-Pare de se fingir de idiota, o que vocês fizeram foi roubo e eu vou denunciar vocês.
-O que aconteceu? – Santi pergunta ao meu lado, tocando no meu braço.
-Eu não fiz nada.
-Você nunca faz nada, Sebastian. Me conte, Nat. O que foi?
Então eu me viro pra Santiago e me sinto quebrar.
-Seu irmão e seus amigos idiotas pegaram meu notebook.
-Eu não peguei. Pra que inferno eu iria querer seu notebook?
-Para infernizar a minha existência.
-Nat, querida, se acalme. Não precisa chorar, princesa. – Santi fala e só então eu percebo que realmente ruí e estou chorando. E é como se uma cachoeira se abrisse, porque eu só choro ainda mais, deixando toda a tensão da semana, ou melhor, dos últimos meses escapar.
-É só um notebook, Enrico pode te dar uns dez se você quiser. – Sebastian fala.
Eu olho para ele como se ele tivesse acabado de falar o maior absurdo do mundo.
-Não é só um notebook para mim. É...
Meu porto seguro, minha válvula de escape, a única coisa que me salva e me permite fugir. É minha única salvação de uma vida de merda com minha mãe. Penso em tudo isso mas não falo.
-Minha vida inteira está ali dentro. – falo e choro ainda mais.
Santi me abraça e tenta me consolar.
-Não fique assim, Nat. Eu prometo que vou comprar o modelo mais recente do mercado para substituir o seu antigo, tá bom? E você deve ter seus arquivos salvos na nuvem, não é mesmo? Vamos conseguir recuperar tudo.
Confirmo com a cabeça, ainda em seu abraço. Mas Santiago também não entendeu a importância do notebook para mim, para além dos meus arquivos. Ele foi a única coisa que eu consegui manter depois da mudança. Meu único objeto de segurança.
-Que confusão toda é essa? – minha mãe pergunta.
-Sebastian e uns amigos pegaram o notebook de Natasha.
-Eu não peguei.
-Claro que não, Sebastian. Você é sempre o inocente.
-Quer saber? Acreditem no que vocês quiserem. Cansei dessa porcaria. – ele fala, tentando sair.
-Fique. – Santi fala e Sebastian se detém.
-Essa agonia toda por causa de um notebook? Pelo amor de Deus, Natasha. Se controle. Sinto por isso, Sebastian. Essa deve ter sido a forma que Natasha encontrou de chamar atenção agora que está em segundo plano por causa do casamento. Ela sempre foi meio ciumenta. – minha mãe justifica a Sebastian e eu sinto vontade de sacudi-la.
-Escutem como vamos resolver essa situação – Santi fala me soltando e limpando minhas lagrimas – Nat, você vai ganhar um novo notebook. Vou providenciar agora mesmo pra você. Sebastian, acabou as brincadeiras. Não tem graça e nem tente negar que foi você, porque eu te conheço muito bem. Seja qual for a briga entre vocês dois, acaba aqui e agora. E a forma perfeita de selar a paz entre vocês é Sebastian levando você para a festa de boas vindas da Royal Elite.
-O que? –Sebastian e eu falamos ao mesmo tempo.
-Por que estou sendo castigada se fui a vítima da situação?
-Pare de ser dramática, Natasha. Santiago só está tentando resolver a situação. – minha mãe fala.
-Não estou castigando você, Nat. Mas você precisa se aproximar mais de seus novos colegas, fazer amigos. E Sebastian é a pessoa certa para manter um olho em você. Entendido, Sebastian? Você me deve. – Ao ouvir essas últimas palavras, Sebastian fica visivelmente tenso.
-Tenho outra escolha? A festa é hoje. Estou saindo as 22:30. Esteja pronta. – ele fala e sai, sem se despedir.
-Eu não quero ir pra uma festa idiota.
-Você vai fazer isso por mim, Nat. Por favor?
Eu sou incapaz de negar alguma coisa pra esse homem.
-Tudo bem.
