Teus Pedaços
img img Teus Pedaços img Capítulo 5 Primeiros dias
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Capítulo 11 Recomeço img
Capítulo 12 Complicações img
Capítulo 13 Drax img
Capítulo 14 Game day img
Capítulo 15 Apostas img
Capítulo 16 Win img
Capítulo 17 Instável img
Capítulo 18 Tiff img
Capítulo 19 Segredos img
Capítulo 20 Más decisões img
Capítulo 21 Expectativas img
Capítulo 22 Day after img
Capítulo 23 Hotel California img
Capítulo 24 Home img
Capítulo 25 Rome img
Capítulo 26 Covarde img
Capítulo 27 Mão esquerda img
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Capítulo 5 Primeiros dias

Natasha

Meu final de semana passou rápido, apesar de tudo.

Muito também graças ao fato de eu ter ficado reclusa dentro da minha bat-caverna (sim, eu coloquei um apelido no meu quarto), focada em desenvolver meu jogo. Eu sei que deveria ocupar meu tempo com algo produtivo e desenvolver estratégias para me aproximar de Enrico e apresentar meu trabalho para ele, agora que estamos tão próximos, pelo menos em tese, mas eu não quero ser como minha mãe que arma joguinhos para controlar as pessoas. Acredito que eu terei meu trabalho reconhecido no momento oportuno.

Além disso, o clima da casa já está pesado o suficiente e eu precisei de uma fuga. Pelo que eu ouvi dos empregados, que continuam me ignorando mas pelo menos me alimentam, é que Enrico não está falando com Santiago e não aparece em casa desde toda a confusão. Minha mãe está subindo pelas paredes com medo de seu plano ser um fracasso enquanto Catalina age como se estivesse um rei na barriga (acho que ela realmente tem, levando em conta toda a situação) e passa o dia inteiro dormindo ou na piscina.

Eu preferi me refugiar e me manter fora de toda essa confusão, permanecendo no meu quarto o máximo de tempo possível, afinal, quem não é visto não é lembrado. Quando não estava dormindo ou trabalhando no meu jogo, conversei com Tiff sobre a loucura que estava acontecendo em minha vida, o que sempre é ótimo. Pulei o máximo de refeições possíveis, não que alguém tenha notado isso, além de Santiago quando estava em casa, e, agora que aprendi o caminho da cozinha, passei a fazer minhas refeições em horários alternativos, para não morrer de fome. Algo do tipo, café da manhã as duas da madrugada, o que me resultou em uma das interações mais loucas com Sebastian, o irmão mistério.

Sério, ele me acusou de fazer filmes pornô!

Quem em sã consciência fala uma coisa dessas sem nem conhecer a pessoa?

Não que eu tenha me ofendido, afinal, sou a favor de que todos sejam livres para fazer o que quiserem da sua vida e do seu corpo, mas se eu fizesse vídeos caseiros, não escolheria a cozinha comum de uma casa que nem é minha.

Mas o estranho da conversa não foi isso. Por um momento eu pensei que estávamos entrando em uma relação onde respeitássemos e coexistíssemos, mas então olhei no fundo dos seus olhos e vi lá no fundo algo que vejo todos os dias quando me olho no espelho. Um sentimento de vazio, como se sua alma e seu coração estivesse em pedaços. Mas bastou uma pergunta para ele voltar a ser um babaca de antes e deixar bem claro que o que quer que eu tenha achado que vi nele que o aproximava de mim estava errado, e ele é só mais um babaca arrogante.

Tiff: Pronta para o primeiro dia?

Vejo a mensagem de Tiff assim que pegou o meu celular, e então minha mente volta para o meu problema atual.

Eu odeio mudanças (como acho que já ficou bem claro).

Mas, acima de tudo, eu odeio primeiras vezes. Primeiros dias, primeiras impressões, primeiros beijos, primeiras vezes no geral são sempre ruins, complicadas, você fica confuso e não sabe direito como se comportar, o que fazer... é muito confuso e ponto.

E eu odeio isso.

Saber que eu vou passar a integrar círculos com pessoas de realidades e percepções de vida totalmente diferentes da minha não melhora em nada o meu problema.

Nat: Nasci pronta.

Minto para Tiff e eu sei que ela vai mentir fingindo que acredita. Por que mata ela o fato dela não poder estar aqui ao meu lado e me ajudar com isso. É como na primeira vez de uma criança na escola: a criança está insegura e sua mãe está temorosa, mas finge que vai ser o dia mais feliz do mundo para que seu filho mantenha a confiança. Eu sou a criança e Tiff é a minha mãe.

Tiff: Eles nem saberão o que os atingiu. Arrase, bunny.

Nat: Amo você, raio de sol.

Digito e desligo meu celular, o enfiando na bolsa. Uma coisa boa e ruim ao mesmo tempo da Royal Elite é que eles permitem que os alunos se vistam como quer que eles queiram, não tem uniforme. Isso é bom porque eu estou vestida com meu jeans e camiseta que são praticamente uma extensão do meu corpo e me trazem conforto. Mas isso é ruim porque isso pode se revelar como um destaque de exclusão rapidamente. Se todas as garotas de lá usarem Prada, Chanel e todas essas marcas que tem bolsas que custam mais que um rim no mercado negro eu nunca vou conseguir me encaixar. Tipo, nunca mesmo.

