Pediu um café forte na cozinha e ficou ali até duas horas da manhã. Esse tempo poderia ser suficiente para que ela conseguisse se deitar e dormir, para que ao retornar sua presença não voltasse a afligi-la.
Como ele havia imaginado, Aisha dormia profundamente na cama, agarrada ao travesseiro. Então Hassan se deitou ao lado dela, com cuidado e adormeceu.
O choro desesperado de Aisha o despertou. Com as mãos no rosto ela chorava copiosamente. Hassan não sabia o que fazer ou falar para fazer com que ela se acalmasse. Deixou que chorasse em paz, tudo que precisasse, se lembrava de que quando sua irmã tinha crises de choro sua mãe dizia que ela precisava desse momento para expressar o que sentia. Hassan sabia também que esse choro era por sua causa, pelo casamento arranjado, por ser obrigada a dividir sua cama e intimidade com um desconhecido.
Aos poucos foi se acalmando só ficando algumas lágrimas escorrendo por sua face, nesse momento Hassan se aproximou:
___ Está melhor? (Ele perguntou ao sentar ao lado dela na cama)
Aisha não conseguia responder e muito menos olhar para ele. A presença dele a sufocava.
___ Quer sair daqui e dar uma volta lá fora? (Perguntou Hassan enquanto procurava pelos olhos dela)
Aisha maneou a cabeça concordando com sua proposta. Ele então foi até o armário e trouxe um casaco para ela. A ajudou calçar o sapato e saíram do quarto.
A noite estava fria e ventava forte, fazendo com que o longo cabelo castanho de Aisha de esvoassasse. Ele admirou a forma delicada como Aisha segurava as mechas de cabelo que cobriam seu rosto. Ela era linda e o atraia. Foram para a parte externa da hospedagem e sentaram em um banco de pedra. Dali ouvia-se o som do mar e contemplavam as infinitas estrelas.
Aisha levantou a cabeça e olhou para o céu, lembrou-se da noite em que deitada no gramado de seu casa sua mãe ao seu lado lhe revelou sobre seu pai e sua família libanesa. A saudade brotou em seu coração fazendo o extremecer. Porém a voz de Hassan a trouxe de volta a realidade:
___ Hal tuhibu alnujum? Você gosta das estrelas?
___ Naeam! Sim (Respondeu Aisha ainda olhando para o céu)
___ Ant hurun fi daw' alshams wakhali min qibl najm alliyli.
wa'ant hurun eindama la takun hunak shams wala qamar wala nujuma.
'ant hurun hataa eindama tughmid eaynayk ean kuli ma hu mawjudu.
khalil jubran
"És livre na luz do Sol e livre ante a estrela da noite.
E és livre quando não há Sol, nem Lua ou estrelas.
Inclusive, és livre quando fechas os olhos a tudo que existe. Khalil Gibran"
Aisha o olhou surpresa, ele havia acabado de lhe recitar uma poesia. Ela conhecia o autor, Khalil Gibran um escritor Libanês que muito conquistou o coração de Aisha para o mundo da poesia.
Ela o encontrou enquanto pesquisava sobre a cultura de sua família libanesa, se encantou pela forma doce e terna em que o autor trabalhava o romantismo com as palavras. As poesias de Gibran tocava sua alma como nenhum outro autor era capaz. Escutar uma de suas poesias nos lábios de Hassan a despertou. Encarou seus olhos e contemplou seu sorriso.
___ Gosto da filosofia de vida nas obras de Khalil! (Fala Hassan desviando seus olhos para as estrelas) Ele conversa com o íntimo do nosso ser com palavras e sentimentos...
Aisha estava perplexa ao descobrir que um homem tão poderoso como Hassan poderia se sensibilizar com poesia. E por coniscidencia o autor que ela mais admirava.
___ Eu sei que você está sofrendo muito por causa desse casamento... Mas se puder encontrar uma forma de se sentir bem vai ser melhor do que preferir viver com mágoa... A liberdade é um sentimento e não uma escolha ... O que estiver ao meu alcance para te proporcionar essa leveza da vida eu farei pode ter certeza!
A poesia não a impactou tanto como suas últimas palavras. Hassan abriu o coração para ela e disse que estava disposto a ajudá-la a passar por esse início tão difícil do casamento. Ele não se encaixa no papel de "vilão árabe" que tanto supunha. Ela idealizava um marido opressor, violento e dominador, era assim que interpretava sobre a imagem de Hassan. Sua aparência física não lhe dava outra interpretação, ele era alto, físico forte, tinha a postura sempre ereta, olhos penetrantes, a voz grave e firme. Essas características físicas fez com que Aisha criasse em sua mente o tipo de personagem que atuaria em sua vida. Era seu marido árabe e a machucaria brutalmente com gestos e palavras sempre que quisesse.
