A doçura de Farise fazia com que Aisha se esquecesse de sua angustia por alguns instantes. Brincaram juntas no pomar por um tempo até que um dos empregados se aproximou dizendo que a senhora Azura pedia a presença da neta em seu quarto.
Aisha então abraçou a irmã e foi para o interior da casa a passos lentos. Meditando na sua vida, na saudade de sua mãe, na sua nova vida tão confusa naquele país ao lado dos familiares de seu pai. Mas o que realmente a fazia se entristecer era a atual situação em que se encontrava. Estava prestes a se tornar esposa de um desconhecido, com costumes e crenças peculiares.
Estava disposta a tomar o lugar de Munira para poupar sofrimento a sua irmã, mas sentia-se injustiçada. Não era justo perder o direito de ser feliz, deturparam todos os seus sonhos sendo ainda tão jovem e sonhadora diante da vida.
Ao chegar no quarto de sua avó, bateu levemente na porta que estava apenas encostada. A voz de Azura lhe orientou a entrar. Quando olhou para a cama de sua avó estava ali um deslumbrante vestido de noiva. O coração de Aisha saltou em desespero em seu peito. A angustia que ela sentiu aquele momento diante da certeza de seu destino foi indescritível.
__ Encomendei esse vestido para sua mãe... (Disse Azura)
A revelação da avó a deixou completamente surpresa. Marina revelou poucas coisas a respeito de sua convivência com os parentes de seu pai e jamais havia mencionado sobre o presente da sogra. O vestido de seda era coberto por infinitas pérolas brancas e salpicado de brilho dourado. Aisha estava sem palavras diante dele e sua avó acariciando o tecido ainda lhe disse mais:
__ Sua mãe o experimentou e ficou parecendo uma verdadeira princesa árabe. Ela era tão bela quanto você! Mas ela não se prendeu aos nossos encantos, sua mãe tinha a alma livre, independente demais para viver sob nosso cuidado e zelo... Eu nunca consegui desfazer desse vestido... Seu pai carregou no coração por muitos anos a tristeza de sua partida... E agora eu compreendo os caminhos de Alá... Esse vestido será de minha neta! A neta primogênita de meu único filho! Esse vestido carrega os sonhos de uma mãe que desejava ardentemente pela felicidade de um filho! Nesse vestido está a chave para uma vida feliz e digna.
Os olhos de Aisha se iluminaram pela presença de infinitas lágrimas se formando. Se emocionou de imediato quando Azura lhe revelou sobre a história daquele vestido, tendo como protagonista sua saudosa mãe.
Azura sorriu e enxugou as primeiras lágrimas com suas mãos no rosto de Aisha. Ela pegou o vestido e colocou na frente do seu corpo e ambas olharam fascinadas no espelho a frente na parede.
__ Allah te trouxe até aqui para viver a história que sua mãe se negou a viver... Não a motivos para tristeza nesse rosto tão belo minha querida neta! Saiba que colherá frutos doces das lágrimas que hoje seus olhos derramam...
Aisha se sentia uma verdadeira covarde, não tinha voz para rebelar contra tudo que estava acontecendo a ela. Sua mãe foi uma verdadeira heroína diante da opressão que viveu e conseguiu dizer não e partir. Ela sentia estar petrificada pelo medo, não fazia ideia de como agir. Era como se o destino que sua avó tanto dizia existir a puxasse sem piedade ao seu posto final.
A angústia dilaceração seu coração, havia muitas dúvidas se realmente sua decisão em se sacrificar pela felicidade de sua irmã Munira era o melhor a ser feito. "E por mim, que m se sacrificaria? Ela se perguntou em silêncio enquanto caminhava de volta ao pomar.
Aisha já tinha a resposta para essa pergunta que se formava em sua mente atribulada pela tristeza. Ninguém poderia trocar de lugar com ela, estava completamente só no problema que se encontrava. Era uma realidade difícil de acreditar que era real. Não poderia ser real tanta incoerência na vida da forma como era a dela.
Mas do que adiantaria se lamentar, derramar lágrimas solitária para desabafar sua dor? Ninguém poderia se compadecer dela.
Resistir a tudo e a todos seria a solução? Se pelo menos estivesse no seu país onde as leis se aplicavam de forma diferente poderia sair daquela situação vitoriosa.