Desço e vou em direção a cozinha, outro costume que adquiri aqui. Mesmo os empregados me ignorando, a companhia deles é preferível a da minha mãe.

-Bom dia! – falo animada. – Celene, querida, senti o cheiro de suas tortas a distância. – falo, elogiando seu trabalho não apenas para me aproximar dela, mas porque elas são realmente deliciosas.

-Ninguém gosta de puxa-sacos, Nathalia. – Sebastian fala sentado no meu lugar.

Tudo bem, o lugar não tem meu nome ou nada do tipo, mas é onde eu sento sempre que venho aqui.

Sério? As pessoas tiraram o dia para puxarem todos os meus tapetes e me tirarem do conforto?

-É Natasha e eu não posso ser considerada puxa-sacos se o que eu falo é verdade.

-O que você vai querer? – Lilian pergunta, me tratando com a simpatia de sempre.

-Só café.

-Descafeinado?

Eu olho para ela como se ela tivesse acabado de falar que matou meu cachorro.

-Café descafeinado é considerado café?

-De acordo com sua digníssima mãe esse deveria ser o único tipo de café a entrar nessa casa.

E então eu percebo que minha mãe já começou a colocar suas garras de fora. E eu lamento por todas as pessoas que tiverem que lidar com ela.

-Sinto muito por isso, Lilian. Minha mãe não tem o direito de se meter na forma como você organiza a casa e as compras.

Lilian estreita os olhos para mim como se estivesse analisando se eu estou realmente sendo sincera e qual o meu objetivo com tudo aquilo.

-Vou pegar o seu café.

-Obrigada.

Não me ofereço para pegar meu café porque fiz isso no meu segundo dia na casa e Lilian me disse bem séria que me queria bem longe da sua cozinha.

Porque você acha que meus novos horários de refeição são tão alternativos? Para não correr o risco de ser descoberta por ela, claro.

Sem ter muita escolha acabo tendo que sentar na mesa com Sebastian. Ele continua mexendo no celular, como se eu não estivesse ali.

-Por que você está acordado tão cedo? – pergunto, incapaz de me manter em silêncio, mas a única resposta que ele me dá é uma arqueada de sobrancelha – A aula só começa as nove. – justifico, sendo que ainda não são nem oito e ele já está arrumado com jeans e camiseta (graças a Deus).

Eu não sei porque falei com ele, dado todo nosso histórico de interações, mas não consegui mesmo manter o silêncio, justo eu que até alguns dias atrás estava fazendo o castigo do silêncio. Eu queria provoca-lo para poder observar se aquela vulnerabilidade estava mesmo ali ou foi criação da minha cabeça. Mas ele continua como uma rocha, dura, sólida e impenetrável.

-Desculpe, perdi o memorando que diz que eu te devo explicação da minha vida.

-Eu só quis ser simpática.

-Guarde sua simpatia. Sua irmã foi simpática com Santiago e veja só onde estamos.

-Seu café. – Lilian fala, deixando a xícara na minha frente e adiando minha resposta.

-As pessoas são diferentes, Sebastian. – eu falo depois de um gole. – Eu não sou Catalina assim como você claramente não é como o Santiago.

Ele me olha por alguns segundos antes de se levantar e sair, resmungando alguma coisa.

-Você não quer mais nada, Sebastian? – Lilian pergunta.

-Já tive o suficiente por hoje, obrigado.

Lilian me olha como se eu tivesse assassinado bebês passarinhos.

Ótimo, justo agora que eu pensei que nossa relação estava caminhando tendo em vista o desprezo que temos em comum por minha mãe.

-O café tá ótimo como sempre, Lilian.

-Por que você acorda tão cedo? – Celene pergunta e eu posso chorar de emoção aqui mesmo por isso.

Eu vou conquistar o coração dessas mulheres ou eu não me chamo Natasha.

-Às vezes é porque eu nem cheguei a dormir, mas na maioria das vezes é porque eu já tenho costume, eu tinha que acordar bem antes da escola pra deixar café da manhã para minha mãe e Catalina.

-Você cozinhava pra elas? – Mariana, ajudante de Celene pergunta.

-Sim, alguém tinha que impedir que elas morressem de fome. Acredito que Catalina acha até hoje que o pão vai sozinho para a torradeira e que o café é como agua, que você só liga a torneira e bebê.

Celene dá uma risadinha, mas Lilian dá um olhar para ela daqueles que diz 'cale a boca e mantenha o plano original'.

-Na verdade, eu sou uma ótima cozinheira, posso mostrar um dia desses...

-Fique longe da minha cozinha. – Lilian repete o recado – E isso inclui seus lanches noturnos.

Ops, talvez eu não tenha sido tão sigilosa assim.

-Sinto muito, tentarei me controlar numa próxima vez.

-O que você vai tentar não fazer numa próxima vez? – Santiago pergunta da porta, deixando as três mulheres brancas.