Surpreendentemente Hassan se mostrava ser o contrário de sua interpretação. Sempre gentil, escolhia palavras cheias de sentimento e mesmo falando com firmeza não a assustava. Ele era realmente assim ou estava apenas brincando com seus sentimentos? Seria um lobo em pele de cordeiro? Pensava Aisha enquanto se pegou observando seu rosto.
Hassan sorriu aliviado em perceber que ela já estava mais calma e relaxada diante dele.
A realidade que estava tendo com Aisha era muito diferente de tudo que viveu com sua primeira esposa Laila.
Na primeira noite de casados Laila não teve pudor algum para uma moça virgem. Atacou Hassan na primeira oportunidade o que logo provou que ela não era tão "pura" quanto pensava. Laila era ousada, sedutora, uma mulher que atendia todos os desejos de um homem. Hassan temia que esse seu lado impetuoso, leviano e impulsivo pudesse lhe causar problemas e sua intuição não errou. Laila o machucou da forma mais baixa possível. O traiu com diversos homens de seu convívio social e fugiu com um entrangeiro que a livrou da responsabilidade de ser mãe. Nem mesmo pelo filho ela se arrependeu de seus pecados.
A experiência que estava tendo ao lado de Aisha era nova e ele compreendia como se fosse abençoado com uma chance de ser feliz.
...
Os olhos de Hassan eram penetrantes, intensos porém havia ali algo que desarmava Aisha. Ela chegava até ele sempre com pré-julgamentos por ser um homem árabe e acabava se surpreendendo com sua mansidão."Ele poderia estar escolhendo o momento oportuno para "atacar"? Pensava Aisha.
...
Aisha se sentiu tão bem depois daquela breve conversa na parte externa da hospedagem que até se esqueceu da sua aflição por aquele momento. Realmente Hassan a surpreendeu com seu comportamento, não esperava essa gentileza de sua parte e muito menos "seu doce olhar".
Aisha se surpreendeu ainda mais quando pode ver que seus olhos transbordavam doçura, a medida em que falava ela observava seus olhos. Eram os olhos masculinos mais lindos que ela já conheceu. Tinha verdade e intensidade neles.
Ela não sentia mais medo de Hassan como no dia que o conheceu. O ódio que até horas atrás existia deu lugar a admiração. Era óbvio que sua beleza física a atraia e seu olhar a seduzia. Mas isso tudo bastava para se entregar para ele? E se ele estivesse jogando? Ele era 11 anos mais velho, tinha suas estratégias de conquista e com certeza seu comportamento era uma de suas armas para ganhar sua confiança. Assim pensava Aisha enquanto o observava.
Ela se levantou e se afastou dele, estava com raiva de si mesma em ter tido tais pensamentos a respeito de Hassan.
Hassan suspirou fundo, sua missão não estava sendo nada fácil. Talvez seria a mais difícil de todas em sua vida. Aisha não era nem de longe como qualquer mulher que cruzou seu caminho, atraída por seu dinheiro, seu poder ou por sua aparência. Apesar de muito mais jovem que ele, Aisha tinha personalidade, não se perdia na dúvida, sabia o que queria e aquele momento o que sua esposa menos desejava era se entregar a um estranho.
Refletindo sobre essa última alternativa, descartou a possibilidade de tentar se aproximar fisicamente dela. Não adiantava forçar nada com Aisha, já havia tido a oportunidade de perceber que sua esposa era movida a sentimentos sinceros e não a meras emoções.
Hassan não iria desistir, sabia que em algum momento a tornaria sua mulher por completo.
...
Puderam ver o nascer do sol, um ao lado do outro. Quem olhasse aquele momento o jovem casal sentados no banco de pedra na parte externa da hospedagem não veria um casal apaixonado por estarem com uma considerável distância entre eles. Não era uma cena nada romântica de se olhar, porém podia se concluir que ambos se tornariam grandes amigos. E era o que Aisha queria naquele momento. Se pudesse pelo menos confiar em seu marido já estava de bom tamanho. Ela era o tipo de pessoa que desconfiava até da "própria sombra" agora imagina um homem?
