhos e ficará exultante por saber da minha excursão de última hora. Ela sempre me falava que uma pessoa só é absoluta e plenamente feliz se visitar Porto de Galinhas e Fernando de Noronha. Ou seja, estou a um passo da minha felicidade completa, quem sabe depois daqui eu não decida me aventurar novamente? Não tenho nada a perder, a não ser todas as minhas economias. Quase nenhum contra, certo?
Nesse meio tempo, o dia vai perdendo suas cores, enquanto o sol se põe no horizonte. O laranja se misturando ao azul do céu, refletindo paz e serenidade nessas águas cristalinas. Já a lua deve estar se preparando para tomar o seu lugar, logo mais reinará gloriosa nesse manto de estrelas. Será que estou preparada para admirá-la sozinha? Pois, se tem algo que me lembra Richard, sem dúvidas é admirar o luar. Entretanto, cá estou eu, só, vendo casais caminhando de mãos dadas pela areia da praia, ou apenas observando o horizonte mudar de cor, assim como eu. Esse lugar realmente deve ser mágico, porque mesmo estando sozinha, não me sinto solitária. Muito pelo contrário, nunca me senti melhor. A brisa leve que acaricia meu rosto, a areia branca e macia, o barulho das ondas quebrando contra à praia. Tudo isso me conforta de um jeito, sem dúvidas fiz a escolha certa vindo para Ipojuca. De fato eu chutei o balde e, dessa vez, não tenho a mínima intenção de ir buscá-lo.
Deixando minhas conjecturas para lá, finalmente reúno coragem e procuro meu celular. Ué, cadê? Será que deixei em casa? Reviro toda a bolsa na esperança de localizar o aparelho, nada. Suspiro resignada e me levanto, só pode ter ficado na casa. Devo ter esquecido quando retornei das compras e resolvi sair. Contudo, quando estou fazendo o caminho de volta, lá estão aqueles olhos cor de mel me fitando. Hesito um pouco antes de continuar, percebendo que ele me encara um tanto quanto receoso.
Estou sendo seguida? Encontrei um stalker?
- Boa noite. - ouço novamente sua voz rouca.
Eu estaco, como uma árvore recém-plantada.
- Está me seguindo? - essa não era bem a resposta que eu tinha em mente.
Deixa pra lá.
O estranho dos olhos bonitos abre um sorriso encabulado e coça a nuca, parece um bocado constrangido.
- Não, mas você esqueceu o celular na loja hoje. Achei que poderia ficar preocupada se não o encontrasse. - suas palavras saem em um tom levemente irônico.
Percebo o quanto sou uma completa babaca ao notar o aparelho em sua mão direita.
- Err. - pigarreio antes de continuar. - Me desculpe e obrigada. - sou objetiva, como devo ser.
- Não foi nada. - dessa vez seu timbre não demonstra mais tanta amabilidade.
- Posso saber como me achou? - gostaria de consertar a burrada que cometi, porém, acredito que seja tarde demais.
Tenho uma leve impressão de que até piorei um pouquinho a situação.
- Aqui é fácil encontrar as pessoas, fui até sua casa para entregar e não te achei. Sua vizinha me informou que você veio em direção à praia. - explica, já fazendo menção de ir embora.
E, não sei bem, sinto-me um pouco incomodada nesse momento. Talvez porque ele não está agindo tão amavelmente comigo agora.
- Certo, desculpe o incômodo. - finalizo, o estranho acena e vejo seus passos apressados pela areia fofa. - Posso saber seu nome? - escapa repentinamente e mordo a língua propositalmente para tentar contê-la.
- Miguel. - então o desconhecido mais bonito que já vi vai embora em passos ágeis.
Balanço a cabeça para afastar os pensamentos incoerentes e decido ligar para minha amiga. Com certeza ela deve estar morta de preocupação, tendo de conter os excessos da minha família e de Richard. Duda merece uma explicação plausível.
(...)
No caminho de casa, já bem tarde da noite, uma mulher que julgo ser minha vizinha, me aborda um tanto curiosa.
- Boa noite, vizinha. - ela sorri abertamente.
