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Já no hotel, a primeira coisa que faço é olhar a imagem destruída que reflete do espelho. Como cheguei a esse estado? Essa é a pergunta que vale um milhão de dólares para mim. Do fundo do meu coração, gostaria de ter evitado tudo isso, eu poderia ter evitado. Daniele Rodrigues - detesto falar sobre mim em terceira pessoa, fique registrado - deveria ter acabado com esse noivado fracassado antes de causar todo esse transtorno. Contudo, eu não consegui, não posso me culpar por isso.
Richard não é homem de desistir fácil, ele insistiria em nós até eu ceder. Conheço-o bem o suficiente para ter ao menos essa certeza. Se, bem que, jamais imaginaria que meu noivo me trairia, ou seja, nunca se sabe.
O importante mesmo é que aqui estou, pensando para onde irei, não pretendo ficar em São Paulo. Mas, não faço a mínima ideia do meu destino. Por esse motivo, após tomar um banho, limpar a maquiagem à prova d'água e desmanchar todos os cachos perfeitos que a cabeleireira fez em mim.
Finalmente ligo o 4G do celular, ignorando as dezenas de mensagens do whatsapp e começo a pesquisar lugares para viajar. Acho que vou optar por calor, não estou no clima de curtir um friozinho maroto. O inverno nos deixa vulneráveis e carentes, é o que penso, nós sempre queremos um chocolate quente, lareira. E, de preferência, um ótimo cobertor de orelha para nos aquecer à noite. Portanto, melhor eu me acabar em alguma praia paradisíaca, ninguém repara em pessoas solitárias quando se está em um ambiente assim. Tendo isso em mente, poderei me camuflar na multidão e curtir minha fossa sozinha, sem quaisquer questionamentos sobre minha vida.
Algumas horas mais, quando já estou com tudo organizado para seguir meu caminho, resolvo ler algumas mensagens e quem sabe conversar com minha melhor amiga, Eduarda.
Duda está comigo desde que me entendo por gente, somos amigas de infância, eu tenho certeza de que ela jamais me julgará, mesmo que eu tenha escondido os motivos dessa minha decisão até agora. Já o restante dos meus familiares, sabe-se lá o que estão pensando sobre mim. Richard é tão cativante, todos caem de amores por ele quase que instantaneamente. Por esse motivo, a vilã, a bruxa má de toda essa história, muito provavelmente serei eu. Melhor aceitar desde já, de qualquer forma, não devo nada a ninguém.
"Amigaaaa, me fala aonde se enfiou, você não me contou nada. O que aconteceu pelo amor de Deus, estou preocupada!"
Mensagem recebida da Duda às 14h30min.
"Amorzinho, aonde você se meteu? Estou ficando nervoso já, não me diga que desistiu de nós?"
Recado de Richard na caixa postal às 14h25min.
"Dani, eu te amo, mas se você me deixar plantado no altar eu jamais te perdoarei!"
Caixa postal 14h45min.
O restante das mensagens e recados, apenas ignorei, não tenho forças para ouvir a voz de Richard nem mais um segundo. Eu só quero sumir.
(...)
Dois dias depois, já chegando em Ipojuca, meu destino escolhido, após uma noite de sono regada a calmante para dormir. Sinto-me até que disposta. Pelo menos disposta a deixar tudo para trás.
Sim, vendo essa paisagem paradisíaca só posso pensar em recomeçar e é isso o que farei. Decidi vir para Ipojuca, pois é um lugar que ainda não visitei e, também, porque nunca viajei sozinha para o litoral. Minhas viagens solitárias sempre foram no máximo a trabalho, mas, na maioria das vezes, eu tinha uma equipe junto comigo. Pois é, sempre fui dependente dos outros para tudo, nunca confiei em mim mesma para sair da minha zona de conforto. E, cá entre nós, sair da zona de conforto é essencial às vezes. Principalmente quando você se sente completamente arrasada e oca por dentro. Ou, mais precisamente, como um brinquedo sem utilidade alguma. Entretanto, essa condição não se estenderá por muito tempo, sei que tenho força suficiente para superar tudo isso e eu vou superar, ah se vou. Após tanto tempo nadando, me debatendo no mar em busca de solo seguro, preferi buscar uma maré mais favorável. E cá estou, acho que encontrei.