Elas não se esforçam em me tratar bem, mas isso não significa que elas não temam a reação de Santiago se ele descobrisse isso.

-Eu apenas elogiei os dotes culinários de Celene, mas ela fica realmente desconfortável com elogios. – Minto e as três suspiram aliviadas.

Talvez eu seja uma ótima mentirosa.

-Não seja boba, Celene. Você é uma das melhores cozinheiras que já passou por essa casa.

-Obrigada, senhor. Deseja algo?

-Só um suco, por favor. Sabia que te encontraria aqui, Nat. Ansiosa com o primeiro dia?

-Eu vou sobreviver.

-Se for muito difícil você sempre pode me ligar que eu vou te buscar.

Lembra a analogia da mãe e o primeiro dia de aula do filho? Podemos retomá-la aqui, porém Santiago é o tipo de pai que deixa claro pro seu filho que tudo pode dar errado mas que ele estará próximo o suficiente para salva-lo, o que apenas o faz querer começar a chorar para permanecer em casa.

-Isso não é muito encorajador.

-Sinto muito. Você vai arrasar.

-Melhor.

-Obrigado. É uma boa escola, você vai gostar.

-É o meu último ano, eu apenas tenho que fazer e acabar logo com isso.

Celene bota a comida para Santiago.

-Como você está com tudo isso? Não temos nos visto muito ultimamente com você fugindo e tudo mais.

-Eu não estou fugindo, só não tenho culpa que você fez um quarto tão perfeito que não dá vontade de sair de dentro.

-Eu fico feliz que você tenha gostado, princesa. E como você vai fazer com os projetos?

-Eu estou mantendo os que estavam em processo de finalização, já que eu participei de toda a construção e meu nome consta na patente. Agora os que estão em período de criação e desenvolvimento não estarão mais comigo. Não vou conseguir manter com as demandas do colégio e do novo grupo.

-Você sempre pode me pedir ajuda.

-Você está ocupado demais construindo seu novo braço robótico. Eu consigo.

Ele sorri para mim.

-Claro que consegue.

-E você, Santi? Como você está?

-Eu estou bem.

-Você está feliz?

-Que raios de pergunta é essa?

Dou de ombros.

-Claro que eu estou feliz. Vou ser pai, estou noivo, estou na minha melhor fase da minha carreira... Você está feliz, Nat?

-Não.

-Por que?

Dou de ombros de novo.

-Às vezes, Santi, precisamos nos perguntar se somos felizes ou se fingimos ser felizes porque temos tudo aquilo que a sociedade considera essencial ter para ser feliz.

Ele come em silêncio, talvez por não estar preparado para conversas profundas a essa hora da manhã ou talvez porque não tenha como responder a minha indireta.

-Seu carro deve chegar no meio dessa semana, então você não precisará mais pegar ônibus para a escola.

-Ótimo.

Eu comprei um carro. Ele é velho, tem um monte de problema, mas é meu.

Eu guardei cada centavo que eu consegui de bolsas de incentivo a pesquisa e de premiações e vendas de patentes. Tudo que eu consegui esconder de minha mãe eu guardei e investir na minha carteira de habilitação e no meu carro, iludida que essas coisas me dariam liberdade. Obviamente a liberdade não aconteceu, foi mais uma mentira da sociedade capitalista para nos fazer consumir, mas eu passei a ter uma relação de respeito com meu carro, carinhosamente apelidado de Drax. Então, fiquei feliz quando Santi se ofereceu para contratar uma empresa para trazer meu carro para cá ao invés de vende-lo como minha mãe pretendia fazer. Drax e eu já passamos por tantas coisas juntos que seria triste ter que me desfazer dele e das nossas histórias.

-Mas para o seu primeiro dia eu estou te levando.

-Você vai segurar na minha mão, papai? – provoco.

-Você tá cheia de graça hoje, hein? Ainda é um pouco cedo para as aulas mas se você quiser ir antes para conhecer as dependências do colégio e o laboratório podemos sair agora.

-Você não me conhece? Claro que nós vamos agora.

-Essa é a minha garota, vou pegar a chave do carro.

Enquanto espero Santiago sinto o nervosismo me dominando e, para me distrair, pego meu celular e mando uma mensagem para Tiff.

Nat: Será que é tarde demais para dizer que eu estou doente?

Tiff: Não me faça ir até aí apenas para chutar sua bunda enorme. Tem noção da sorte que tem? Você está acordada por opção, enquanto eu tenho aula 07:30. Esse horário é abusivo.

Nat: Reclame com sua mãe.

Tiff: Não mais. Estudei minha vida toda com esse horário, quem vier depois de mim terá que passar pelo mesmo sofrimento.

Nat: Sua sorte é que eu te amo.

Tiff: Muito cedo para declarações de amor, Nanat. Tenho que ir, tenho a bunda de um novato para chutar.

Nat: E que Deus o proteja.

-Pronta pra ir? – Santi me pergunta.

-Claro. Seu irmão vai com a gente ou...

-Sebastian segue sua própria lógica. Não tente entender ou tentar inclui-lo. Vá por mim.

-Ok. Vamos nessa, então.

            
            

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