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- O jantar está servido. - Lúcia anuncia, acomodando-se ao lado de Bernardo.
- Eu tô morrendo de fome, tia! - Mel retruca, alisando a barriga, fazendo todos rirem.
- Mais menino, você não alimenta essa criança, Miguel? - Patrícia intervém, com seu típico tom extrovertido.
- Oxente, alimento e muito, não tenho culpa se ela é uma draguinha. - Miguel contrapõe rindo.
Enquanto vejo-os discutir descontraídamente na sala de estar de Bernardo, eu reflito. Tem um tempo considerável que estou em Porto e, nesse período, tenho me aproximado cada vez mais de Miguel, Melanie, Patrícia e, agora, de Lúcia e Bernardo. Tanto que já os considero meus amigos.
Mas, voltando ao momento, a casa deles é bem mais ampla do que a de Miguel, percebi, pois vim aqui algumas vezes almoçar com Lúcia e Patrícia, além disso, também é relativamente mais clara. Acho que devido as cores da decoração, predominantemente em tons de branco e bege. Contudo, me sinto bem mais confortável na casa de Miguel, acredito que seja por ter passado vários dias lá, cuidando da Mel. Por falar nesse assunto, Miguel está melhor, fazendo pequenas caminhadas, subindo as escadas com mais facilidade e tomando menos comprimidos para dor. Inclusive, amanhã mesmo Miguel irá retirar os pontos, agora é só continuar com a restrição do esforço físico em demasia e logo ele estará novinho em folha. Palavras do próprio.
- O que houve, Dani. Você parece distraída. - por falar no diabo, quero dizer, em Miguel.
- Não foi nada, só me dei conta de que já faz algum tempo que estou aqui. - respondo sendo parcialmente sincera.
- Passa rápido, realmente. Ainda tem estoque? - ele brinca, se referindo ao que eu disse em sua casa, no dia em que comemos bolo juntos.
- Acho que sim. - Miguel sorri.
- Fico feliz em saber. - eu assinto.
De modo que todos nos acomodamos na mesa de seis cadeiras do casal e começamos a nos servir. Por sinal, a comida está com uma cara ótima e o cheiro então, nem se fala. O que dizer, não é? Cozinheiros são outro nível. Consequentemente, faço o possível para provar um pouco de tudo, da carne seca ao bolo com goiabada que Lúcia fez.
A seguir, quando já "limpamos os pratos", bate aquela preguiça básica. A conversa fica mais arrastada e mole, juntamente com o nosso corpo.
- Acho que comi muito. - confesso, arrancando murmúrios de concordância dos demais.
- Estava tudo uma delícia, tia Lú. - Mel, como sempre, cativa a todos com sua doçura.
- Vou passar café, alguém quer? Tirando Miguel, que tomou toda a garrafa da última vez que esteve aqui. - Bernardo brinca.
- Calúnia. - Miguel faz cara de inocente.
Já no final da noite, nos aconchegamos na sala, jogamos conversa fora e damos risada das criancices da Mel. Até que Patrícia se despede, alegando que tem um encontro com um homem misterioso. Sendo assim, ficamos somente os cinco.
- Mel está ficando com sono, acho melhor eu ir também. - Miguel reflete após o café, vendo que a cria dele está quase adormecida em seu colo.
- Tudo bem, eu vou tirar o carro e levo vocês. - Bernardo se dispõe e segue em direção à garagem.
- Bom, vou ir ao banheiro enquanto isso, licença. - peço e saio da sala.
Aproveito e me olho no espelho para garantir que ainda estou apresentável. Aqui em Porto eu tenho maneirado na maquiagem, devido ao calor, parece que derrete tudo, ninguém merece. Todavia, uma make simples cai bem de vez quando, tipo hoje.
Alguns minutos mais, já estou retornando, porém ouço vozes e decido não interromper o diálogo. Contudo, também não me afasto, desse jeito, acabo conseguindo discernir o que dizem:
- Agora me conta Miguelito. O que tá rolando entre você e a Dani? - Lúcia pergunta à queima roupa.
- Não tá rolando nada, Lú. Dani é só uma amiga recente e muito querida, nada mais do que isso. - a voz dele não soa muito convincente.
- Apois viu? Eu percebi o jeito que você olhou pra ela essa noite, com um misto de curiosidade e desejo, visse? - Lúcia cutuca.
- Nossa, Lú. Até você? Já não basta Bernardo. Não tá rolando nada entre nós dois, nem poderia rolar. Dani é uma ótima pessoa, além de ser muito bonita e extrovertida. Mas a vida dela não é aqui e eu não pretendo me envolver com ninguém. - Miguel se defende, um bocado arisco.