- Boa noite. - devolvo na mesma intensidade.
- Miguel conseguiu te achar? Vi ele batendo na sua porta, só que você já tinha saído. - pergunta curiosa. - Ah, eu me chamo Patrícia, mas pode me chamar de Pati, visse?
- Eu sou a Daniele e pode me chamar de Dani. - sorrio novamente, percebendo que Patrícia parece ser daquelas pessoas que te conquistam com facilidade.
- Que massa você ter vindo pra cá. Espero que goste de Ipojuca, temos aqui algumas pessoas bem sociáveis e que adoram fazer amizades. - ela graceja. - Há quem eu quero enganar? Estou falando de mim mesma!
Solto uma gargalhada espontânea e baixo a guarda ainda mais.
- Eu já estou amando, sem dúvidas não poderia escolher um lugar melhor para passar as férias. - nesse instante Patrícia acena para mim e eu me sento nas escadas de sua casa.
- Você é de São Paulo, chutei certo? - questiona mais como uma afirmação.
- Tá tão na cara assim? - faço um bico cômico.
- Seu jeito de falar. - ela devolve, rindo.
Acho graça e vejo Patrícia correr para dentro e retornar com duas long necks. E, apesar de eu não beber nada com teor alcoólico, decido aceitar por educação. Até porque realmente preciso de companhia para não pensar bobagens.
- Obrigada. - agradeço, dando um gole na bebida gelada que me refresca por dentro, aliviando o calor da noite.
- Oxente, precisa agradecer não. Eu estava tão solitária hoje, você caiu do céu menina. - ela sorri amigavelmente. - Mas, me conta, então já conheceu o bonitão do Miguel?
- O que? - me faço de desentendida.
- Ele é o solteirão mais cobiçado da região, é responsável, amável, educado e têm mais um bocado de qualidades. Todas as solteiras da região dariam qualquer coisa por apenas uma noite com ele. - Patrícia dá uma risadinha afetada. - Aliás, não só as solteiras. - se corrige em um tom sugestivo.
- Ah, não. - contesto. - Apenas esqueci o celular na loja dele mais cedo. Esse Miguel só foi gentil em me devolver. - tento desconversar, só que no fundo estou bem curiosa para saber mais sobre o assunto.
- Apois, viu. É a cara do Miguel fazer esse tipo de coisa mesmo. De qualquer forma, se tiver a oportunidade, não perca. Um homem daqueles não se acha em toda esquina. - ela me lança uma piscadela travessa e eu devolvo sentindo minhas bochechas queimarem.
- Que isso, não vim pra cá à procura de relacionamentos, só estou de passagem. Não seria justo me envolver com ninguém. - explico, sentindo a bebida subir um pouco. - Aliás, ele tem uma filha, né? Não é casado? - tento não demonstrar minha curiosidade crescente, falhado miseravelmente.
Tanto que Pati me olha de soslaio e começa a contar tudo sobre o famoso Miguel:
- ...Por isso todos cuidamos deles de um jeito ou de outro, visse? - finaliza, suspirando alto.
- Então a mulher dele abandonou os dois e sumiu? - minha voz sobe duas oitavas pela surpresa. - Como alguém faz algo assim?
- Há quem diga que Gabriele teve depressão pós-parto, por isso largou a filha recém-nascida e o marido. Ninguém nunca mais soube dela e nem temos a versão exata da história, não tocamos no assunto por consideração a Mel e Miguel. - explana em um tom de voz muito baixo.
- Meu Deus! - exclamo, arregalando levemente os olhos. - Miguel criou a filha sozinho?
Meu coração trinca ao descobrir mais sobre ele e a filha.
- Criou sim e, desde então, nunca mais se envolveu com ninguém. É o que dizem. - Pati continua me contando sobre a vida deles, enquanto eu passo a me considerar uma fofoqueira de primeira.
Qual é, não tem mal algum em ouvir uma fofoquinha de vez em quando. Não sairei espalhando o que eu soube para ninguém, além do mais, logo irei embora e nunca mais os verei.
(...)