Quantas vezes reclamou de sua vida quando algum problema enfrentava, aquele instante sim era digno de grande lamentação, mesmo
sabendo ser inútil...
...
Hassan chegou de uma das fábricas de seu pai ao entardecer, buscou refúgio no trabalho para escapar dos muitos pensamentos que lhe roubavam a paz. Em muitos desses pensamentos sua mente de prendia a imagem do rosto angelical e melancólico de sua noiva. Como era possível existir tanta tristeza na dona de olhos tão belos e expressivos? Se perguntava Hassan ao tirar chave do contato.
Assim que fechou a porta do automóvel pode notar a presença de sua irmã em sua direção. Ela parecia aflita, com a face pálida e olhos inchados.
Ghayda parecia muito nervosa e estaria ali diante do irmão para lhe pedir ajuda. Hassan estava exausto, mas sua irmã caçula poderia distraí-lo de seus pensamentos e dedicou sua atenção a ela.
___ Gostaria de ir a casa do Zayn ainda essa noite... Nosso pai me proibiu de encontra-lo até o casamento... (Disse Ghayda quando finalmente encontrou os olhos do irmão)
___ Daqui a dois dias é o casamento, porque essa impaciência toda? Se nosso pai a proibiu nada posso fazer... você sabe mais do que ninguém que não passo por cima de suas ordens... Se você tivesse essa mesma prudência que eu, hoje não estaríamos em uma situação complicada...
___ Você sabe que amo Zayn... eu sinto muito pela irmã dele, mas por outro lado acho que ela é muito sortuda por casar-se com um homem maravilhoso como você! Você se faz de durão, tenta imitar nosso pai, mas no fundo tem um coração cheio de misericórdia... não vai deixar sua irmã em desespero essa noite e vai me levar até Zayn... Você ainda terá a oportunidade de ver sua noiva... eu vi como você ficou interessado por ela, como seus olhos brilhavam intensamente na direção da irmã de Zayn...
Hassan sorriu, era inacreditável como sua irmã o persuadia tão facilmente. Ela teve razão em apenas uma coisa, estava realmente ansioso por ver Aisha novamente. Dois dias para o casamento estava se tornando uma eternidade.
Aquela noite chuvosa os dois filhos de Khan Al-Abadi resolveram serem cúmplices de uma "pequena" mentira ao dizer que levaria Ghayda para assitir a um filme no cinema. Seu pai não fez nenhuma objeção quanto ao passeio dos filhos naquele início de noite, mas ordenou que não demorassem para retornar.
...
Zayn ficou extremamente surpreso com a visita que os aguardava na sala de estar aquela noite. Não imaginava que poderia ver o rosto de sua amada noiva antes do dia do casamento. Karina serviu uma taça de suco aos convidados e ficou ali ao lado do filho no sofá observando sua futura nora.
Hassan olhava inquieto para a escada que seguia para os dormitórios da casa, pensando onde poderia estar Aisha aquele momento. A chuva se intensificou lá fora e os pingos grossos no telhado faziam um barulho alto.
Azura chegou na sala de estar e os filhos de
Khan Al-Abadi beijaram sua mão. Ela sorriu para eles e perguntou a nora de ela sabia se Aisha havia retornado para casa. Todos se olharam assustados para a anciã que perguntava o paradeiro da neta. Então ao receber a resposta negativa de Karina ela explicou as visitas porque se preocupava com a ausência de Aisha:
___ Aisha é muito teimosa, disse que iria dar uma volta para conhecer nossas terras... Com a desculpa que precisava de ar puro ela saiu às 16:30 da tarde e até agora não retornou. Com essa chuva forte caindo lá fora me preocupo com sua segurança, afinal estamos no campo, não há lugar para se proteger da chuva... E sem contar que essa menina não conhece muito essa região pantaneira, pode de perder ao tentar voltar... (Azura foi perdendo as forças e o ar)
Se empalideceu e foi amparada por Zayn que a ajudou a se sentar. Hassan se levantou da poltrona ao lado da irmã e se mostrou nervoso com as revelações de Azura:
___ Fique calma vovó... Aisha é muito esperta... Lembra do dia em que ela me encontrou na estrada... ela saberá voltar para casa... (Disse Zayn na tentativa de acalmar a avó e ter tempo de pensar onde sua irmã teria ido).
