Teus Pedaços
img img Teus Pedaços img Capítulo 4 Crazy Train
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Capítulo 11 Recomeço img
Capítulo 12 Complicações img
Capítulo 13 Drax img
Capítulo 14 Game day img
Capítulo 15 Apostas img
Capítulo 16 Win img
Capítulo 17 Instável img
Capítulo 18 Tiff img
Capítulo 19 Segredos img
Capítulo 20 Más decisões img
Capítulo 21 Expectativas img
Capítulo 22 Day after img
Capítulo 23 Hotel California img
Capítulo 24 Home img
Capítulo 25 Rome img
Capítulo 26 Covarde img
Capítulo 27 Mão esquerda img
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Capítulo 4 Crazy Train

Sebastian

Sou despertado do meu sono quando percebo que a música que eu coloquei para tocar foi desligada.

-Apenas ligue de novo. – falo, sem abrir meus olhos.

-Quem consegue dormir ouvindo Crazy Train de Ozzy Osbourne em um volume ensurdecedor? – ouço Santiago dizer.

-Eu consigo, então ligue o som e saia fora daqui.

-Sério, cara, você tem um problema auditivo ou algo do tipo? Por que o som tem que ser alto desse jeito?

-Ele precisa ser alto o suficiente para silenciar as vozes na minha cabeça. – respondo.

-É impossível manter uma conversa normal com você. – ele debocha, pegando uma almofada e jogando em mim.

-Então faça um favor pra nós dois e apenas vá embora e nos salve de mais uma conversa desagradável.

-Qual o problema com você, Bash? – ele fala sentado ao lado da cama – Todos estamos nos esforçando para te entender e para estarmos próximos de você...

Gargalhei, e sentei na cama.

-Sério, Sebastian? Qual o problema?

-Você sabe, os típicos de garotos ricos. Papai não deu amor o suficiente, não consegui ter o último lançamento da BMW, essas coisas... – debocho.

-Tudo bem, se você que continuar agindo como um babaca e manter sua ridícula fase rebelde...

- "Mental wounds not healing, life's a bitter shame, i'm going off the rails on a crazy train" (Feridas mentais não tem cura, a vida é uma vergonha amarga, estou saindo dos trilhos num trem maluco). – Canto um trecho da música do Ozzy junto com o som baixinho.

-Só não acho justo você colocar a culpa do seus comportamentos destrutivos em nosso pai. – Santiago continua me ignorando, fazendo com que eu arquei uma sobrancelha – Você tem dezoito anos, você já é um adulto, então aja como um e assuma as escolhas que você faz pra sua vida.

-Eu assumo cada um dos meus atos, Santiago. Quando você me viu ir chorando para você ou para Enrico para resolver alguma coisa para mim? Pelo contrário, foi você o único a sair de seu caminho para me incomodar em mais de uma ocasião.

-Nós estamos preocupados com você. Você perdeu o almoço, seu quarto cheira a bebida, se você acha que vai ser livrar da polícia tão fácil de novo...

-Não quero falar desse assunto. – respondo.

Santiago respira fundo.

-Desculpa, eu sei que é algo delicado, Sebastian, mas estamos preocupados em ver você jogar sua vida fora.

-Você está sendo repetitivo. Porque não fala logo o que veio fazer aqui e me deixa em paz, enquanto eu finjo que você nunca esteve aqui e você finge que acredita que eu vou seguir seus conselhos de merda?

Meu quarto, ou melhor dizendo, meu espaço é separado do restante da casa. Desde quando eu completei nove anos meu pai transformou o antigo porão em meu quarto pessoal, mas, com o passar dos anos, fomos anexando novas áreas e o porão virou meu apartamento, com sala, quarto, banheiro e cozinha (não que eu use muito essa última, sendo a cozinha a única coisa que eu realmente uso da casa principal). O fato é que eu vivo minha vida separado da casa de Enrico e Santiago. Até mesmo a entrada que eu uso é a dos fundos, então, eu vivo minha vida de acordo com as minhas regras e eles esquecem da minha existência até que precisem de mim para algo.

Então eu sei que meu irmão quer alguma coisa de mim e essa conversa de estar preocupado com meu futuro é apenas uma estratégia de fingir que se importa comigo para que eu faça o que ele quer. Eu já cai nessa antes, hoje em dia já estou vacinado.

-Que seja. – ele desiste da sua abordagem anterior. – Preciso da sua ajuda com Natasha.

-Se você quer ajuda para se livrar de sua noiva, procurou a pessoa certa...

-Não, Catalina é minha noiva, Natasha é a irmã dela. Você a conheceu ontem na tentativa de jantar.

Ontem, conhecido também como a melhor noite da minha vida.

Sim, minha vida é fodida a esse ponto.

O fato é que ver a cara de decepção de Enrico ao ver a bagunça que seu primogênito, filho perfeito e preferido se envolveu não tem preço. Eu daria tudo para ter meu celular naquele momento para poder eternizar sua cara de decepção. Sério, antes da noite de ontem eu jurava que todas as suas caretas eram direcionadas a mim.