Naquela noite, entretanto, após me deitar para dormir. Tranquila por ter esclarecido tudo o que aconteceu à minha mãe, ainda mais relaxada por ter conversado com minha melhor amiga. Sinto-me um tanto angustiada, imaginando o que o tal de Miguel deve ter passado, será que ele sofreu? Obvio que sim. E a menininha? Sente falta da mãe? Enfim! Coloco o travesseiro sobre a cabeça, tentando conter esses pensamentos estranhos que nada têm a ver com minha vida e procuro dormir novamente.
Sem sucesso.
Só consigo pensar na história de Miguel e da filha, onde será que a mãe dela se meteu? Será que Miguel ainda a ama?
Argh, para de pensar nisso! Desde quando é da sua conta se aquele estranho ama ou deixa de amar alguém? Murmuro para meu próprio reflexo no espelho, visto que decidi levantar e espairecer um pouco, ficar rolando na cama não me ajudaria em nada.
(...)
Quando acordo pela manhã, meu corpo está todo dolorido, como era de se imaginar, por ter pegado no sono na cadeira de balanço.
Droga!
Acho que estou ficando velha, antigamente eu poderia dormir até no chão duro que nem sentia. De qualquer forma, após tomar uma vitamina de frutas, decido conhecer a cidade. Aqui é maravilhosamente bonito, mas ainda nem vi nada a fundo. Acho que mereço visitar os pontos turísticos, conhecer pessoas, essas coisas agradáveis que fazemos em viagens. E, quando estou calçando a rasteirinha de madeira que ganhei de Eduarda, ouço alguém bater à porta e vou até lá abri-la.
- Bom dia, Pati. - cumprimento minha vizinha, demonstrando educação e simpatia.
- Bom dia, amiga. Vim saber se não quer conhecer a cidade, sei que é meio chato fazer essas coisas sozinha. Então, se aceitar minha companhia... - ela sorri grande e seu sotaque soa uma delícia aos meus ouvidos.
- Você leu minha mente! - asseguro, ainda mais animada para o passeio.
Alguns segundos mais e estamos caminhando pela cidade. Patrícia segue contando-me sobre tudo e todos, realmente ela demonstra ser uma ótima guia turística. Em contrapartida, não posso mentir, não prestei atenção em quase nada do que ouvi. Por esse motivo, não tenho capacidade alguma de reproduzir qualquer coisa além do que vejo. E o que atraiu minha atenção fortemente foi um homem extremamente charmoso, sorrindo abertamente. Enquanto ensina a filha a andar de bicicleta, sem pressão, como todos os pais deviam fazer.
Distraída e ainda observando a cena se desenrolar em minha frente, sem querer tropeço em uma pedrinha. Pati precisa me segurar para eu não me esborrachar no chão. Porém, não sei bem se foi a menção da minha queda, ou aquele típico "ui" que falamos quando vamos cair. O importante é que uma das duas coisas fez com que Miguel finalmente nos notasse. Não sei exatamente porque, mas tudo isso me cheira a romance do Nicholas Sparks, sei que é loucura da minha cabeça. Todavia, a cena a seguir, sem dúvidas, me remeteu a um livro do autor que eu gosto muito. Deixo para a imaginação de vocês qual.
- Dani! - a garotinha larga a bicicleta de um jeito desajeitado e corre em nossa direção.
Já o pai, vendo a euforia da filha, tenta contê-la em vão.
- Oi, Melanie. Tudo bem? - me abaixo para recebê-la em meus braços, meio constrangida, meio lisonjeada pela demonstração de afeto pública.
O que podemos fazer? Crianças são assim. Espontâneas.
- Eu tô bem. - Melanie sorri adoravelmente. - Oi Pati! - e dá um beijo molhado em minha vizinha também.