-Ótimo, agora suba e se prepare. Temos um novo jantar hoje, finalmente convenci meu pai a se juntar a gente e vou precisar de todos os aliados possíveis.
-Claro.
-Venha, querida – minha mãe fala – Deixa que te acompanhar até lá em cima.
Antes que eu possa inventar um desculpa e fugir, ela me puxa pelo braço em direção as escadas. Diferente de Sebastian mais cedo ela não tem cuidado em tentar não me machucar, pelo contrário, acredito que essa seja realmente a intenção dela.
Ela se mantém em silêncio até chegarmos ao meu quarto, quando ela finalmente me solta.
-Mãe... – eu começo a tentar me explicar para aplacar sua ira, mas sou impedida de continuar quando ela me acerta um tapa em cheio na cara. – Qual o seu problema? – questiono.
-Meu problema? Meu problema é você. Não ouse estragar isso da mesma forma que você sempre estraga todas as coisas boas em minha vida, Natasha. Eu realmente tenho uma chance aqui e se você ousar ferrar com isso vou encontrar uma forma de me livrar de você de uma vez por todas.
-Mãe...
-Não, me escute. A partir de hoje não quero ouvir sua voz, você só fala se falarem com você, você não respira alto demais para não incomodar as pessoas dessa casa. Haja como se você não existisse.
-Sim, senhora. – concordo, porque é a forma mais fácil de me livrar dela e tê-la bem longe de mim.
-Eu espero que tenha entendido o recado. – ela fala se dirigindo a porta – E use um pouco de base durante o jantar para esconder a vermelhidão.
-Sim, senhora.
Como diz o ditado, nada está tão ruim que não possa piorar.
Permaneço no quarto até as sete, quando geralmente é servido o jantar. Como não tenho mais meu notebook para me ajudar a escapar, coloco meu celular para tocar no volume máximo possível para não incomodar as outras pessoas da casa e não receber outra visitinha de minha mãe.
Tem muito tempo que ela não é física comigo. Geralmente suas agressões são sempre psicológicas e verbais, quando se torna físico eu sei que realmente acertei um ponto e me excedi. Quando meu aparelho toca Meet me in the woods de Lord Huron decido que é hora de me arrumar para o jantar. Minha mãe não me bateu com força o suficiente para precisar de maquiagem, mas decido ficar semi pronta, já que logo após o jantar tenho que ir para a festa que não desejo ir, então decido deixar apenas a roupa para trocar mais perto de sair. Apesar do meu humor, deixo o ritmo da música me animar enquanto faço minha maquiagem básica e me visto.
Como não estou em um momento bom, decido levar meu celular e meus fones para o tal jantar e o coloco em reprodução automática, escondendo o fone com meu cabelo.
Quando eu chego, minha mãe e Catalina tem Sebastian e Enrico presos em uma conversa perto ao armário onde os mesmos guardam bebidas, então apenas os cumprimento com um boa noite e sento em um lugar na mesa. Enrico com certeza precisará de toda bebida possível para conseguir sobreviver a maneira dissimulada com a qual minha mãe o trata.
No momento em que Blue Jeans da Lana Del Rey começa a tocar noto Sebastian entrando na sala de jantar e quase sorrio com a ironia. Mas então me forço a me manter séria, não permitindo dedicar uma música como essa a uma pessoa como ele. Mas pelo menos o primeiro estrofe, casaria direitinho, já que todos estão vestidos super formais e somos os únicos de jeans aqui.
Sebastian me surpreende ao sentar ao meu lado, sem nem mesmo cumprimentar os outros, me fazendo erguer uma sobrancelha.
-Dos males o menor. – ele justifica, dando de ombros. E eu lhe dou toda razão.
-Natasha, querida, tire os fones a mesa. É rude. – minha mãe fala, com uma cara que me diz que vai me fazer pagar depois.
-Sim, desculpe, apenas foi um dia difícil.
-Por falar em dia difícil, Nat, tenho algo para você. – Santiago fala, em estendendo a caixa que eu sei que é um notebook.
-Obrigada, Santi. – falo, pegando a caixa e colocando ao lado da minha cadeira.