Tento puxar na memória a tal Natasha, mas a única lembrança que eu tenho dela é que ela é tão interesseira quanto sua irmã. Não prestei atenção o suficiente nela para saber qualquer outra coisa.

-Ela não foi marcante o suficiente para ficar em minha memória. Mas de qualquer maneira, pra que você precisa de mim? Não me diga que engravidou ela também.

-Pelo amor de Deus, claro que não. Por que sua mente sempre vai para os lugares mais depravados e sombrios?

-Porque eu sou depravado e sombrio. A escuridão mora aqui. – falo, apontando pro meu peito.

-Pare com as besteiras e vamos ter uma conversa séria. Natasha vai estudar na Royal Elite.

-Péssima ideia.

-Por que?

-Porque ela não se encaixa lá.

-Pensei que você não se lembrasse dela.

-Lembro o suficiente para saber que ali não é lugar para ela.

-Sebastian, ela é uma das pessoas mais brilhantes que eu já conheci, e olha que eu já conheci muita gente inteligente no ramo em que eu trabalho. As coisas que ela é capaz de criar, os caminhos que a mente dela percorre... ela é um gênio e será um acréscimo incrível para o colégio.

Abri um sorriso zombeteiro.

-Cara, tem certeza que não está com a irmã errada?

-Não seja ridículo, ela tem sua idade. – ele justifica, mais para ele do que pra mim.

-E quando eu achava que sua história não poderia ficar melhor...

-Pare de ser ridículo, eu quero que você auxilie ela nessa primeira semana, apresente ela a algumas pessoas. Eu sei que crianças ricas podem ser difíceis e eu não quero que ela sofra ainda mais com a mudança.

Tenho certeza que ela está sofrendo enquanto usufrui do dinheiro do idiota.

-E eu faria isso por que...

-Porque seremos só uma família agora, e família se ajuda.

Ah, a doce ironia da vida.

-É aí que você se engana, Santiago. Eu não poderia me importar menos com essas besteira e mesmo que eu me importasse, ela faz parte da sua nova família, vem no pacote com sua noiva. Zero relações comigo.

-Sebastian, por favor.

-Não. E se você for implorar, guarde suas palavras para Enrico e implore que ele aceite sua noiva e a família dela.

-Um problema de cada vez.

-Exatamente. E, como você disse, nós temos a mesma idade, se eu sou adulto o suficiente para arcar com meus atos, ela é adulta suficiente para não precisar que ninguém segure a mão dela no corredor.

-Se você usasse sua inteligência para outra coisa além de ser um otário, você poderia fazer algo de útil para sociedade.

-Uma pena que eu sou só um desperdício de espaço e oxigênio.

-Que seja, Sebastian. Não sei porque gasto meu tempo com você.

-Ligue o som quando saí. – respondo, voltando para cama.

-Sebastian, fique longe dela. – ele fala, já dos degraus que leva a casa principal.

-Você precisa decidir se você quer que eu a leve na coleira ou se me quer longe dela.

-Eu estou falando sério, percebi que essa foi uma péssima ideia apenas por estar aqui conversando com você. Lembrei que você tem a tendência de estragar tudo o que você coloca as mãos, então mantenha distância.

-Ok. Mas você deveria fazer uso do seu próprio conselho, já que está noivo e vai ter um bebê com a irmã dela.

-Não é assim e você sabe.

-Eu não sei de nada.

-Só mantenha distância.

-Você esqueceu do som.

Ele dá meia volta e liga novamente o som, mas a música já trocou para Wasting Love do Iron Maiden.

-Graças a Deus que papai colocou isolamento acústico no porão, ou então você enlouqueceria a todos nós com essa droga de música. – ele fala, saindo.

A verdade é que Enrico optou pelo isolamento acústico para que não pudesse ouvir nenhum barulho vindo de mim, como mais uma tentativa de apagar minha existência de sua vida. Mas eu sou grato a ele por isso, poder ouvir minha música no último volume é o que me deixa são.

-Ei, Santi. – Chamo uma útilma vez.

-O que?

-Você não acha essa música uma ironia? Sabe "Viva seus dias repletos de vazio, viva seus anos repletos de solidão, desperdiçando amor em uma carícia desesperada, rolando nas sombras da noite" – Traduzo um dos estrofes das música.

Santiago apenas me olha e não fala nada.

Volto a fechar meus olhos e tento focar apenas na letra das músicas que saem pelo alto-falante.

Esquecendo do meu irmão e de seu drama com sua cunhada adolescente, volto a dormir enquanto começa a tocar Fake Plastic Trees de Radiohead.

Minha playlist pode realmente ser uma filha da puta. – penso, com um sorriso.

Estou dirigindo.

Reconheço a música que toca no rádio, All I Want de Kodaline, porque Elise escutou ela em todos os momentos possíveis na semana passada na tentativa que a melodia arrastada criasse um clima comigo.