Percebo que Miguel permanece nos espiando de rabo de olho, não parecendo tão confortável com a nossa aproximação. De mais a mais, acho que não vê escolha a não ser nos cumprimentar também. Não obstante, em seguida tudo acontece muito rápido, Melanie começa a falar sem parar que eu lembro muito sua tia, além de ter o mesmo nome. Logo engata outro assunto sobre suas comidas favoritas, a seguir menciona que está aprendendo a andar de bike e por aí vai. Realmente ela é uma criança bastante agitada e extrovertida, não precisou fazer esforço nenhum para ganhar meu coração. Até que, quando menos espero, vem a bomba:
- Lembrei que preciso resolver um assunto, te encontro depois, Dani. - Pati argumenta apressada, sem nem me dar tempo de contestar. - Até mais Miguel, tchau Mel. - completa, acenando frenéticamente com a mão direita e se vai, sem sequer olhar para trás.
Daí em diante é só ladeira abaixo, aliás, nem sei onde enfiar a cara. Estou novamente sozinha com o estranho - agora nem tão estranho assim. De todo modo, Miguel me encara de um jeito confuso, como se quisesse retirar a filha dali e se afastar de mim o quanto antes.
- Bom, também temos que ir, não é, Mel? - finalmente o silêncio existente entre nós é quebrado, já que a garota estava entretida com um amiguinho que acabara de chegar.
- Tchau, Bruno! - Melanie se despede do coleguinha e sua atenção se volta para nós. - Paizinho, que tal a Dani almoçar com a gente? - a garotinha propõe, totalmente animada com a possibilidade.
Já eu fico muda, como se realmente um gato tivesse comido minha língua.
- Acho que ela tem coisas mais interessantes para fazer. - Miguel tenta se esquivar sem dar uma negativa clara.
E eu? Por que não abro minha boca? O que há de errado comigo?
- Tenho certeza que a Dani vai gostar, vamos Dani, por favorzinho? - a voz doce da Melanie fica ainda mais manhosa e ela une as duas mãos em forma de prece. - A gente já é amiga. - argumenta naquela total simplicidade de criança.
- Hã, na realidade não tenho nada para fazer. Patrícia estava me mostrando os lugares legais, mas ela fugiu do nada. - finalmente consigo pronunciar algumas palavras, balançando discretamente os ombros, como que para afastar minha timidez exacerbada.
Mesmo assim continuo sem entender para que fui concordar com esse bendito almoço.
- Que massa! - Mel sai saltitando até a bicicleta, deixando Miguel e eu parados e mudos, feito dois bocós.
- Essa menina... - ele resmunga consigo mesmo, passando a mão direita pelos cabelos de forma exasperada, eu só acho graça de seu desespero -, não precisa ir se não quiser, Mel é muito carismática e expansiva. Não consigo controlar os rompantes dela. - Miguel tenta se justificar e, por um momento, tudo o que consigo fazer é sorrir feito uma idiota deslumbrada.
O jeito que Miguel trata a filha, o cuidado e o afeto visível é de se admirar.
O que me deixa totalmente derretida.
- Tudo bem, se eu não for incomodar, ficarei feliz em ir. - tento não soar tão empolgada, mas também não tão pouco empolgada a ponto de parecer obrigada a ir.
Enfim, vocês entenderam, não é?
- Certo. - Miguel coça novamente a nuca, parecendo deslocado.
O que eu acho extremamente fofo, ele demonstra ser aqueles adolescentes sem tanto tato com mulher. Contudo, algo me diz que é só disfarce, esse olhar misterioso com certeza deve esconder um homem que poderia conquistar qualquer uma, se realmente quisesse.
Como ainda está um pouco cedo para o almoço, minha guia turística anterior foi substituída por Miguel e Mel. Porém, preciso confessar, eu até gostei dessa troca. Enquanto isso, Mel permanece sendo o centro das atenções, contando-me sobre as pessoas e os lugares. O pai, por sua vez, abre um sorriso singelo sempre que ela diz algo superior à idade, da para notar que ele sente extremo orgulho da filha. Já eu, por outro lado, não consigo deixar de reparar na bendita covinha em sua bochecha direita, que coisa mais charmosa!
- E você, Daniele. O que te trouxe a Ipojuca? - sua voz grave e seu sotaque acolhedor me traz de volta à realidade.
Demoro alguns segundos para formular uma resposta digna, notando que os olhos de Miguel estão fixos em mim. Isso me causa um certo desconforto, uma sensação estranha de vulnerabilidade, sei lá.