-É o último lançamento da Mayfield. Ainda nem foi pros mercados, só você tem por enquanto.
-Que doce da sua parte, Santi. – Catalina fala, mas pelo seu tom sei que ela não gostou da exclusividade do meu presente.
-Obrigada, Santi. Eu amei, de verdade.
-Não me agradeça, Nat. Tudo pra você.
-Santi, você já contou ao seu pai que vamos descobrir o sexo do bebê em breve? – Minha mãe fala, retornando o assunto para Catalina, e eles emendam uma conversa sobre bebes a qual eu não estou interessada.
-Você não pareceu muito feliz. – Sebastian sussurra ao meu lado, enquanto mexe em sua comida de um lado para o outro.
-O notebook é ótimo, eu tenho certeza. Mas eu preferia manter o meu antigo.
-Você foi humilhada, derrubada em frente da metade de escola, perdeu seus livros e materiais e fez uma caminhada seminua enquanto todos gravavam vídeos que tenho certeza que durarão por toda a sua vida, mas o que realmente te faz quebrar e chorar é a porra de um notebook.
-Algumas coisas são mais do objetos, Bash. Não que você entenda isso. –Sebastian tirou a atenção da comida para me olhar de um jeito engraçado. – O que foi?
-Você me chamou de Bash.
-Seu nome é muito grande e eu estou com preguiça.
-Só meus amigos me chamam assim, então você não tem permissão pra isso.
-Que bom então que eu não pedi permissão, Bash.
-Natasha – a voz de Enrico me chama atenção – Santi me contou que você é um gênio dos computadores.
-Eu sou apenas boa, senhor. – respondo envergonhada com a atenção.
-Ela está sendo modesta pai, ela é incrível.
Vejo na hora que minha mãe e minha irmã fecham a cara.
-Eu vi seu aplicativo, Bob. Brilhante, se não fosse o fato de vocês terem vendido para a concorrência.
-Só recebemos uma oferta, senhor. – eu queria chamar atenção dele com a aplicativo, esperamos por uma oferta dele, mas ela nunca chegou.
-Errado, vocês venderam para a primeira oferta. Mas esse é um erro comum de principiante.
O que não falo a ele é que estávamos desesperados pelo dinheiro, metade dos nossos equipamentos precisavam ser substituídos.
-Quando teremos novos projetos seu no mercado?
-Em breve, senhor. Estou a caminho de registrar algumas patentes.
-Por que não assina um pré-contrato de exclusividade? Consegue algum financiamento para seu trabalho?
-Estou esperando um pouco senhor, provavelmente para depois do fim do colégio, quando precisarei do dinheiro.
Ou seja, quando minha mãe não conseguirá acessar o dinheiro, afinal, como sou menor, posso acabar perdendo tudo mais uma vez para minha mãe, já que ela tem acesso as minhas contas.
-Escolha inteligente, Natasha. E você, Catalina? Tem alguma pretensão na vida?
Sim, a pretensão dela é ser esposa de um homem rico.
-Eu estava estudando moda, senhor. – ela fala, feliz de ter sido incluída na conversa. – Mas vou parar por um tempo, para focar integralmente no bebê e ainda tem as decisões do casamento... Eu já tenho muito em mãos agora.
Enrico faz uma careta e eu percebo que por mais que ele se esforce para deixar Santi feliz ele nunca irá aceitar essa relação.
-Quero ver seus projetos em breve, Natasha. – ele volta a conversa para mim.
-Claro, senhor. Assim que eu registrar a patente.
-Natasha! – minha mãe fala horrorizada. – Não seja mal educada e mostre a Enrico seu trabalho. O que você acha que ele vai fazer? Roubar as suas ideias?
-Não, Angelina. Ela está completamente certa. Eu provavelmente faria isso. Primeira regra do mundo dos negócios, não confie em ninguém, nem mesmo na família e amigos.