- Arrã. - ela faz uma pausa dramática. - Eu te conheço, Miguel. Você está dizendo isso consecutivamente para si mesmo, buscando acreditar em suas próprias palavras, acertei? - Lúcia insiste e eu já sinto minhas mãos suarem, tamanha vontade de pular pela janela.
Que assunto sem pé nem cabeça é esse?
- Lú, você me conhece melhor do que qualquer outra pessoa, por isso mesmo deve saber como me sinto em relação a minha vida pessoal. Por favor, não insista mais nesse assunto, tá? - dessa vez o tom usado por Miguel é um tanto áspero e cortante, mas ao mesmo tempo carregado de mágoa.
Realmente, as feridas causadas pelo amor não são tão fáceis de cicatrizar. E, por um momento, eu entendo a dor de Miguel. Realmente compreendo como ele deve se sentir. Será que eu serei assim? Uma solteirona convicta, eternamente apaixonada por alguém que não merece meu coração? Pior, nem ao menos tenho um filho para me consolar.
Faço o máximo de barulho que consigo, indicando propositalmente que estou me aproximando e recebo um olhar frio de Miguel em resposta.
- Vamos? - ele disfarça e abre um sorriso notoriamente forçado.
- Boa noite, Lúcia. Obrigada pelo jantar, estava divino. - me despeço, fingindo que não ouvi nada.
- Boa noite, querida. Espero que fique bastante tempo com a gente. - ela me abraça e eu tenho a impressão de que Lúcia gostaria de dizer algo mais.
No entanto, só fico com a sensação mesmo. Pois logo Bernardo nos leva embora.
(...)
No dia posterior, seguida de uma noite péssima de sono, graças a um pesadelo no qual Richard me encontrava e eu reatava com ele. Acordo um tanto indisposta e resolvo não sair pela manhã, o que é totalmente estranho, visto que nos últimos dias eu "turistei" sem parar. Finalmente criei coragem de ir até às rochas, não sozinha, claro. Patrícia me acompanhou, mas eu caminhei por elas sem ajuda. O que para mim, foi uma vitória.
Além disso, marquei de ir no Píer mais tarde, junto com minha dupla sertaneja favorita aqui de Porto: Mel e Miguel. Ah, preciso dizer, estou até pegando um bronzeado mais uniforme, não tanto quanto os moradores daqui, óbvio. Porém, dá para o gasto.
Consequentemente, após muito enrolar na cama, finalmente decido levantar. Apesar da minha indisposição, o sol deve estar gritando por mim lá fora e eu já estou sentindo seus efeitos. A cama parece borbulhar, juntamente com minha pele que está fervendo hoje.
Estico a cortina, para evitar que o feixe de claridade solar me atinja, pois estou me sentindo o próprio Drácula e respiro fundo.
Nesta manhã, Patrícia não veio me acordar, o que estranhei um pouco, acredito que ela deva estar com o cara do encontro.
Ela é solteira, afinal.
Tão melhor, desse modo, poderei enrolar aqui, sem ouvi-la reclamar que estou jogando minha juventude fora. Só por estar com preguiça em um dia lindo de calor.
E, com muito custo, consigo colocar uma vitamina de banana no estômago. Indo buscar a correspondência, que equivale à conta do aluguel. Entretanto, quando eu abro, a surpresa. O valor da cobrança veio relativamente abaixo do acordado, tanto que preciso esfregar os olhos e olhar novamente. Parece que houve um considerável desconto, por eu não estar presente aqui todos os dias da minha estadia.
Ué, certo que estive no Miguel por um bom tempo, mas a proprietária não poderia saber dessa informação, poderia? E por que diacho ela faria essa gentileza à uma inquilina que nem conhece? Devo questioná-la?
Que seja, qualquer atitude minha não será tomada por hora, porque meu corpo pede cama. Será que estou ficando doente?
(...)
Alguém bate à porta, estou ouvindo ao longe o som do toc toc. Quem está me chamando e por que meu corpo não obedece aos meus comandos?
- Dani? - uma voz masculina me chama, quase grita, ele parece preocupado.
Eu não quero levantar, ou melhor, não sou capaz disso. Meu corpo não reage ao que meu cérebro ordena. Tudo dói, da ponta do nariz ao dedão do pé. Meus olhos ardem, não consigo abri-los. O que está acontecendo?
- Daniele, está aí? Eu vou entrar.
O que? Vão roubar minha casa, alguém me ajude! Minha voz não sai, o grito fica entalado na garganta.
Eu mergulho na escuridão.