Não funcionou.

Sendo bem sincero, não faz muito o meu estilo. Digamos que eu prefiro as coisas muito mais agitadas.

Tento mudar a música no rádio, porém todas as estações tocam a mesma música. Que estranho. Certeza que é mais uma armação de Elise.

Mas então escuto outro barulho. Como se alguém estivesse chorando. Tento aumentar o som para não ouvi mais o barulho, mas o choro fica cada vez mais alto, me obrigando a parar o carro e procurar de onde ele está vindo.

-Olá? – falo, descendo do carro mas não recebo resposta.

Decido então seguir o barulho do choro até a sua origem e fico surpreso ao descobri que o barulho vem do meu porta malas.

-Mas que merda, se for algum trote de Rome e Klaus eles estão mortos. – falo, enquanto destravo e abro a porta malas.

Mas então perco todo o meu ar quando vejo aqueles olhos verdes cheios de lágrimas olhando para mim, fazendo com que eu congele.

-Foi tudo sua culpa.

-Me perdoe. – eu sussurro, com meus olhos enchendo de lágrimas.

-Foi você, é sempre você. Você é o culpado, é sempre sua culpa. – começa a gritar descontroladamente. – Você é um monstro.

-Me perdoa, por favor, me perdoa. – eu grito, caindo de joelhos, e então não estou mais na estrada e sim no meu quarto, banhado de suor, ofegante e com lágrimas saindo dos meus olhos.

Fodidos pesadelos. Já estava a meses sem eles, mas parece que a conversa de culpa de Santiago trouxe tudo de volta.

Percebo também que meu quarto está em completo silêncio, o que significa que minha seleção de música já acabou.

Olho no relógio e são duas e quinze da madrugada. Dormi o dia inteiro e só comi o café da manhã que Lílian me trouxe. A culpa disso, claro foi de Rome. Depois do fiasco do jantar de ontem fui até a casa dele e ele me arrastou contra a minha vontade para uma festa na casa de Klaus. Não sou de festas, mas sou de bebidas. Bebi tanto que isso me custou um dia de sono.

Claro que o cansaço mental não ajudava em nada na minha causa.

Fecho meus olhos e tento fazer com que meu respiração volte ao normal, tentando apagar as imagens do pesadelo de minha cabeça.

Quando me sinto melhor vou até a meu armário apenas para descobrir que não tenho mais o remédio que eu preciso, uma dose dupla de Whisky, então decido que meu progenitor não se importará em fazer uma doação aos necessitados. Sendo que o necessitado em questão sou eu.

Subo até a cozinha e me assusto ao notar uma claridade na mesma.

-O que você está fazendo acordada? – pergunto a cunhada de Santiago, que estava tão concentrada no computador que mal notou minha entrada.

Assim que eu falo ela pula da cadeira e coloca as duas mãos no peito.

-Você quer me matar? – reclama. – O que você está fazendo aqui?

-Eu moro aqui.

-Mas são duas da manhã. – ela acusa.

-Você parece muito culpada agora. O que você estava fazendo? Não me diga que estava gravando vídeos pornôs para enviar para velhos solitários.

Noto, pela luz do notebook, que ela rola os olhos.

-Não vou responder a isso. Onde é o seu quarto?

-Olha, Nathalia, se isso for uma indireta, eu não estou interessado.

-Meu nome é Natasha e isso não foi um indireta.

-Claro que não. Só pra deixar claro, sou mais inteligente que meu irmão.

-Você é um babaca. – ela fala irritada, voltando a sentar.

Mas é esse o momento que ela realmente olha para mim e algo na sua mente clica, e eu me arrependo de ter falado com ela.

-Você está bem? – ela pergunta.

-Sim.

-Tem certeza? Porque parece que você viu um fantasma.

-Não é da porra da sua conta.

-Idiota, eu só quis ser educada porque você parecia com alguém que precisava de ajuda. Mas quer saber, se vire sozinho, eu não sou sua amiga ou da sua família para ser obrigada a lidar com suas alterações de humor e maus tratos.

Então a gatinha tem garras.

-Me recorde, alguém pediu a sua ajuda?

Ela fecha os olhos e aperta a mandíbula, parecendo contar até dez.

-Que seja. Estou saindo. – ela fala, pegando o notebook antes que eu possa olhar a tela para saber o que leva uma pessoa a ficar duas horas da manhã em uma cozinha escura com um notebook. – Idiota pomposo. – ouço ela reclamar enquanto sai da cozinha.

Só então noto que na mesa em que ela estava tem um bule com café e algumas torradas. Será que ela realiza fetiches estranhos e alguém a paga para assisti-la enquanto come? Ela é bonitinha o suficiente para isso, pelo menos.

Mas seja lá o que ela faz não é da minha conta.

Pegando um whisky fechado e as torradinhas abandonadas por Natasha saio da cozinha e volto para meu quarto, convicto em esquecer a noite de hoje com a ajuda de Jack Daniels.

            
            

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