Decido ir em um mercadinho próximo à pousada na qual estou hospedada, para comprar algumas coisinhas comestíveis e itens de higiene pessoal. Afinal, eu trouxe praticamente nada para essa viagem.
Eu deixei toda minha bagagem em São Paulo, aqui serei somente Daniele, uma turista qualquer e, no meio de tanto calor humano, acho que passarei totalmente despercebida. Quero dizer, nem tanto.
- Oi. - uma criança fofíssima para diante de mim.
- Olá. - sorrio grande pra ela, demonstrando toda minha capacidade de ser feliz.
- Em que posso ajudar? - a menina insisti e eu uno às sobrancelhas em resposta.
- Você está sozinha? - exijo saber, notando a pequinês da minha atendente.
- Não, meu pai está logo ali. - a garotinha aponta o dedo fino para as janelas de vidro do local.
E, de cara, avisto um homem alto, de cabelos num tom de cinza escuro, vestindo uma camiseta meio praiana e uma bermuda no mesmo estilo. Quando o pai da garota nota que estamos falando dele, nossos olhares se cruzam por um breve instante e eu desvio o olhar rapidamente.
- Certo, então você pode me ajudar. - tento ser mais rápida, para não dar de cara com o estranho dos olhos aparentemente cor de mel.
- Tudo bem, moça. - ela aceita, ostentando um sorrisinho sem dentes.
A garotinha segue andando atrás de mim, esperando que eu escolha o que preciso, até que me dou conta.
- Você não me disse seu nome. - indago, enquanto coloco o combo shampoo e condicionador na minha cestinha de braço.
- Eu me chamo Melanie. - ela sorri travessa, finalmente mostrando uma janelinha nos dentes de cima.
Que fofa!
- Lindo nome, Melanie. Eu me chamo Daniele. - retribuo com um sorriso cândido, vendo-a estreitar os olhos.
- Que massa, pera aí. - pede, indo em direção ao pai.
Alguns segundos a mais, Melanie retorna com ele a tiracolo, já eu fico sem saber o que dizer. De perto o desconhecido parece ainda mais atraente, tipo aqueles homens rústicos, sem muitas frescuras, mas naturalmente charmosos? Pois é, alto, olhos acolhedores e amorosos, cabelo um tanto desalinhado, sem parecer desleixado, pele bronzeada e barba por fazer. Linda combinação, devo admitir. E o que tenho a ver com isso, não é mesmo? Não preciso analisar os traços físicos do dono do comércio. Repreendo-me em pensamento.
- Olha paizinho, ela tem o mesmo nome da tia Daniele.
Nossos olhares se encontram novamente e eu tenho o ímpeto de finalizar o contato e sair logo do local. Não antes de confirmar que seus olhos são realmente cor de mel, ou seriam castanhos? Foco Daniele, foco!
- Ah, você já fez outra amizade? - e ele sorri, demonstrando uma única covinha aparente na bochecha.
Sua voz é grave e levemente rouca, além disso, a forma como proferiu a frase, com um leve sotaque característico da região, fez-me ansiar por ouvi-lo novamente. Mas eu afasto tal pensamento com um coice mental.
- Eu passei para comprar algumas coisas, não quero atrapalhar. - a minha, por sinal, soa mais esganiçada do que eu gostaria e me amaldiçoo mentalmente por isso.
Nesse meio tempo o belo estranho continua me olhando fixa e intensamente. E, por um efêmero momento, sinto como se ele conseguisse me enxergar por dentro. Observando cada pedacinho quebrado de mim, por esse motivo, tenho certeza de que preciso sair desse mercado o quanto antes. Não sei bem o porquê; aliás, nem tenho de saber. Pois, todas as minhas defesas foram ativadas, gritando alto e bom som para eu me afastar desse estranho o mais rápido possível.
O que importa mesmo é que eu as ouvirei.