Karima pegou o celular e imediatamente ligou para Ahmad Al-Sabbah.
Ghayda foi até a cozinha para providenciar um chá para a senhora Azura que estava muito abalada com o sumiço da neta.
Na sala Zayn olhava impaciente pela janela e apenas a chuva forte e os relâmpagos fazia presença. Hassan sem conseguir seu nervosismo se dirigiu até seu cunhado:
__ Você sabe onde sua irmã pode ter ido? ou pode estar na casa de alguma amiga... Há outras casas por aqui... (fala Hassan)
Zayn encara os olhos de Hassan e fica ainda mais agitado:
___ Aisha não tem amigos... Na verdade ela nunca saiu de nossa casa desde que chegou do Brasil... Ela só tem a nós sua família...
___ Talvez podemos encontrá-la... Podemos sair e dar uma averiguada aos arredores...
Hassan então propôs ao cunhado que deveriam ir procurá-la. Azura que ouvia a conversa se levantou e foi devagar na direção de Hassan. Ele se surpreendeu com os olhos cheios de lágrimas da matriarca daquela família a lhe implorar sua atenção:
___ Por amor a Alláh, encontre minha Aisha e a traga para mim... Há 30 anos atrás perdi minha filha caçula, que também se chamava Aisha... Meu coração parou de bater uma vez... não suportarem passar por essa dor novamente... por favor meu filho traga minha Aisha... (A voz de Azura sumiu e só permaneceu audível seus solução)
Hassan não teve palavras para consolar-la e tudo que pode fazer foi beijar sua mão buscando sua benção.
Sairám os dois pela porta, a passos largos, sem rumo de baixo da forte chuva que em segundos os encharcou. Zayn se encarregou de pegar duas lanternas e entregou uma a Hassan.
Aisha prometeu a avó que seria apenas um passeio aos arredores da terra de seu pai e que voltaria antes do por do sol. Ela estava encantada com a beleza natural daquele lugar que pertencia a sua família paterna. A vegetação era de uma beleza impressionante. Havia em Aisha o desejo pela paz e a encontrou na natureza que rodeava a casa de campo.
Ela caminhou livremente pelo imenso campo de girassóis e a sensação de felicidade a surpreendeu. Ela não imaginava que poderia sentir-se tão bem depois de haver tanta tristeza em seu ser. Simplesmente se esqueceu de tudo que se passava em sua vida e se deu uma chance ainda que tão breve para sorrir.
Correu pelo campo verdejante, deitou na grama alta, perseguiu pássaros e borboletas e ousou subir em uma frondosa árvore que lhe revelou as loginquas terras de seu pai.
Ficou deitada no chão a sombra dessa mesma árvore quando seus pensamentos lhe fez retornar a realidade. Lembrou-se com grande saudade de sua mãe e foi inevitável as lágrimas que rolaram por sua face. Sua paz se desvaneceu em segundos dando lugar a uma profunda angústia. Entregue aos seus pensamentos cheio de angústia nem percebeu que o dia havia findado no exato instante que o sol começou a se despedir no céu.
As cores vibrantes daquele por do sol a sua frente lhe alertou que já estava tarde e deveria retornar a casa como havia prometido a sua avó Azura...
Porém Aisha não esperava que aquele lindo céu salpicado de cores quentes poderia se transformar em um céu cinza, anunciando uma torrida tempestade.
As primeiras gotículas da chuva umideceu seu rosto a assustando. Tudo se escureceu, o medo a dominou. Aisha não fazia ideia do caminho de volta para casa. A falta de luz a impedia de enxergar a pequena trilha pela qual percorreu.
Movida de desespero tentou encontrar abrigo debaixo de uma pedra em forma de caverna, mas a chuva continuou a molhando ali dentro. Não tinha outra alternativa a não ser caminhar e tentar por um "milagre" o caminho de volta em meio aquela tempestade que a assustava.
Os estrondos dos relâmpagos a fez entrar em Pânico, ao acelerar seus passos acabou tropeçando em um galho solto no chão e cortou sua perna. A calça jeans estava molhada e o sangue do corte se misturava a chuva.
Aisha não sabia para onde se refugiar e já estava sem esperanças de voltar para sua casa em segurança.