Havia perdido a fé no amor entre homem e mulher no dia em que flagrou seu noivo com a amante. Ela amava realmente Renan, eles tinham uma história juntos que se iniciou quando se tornaram amigos na época em que estavam na faculdade. Não foi algo que nasceu de um dia para o outro, foi um processo, que o transformou em seu amigo posteriormente namorado e depois seu noivo e infelizmente a última posição de Renan em sua vida foi de "covarde".
Na cultura libanesa, especialmente na família de seu pai, ela percebeu que não existia um "passo a passo" no relacionamento. Não dava tempo de se conhecer, se tornar amigos e então descobrir algum sentimento mais forte que apenas amizade. Sem conhecer Hassan, sua família já a tornou sua noiva. Sem nunca trocar uma palavra com ele a tornaram sua esposa. E como ela poderia se entregar a um marido que pouco sabia de sua vida?
Aisha era virgem, nada sabia sobre intimidade entre um casal. Seu estado de pureza não se tornou atrativo para Renan que sabia que ela não aceitaria suas investidas para fazê-la sua mulher antes de se casar. Aisha deixou claro isso, que apreciava desenvolver a confiança primeiro e que sexo seria algo prioritário após o casamento.
Renan não merecia tanta pureza da parte dela e muito menos era digno de ser o primeiro homem a tocar seu corpo. Ele optou por se divertir enquanto esperava o momento de possui-la, quando o casamento acontecesse.
Hassan também percebeu o que Aisha queria, mesmo que ela não tenha dito uma palavra sequer a respeito. Não era difícil decifrar seus olhos e seu comportamento.
E a ele cabia apenas duas opções, a primeira em que agiria pela "emoção' em que movido pelo ardente desejo de torná-la sua mulher a tomaria a força com a desculpa de que ela era sua por direito. Ou a segunda, regido pela "razão" em que testaria sua paciência, contendo seus instintos masculinos e esperaria o momento certo em que ela se sentisse segura para ser sua.
Aisha não fazia ideia da escolha de seu marido e nem sabia o quanto essas escolhas eram difíceis para ele. Se escolhesse a primeira alternativa ele a machucaria profundamente, pois se mostraria violento, não se importando com seus sentimentos e isso poderia se tornar um grande trauma. A segunda opção o afetaria muito, já que sendo homem estaria negando um prazer que era seu por conveniência. Ele deveria fazer um esforço imensurável para manter suas mãos e seus pensamentos afastados. A segunda opção seria bem mais fácil se não a desejasse tanto...
Após retornarem para o quarto, foram se trocar para tomarem o café da manhã. Aisha de mostrava cansada e sonolenta. Eles não relaxaram após acordarem na madrugada. A festa de casamento havia sido exaustiva e necessitavam de descanso.
A mesa de café no refeitório parecia um banquete. Havia uma variedade de frutas, pães, bolos e doces. Aisha admirava o tanto que as mulheres libanesas apreciava a culinária. Dedicavam horas do dia preparando tudo com muito capricho.
Apesar da hospedagem não ser um lugar luxuoso que Hassan estava acostumado ficar, era tudo muito limpo, organizado e aconchegante. E com aquela vista paradisíaca da praia e o mar a frente nem precisava tanta coisa assim para impressionar, a natureza já dava seu show sozinha.
Dalila foi cumprimentá-los com seu sorriso gentil. Usava naquela manhã um novo "hijab" que Aisha observou o quão lindo era aquele, dourado e cheio de desenhos que lembravam flores e beija flor. Pérolas pequenas desenhavam as extremidades da renda. O véu deixou a dona da hospedagem mais jovem apesar de já ter seus cinquenta anos.
___ Salam allah. A paz de Deus! (Disse Dalila)
___ Alsalam ealaykum. A paz esteja convosco! (Respondeu Hassan).
___ Vocês dormiram bem? (Perguntou Dalila encarando os olhos de Aisha)
Aisha sorriu, gostaria de dizer a verdade, os olhos de Dalila marcados por maquiagem incita a dizer a verdade. E se Aisha tivesse coragem suficiente diria: __ Não! Eu tive a pior noite da minha vida. Foi a primeira vez que compartilhei a cama com um homem. Ainda que sendo meu marido para mim ele é um completo estranho.
Tive medo de que ele me estrupasse, .e obrigasse a ter relações com ele. Afinal foi assim que me ensinaram sobre os homens árabes. Mas apesar de tanta aflição e pânico ainda consegui amanhecer viva...