- Bem, eu precisava espairecer e esse lugar meio que me chamou. - explico sem muitos detalhes.
Afinal, detalhes sobre minha vida é tudo o que eu não quero oferecer a ninguém nessa viagem.
- Entendo. - é só o que ouço de Miguel.
Sem nem prolongar o assunto, ou cavar um pouco mais, uma resposta curta e objetiva. Fria. Como se tivesse sido obrigado a interagir comigo e perguntar sobre mim, agradecendo mentalmente quando eu não ofereci muito a meu respeito.
Em seguida, Mel se junta a nós novamente, ela não consegue dar três passos sem parar para falar com os amigos ou os moradores da região. Além disso, mais tagarelou do que me guiou propriamente em algo. Só que eu já gostei dessa garotinha de bate pronto.
- Acho que está na hora de voltarmos, né mocinha. - Miguel chama a atenção da filha, que, mais uma vez, está conversando com outro garotinho sorridente.
- Ué paizinho. A Dani ainda nem viu tudo da cidade! - Mel retruca cruzando os braços em sinal de protesto.
- E você mais conversa do que mostra para ela os lugares bonitos daqui. - Miguel a repreende em tom de brincadeira, observando cuidadosamente, enquanto a filha guia a bicicleta infantil com suas mãos pequenas.
- Por mim tudo bem, eu posso voltar com a Patrícia depois. - procuro ser educada, percebendo o notório embaraço de Miguel, por ter de tolerar minha companhia.
Nós mal trocamos palavras no percurso todo, parecemos até dois bichos do mato. Contudo, vez ou outra noto Miguel me espiando de esguelha, quando viro o rosto, ele desvia o olhar. Será que estamos no primário novamente?
- Papai pode te levar para conhecer vários lugares! - Mel corre para Miguel, abandonando a bicicleta, e eu fico mais vermelha do que é socialmente aceitável.
Essa garotinha está me colocando em maus lençóis.
- Não precisa, Mel. Seu pai deve ter diversas obrigações. - me esquivo, evitando olhá-lo nos olhos.
- Meu paizinho não faz nada além de cuidar de mim, acho que ele precisa sair de vez em quando. E você é muito bonita. - ela me encara de um jeito travesso e eu arregalo os olhos em resposta.
- Melanie! - Miguel a chama com um tom mais severo. - Você está sendo inconveniente, quantas vezes já te falei sobre isso?
- Me desculpe, paizinho. Só vi o quanto o senhor ficou feliz ontem, porque a Dani tinha esquecido o celular... - agora foi a vez de Miguel ficar nitidamente encabulado, tanto que interrompe a filha antes que conclua a frase.
- Precisamos ir, Daniele. Desculpe minha filha tagarela. - e muda de assunto, agradeço mentalmente por isso.
- Ela vai almoçar com a gente, paizinho. - Mel contesta veementemente e eu acabo rindo, achando graça da simplicidade e insistência dela.
- É verdade... - Miguel dá um tapa leve na própria testa e tenciona ligeiramente o queixo. - Então vamos, eu conheço um restaurante muito bom aqui perto.
Eu apenas faço que sim com a cabeça, sem conseguir evitar o sorriso bobo que brota em meus lábios por toda a cena que se desenrolou. Ele realmente ficou feliz por eu ter esquecido o celular? Ou seria só a Mel dizendo coisas sem sentido? Enfim, que diferença isso faz, não é? Miguel não demonstra um pingo de alegria em ter que lidar comigo. Pare de pensar bobagens, Daniele. Você os conheceu ontem, ontem! Bom, de todo modo, algo é certo, Miguel está visivelmente desconcertado pelo que a filha me disse. Tendo ficado feliz ou não com a minha presença, essa certeza ao menos eu tenho.
Que seja, é somente um almoço com um estranho que tem uma filha adorável, nada mais. Meu foco não é esse e, pelo que ouvi de Patrícia ontem, o de Miguel também não é.
Melhor assim, todo esse arranjo fica menos assustador se eu pensar por esse lado.