Sorrio para ele e vejo que pelo menos ele já parece ter percebido que eu não sou como minha mãe e irmã. Talvez seja o 50% do DNA do meu pai fazendo diferença, o que pode se revelar um problema tendo em vista que ele não é uma das pessoas mais responsáveis e integras do planeta, pelas poucas informações que possuo dele. Mas esse é um problema para mais tarde.
-Talvez possamos oferecer um estágio para ela nas férias. – Santi fala e eu quase explodo de excitação.
-Desde que ela não se sinta forçada a aceitar por você está oferecendo em minha frente.
-Claro que não, senhor. Eu adoraria. Na verdade essa seria a coisa que eu mais amaria em toda minha vida.
-Patético. – ouço Sebastian dizer ao meu lado, mas o ignoro.
Só então percebo que as outras pessoas da mesa fazem a mesma coisa, todos o ignora, ele não participou de nenhum dos ciclos de conversa exceto quando falou comigo e eu quase me sinto mal por ele.
-Ótimo, organizaremos isso assim que você finalizar o colégio.
-Bom, mas esse jantar não foi marcado com o intuito de falar sobre Natasha. – Lina fala, deixando escapar um pouco sua máscara de boa garota. – Santi e eu temos uma notícia para vocês.
-Por favor, não me diga que são gêmeos. – Bash debocha.
-Não, bobinho. – Lina responde, sem perceber que tudo não passou de uma brincadeira de Bash. – Nós marcamos a data do casamento. Vamos casar no início maio. – ela fala quase gritando, de tanta empolgação.
-Por que tão rápido assim? Maio é daqui a dois meses, vocês não acham essa decisão muito precipitada? – Enrico diz.
-Lina não quer casar com a barriga muito grande. – Minha mãe fala.
-Pensasse nisso antes de engravidar. – Bash fala baixinho só pra eu ouvir, mas estou perplexa demais com o quão rápido as coisas estão acontecendo para sequer reagir.
-Ok, é a vida de vocês, façam o que acharem melhor. – Enrico fala mas pela sua expressão eu percebo que ele está descontente.
-Queremos fazer uma comemoração, um pequena festa de noivado em duas semanas. Apenas para passarmos por todas as etapas. Sei que é um tempo apertado mas eu dou conta de planejar e organizar tudo. – Mamãe fala.
Provavelmente ela já tem o casamento e o noivado planejado desde o dia em que Santi e Catalina se conheceram.
-Como vocês acharem melhor. –Enrico fala, soltando o talher, como se as recentes notícias tivessem tirado sua apetite.
Me sinto igual, estou enjoada.
-Você não vai falar nada? – Santi me pergunta.
-Hm, claro. Posso trazer a Tiff pro casamento?
-Claro, pro casamento e pro noivado também. Vou comprar as passagens e enviar para ela.
-Certo, obrigada.
-Você não vai me desejar felicidades, irmã? – Lina pergunta e eu desejo poder soca-la.
-Felicidades aos noivos. – Falo, erguendo minha taça mas com desejo de fugir correndo dali.
-Vamos, pegue suas coisas. Temos que ir. - Sebastian fala comigo alto o suficiente para todos ouvirem.
-Não está muito cedo?
-Quanto tempo mais você quer ficar nesse show de horrores? – ele pergunta, dessa vez baixo.
-Ok, desço em dez minutos. – falo, sem pensar duas vezes. – Espero que vocês me perdoem mas terei que me ausentar. Sebastian e eu temos um compromisso.
Enrico faz um sinal me liberando, mas faz uma careta, não sei se pelo fato de eu estar saindo mais cedo ou se porque estou saindo com Sebastian, mas eu saio sem pensar duas vezes e sem olhar pra minha mãe. Sebastian, como sempre, faz apenas o que quer e levanta sem falar nada com ninguém.
Eu sabia que Santi e Lina iriam casar, mas acho que saber que eles já marcaram a data torna tudo ainda mais real. Doeu, saber que, de certa forma, eu o perderia para sempre.
Hoje não foi um bom dia e sei eu continuasse naquela mesa eu acabaria fazendo algo idiota, como chorar e implorar para cancelarem o casamento.
E quem diria que essa maldita festa serviria para alguma coisa afinal.