Havia almejado tanto fugir de sua casa, da família de seu pai, desse casamento arranjado que tirava seu sono, mas aquele instante perturbador, tudo que ela mais desejava era voltar para a casa em segurança.
Pela primeira vez olhou para o céu e fez uma prece, ela havia se afastado de sua fé em Deus depois de ver afundando em tantos problemas. Mas aquele momento sua alma sentiu necessidade de pedir socorro e assim fez. Encolhida perto de uma porteira, com a chuva embaçando sua vista, ela fez sua oração em silêncio, apenas movia seus lábios e derramava suas lágrimas.
O socorro que ela implorou foi enviado a poucos segundos. Hassan a encontrou, fragilizada, desesperada encolhida no chão chorando baixinho com a cabeça entre as mãos. Os cabelos castanhos cobriam sua face. Ele tocou seu rosto com a luz forte da lanterna e fez com que ela se despertasse e se levantasse assutada olhando para o estranho a sua frente.
Ela o reconheceu, ele estava muito próximo a ela e a luz da lanterna lhe revelou dois olhos verdes, feito duas esmeraldas a encara-la:
___ marhaban hal 'ant bikhayrin? Olá você está bem? (Falou Hassan em árabe) Se esqueceu completamente que Aisha era estrangeira e que sabia ainda com dificuldade seu idioma. Então falou em português novamente:
___ Você está bem?
Aisha nada disse, estava petrificada diante de seus olhos. As lágrimas ainda ousavam cair. Apesar de constrangida diante daquele homem que seria em breve seu marido, ainda sentiu aliviada e agradecida por ter sido encontrada.
Aisha tremia de frio e imediatamente Hassan tirou sua blusa e colocou sobre suas costas. Colocando a mão com cuidado em seu ombro a trouxe para perto de seu corpo e a fez caminhar.
Caminharam em silêncio todo o trajeto de onde estavam até a casa do campo. Não haveria palavras alguma para que pudessem expressar o que sentiam naquele encontro inesperado e ao mesmo tempo desejado.
Hassan tinha certeza do que sentia pela jovem estrangeira que era sua noiva, não havia mais dúvida que a amava em tão pouco tempo de convivência. Não seria correto e nem prudente de sua parte confessar diante dela esse amor. Com certeza ela não compreenderia, não poderia conquistar sua noiva de forma tão imatura. Palavras não seriam suficientes para chegar ao coração tão machucado de Aisha. Ele deveria se conter, deveria ter paciência para esperar chegar o momento certo de abrir seu coração e falar sobre sentimentos.
Aisha não sabia como agradecer por ter chegado em casa em segurança. O trajeto até sua casa lhe proporcionou sentimentos confusos, misturados a medo, raiva e constrangimento. Hassan demonstrou ser um cavaleiro ao lhe oferecer seu casaco para aquece-la e a surpreendeu ainda mais quando a segurou bem perto de seu corpo e assim caminharam até a entrada da casa de campo.
Enquanto caminhavam, seus pensamentos iam do céu ao inferno em questões de segundos. Estava agradecida por ter sido resgatada da tempestade, mas a presença de Hassan a incomodou. Ele teve a ousadia de coloca- lá em uma situação muito embaraçosa quando a manteve ao lado de seu corpo. Aisha sentiu medo, pois lembrou das palavras de alerta de sua saudosa mãe que lhe dizia quão opressor é um homem árabe.
Esse homem árabe que lhe foi dado como noivo se mostrava "manso" demais perto do que conhecia sobre "o opressor e agressivo" árabe das experiências traumáticas de Marina.
Mas Aisha de manteve na defensiva, não poderia deixar que aqueles olhos tão sedutores e cheio de mistério pudessem enganá-la tão facilmente assim.
Conseguiu respirar quando finalmente entraram na varanda da casa. Hassan sentia que Aisha tinha medo dele, era visível esse temor tanto em seus olhos assustados quando miravam em sua direção, quanto na sua forma de se afastar dele, como ela tinha achado de fazer.
Ter essa certeza deixou seu coração entristecido, pois não seria nada fácil conquistar a confiança de alguém que o temia.
Aisha se esforçou para encarar seus olhos novamente antes de entrar pela porta da sala e lhe disse:
__ shkran! Obrigado!