Capítulo 8 A primeira dança

Aisha havia sido rigorosamente instruída por sua avó como deveria se comportar sendo a noiva. As regras de etiqueta para uma noiva nós costumes árabes eram preciosas e soavam estranho para qualquer jovem do ocidente.

Apesar do nervosismo e da irritação que sentia todas as vezes que se dava conta do que fizeram com sua vida, ela ainda teve forças para se conter e obedecer em tudo que lhe pediam.

Olhava suas mãos, a aliança brilhava, ela era oficialmente uma mulher casada o que na verdade significava que pertencia a um homem. E esse "pertencer" não soava nada romântico com toda mulher desejava ao se casar, mas para Aisha esse pertencimento era sinônimo de propriedade. Hassan tinha direitos sobre ela, muitos dos quais ela ainda não fazia ideia.

O som dos instrumentos de percussão se iniciou pelos músicos presentes e que se vestiam como árabes tradicionais. Usavam vestidos largos na cor dourada e turbantes pretos na cabeça. A música se intensificou seu ritmo e as batidas ecoavam por toda a extensão do salão.

Um grupo de homens fizeram um semicírculo ao redor dos noivos e começaram ali uma dança.

A dança é marcadas por pisadas de pés (ou dabkeh, em árabe a palavra significa sapatear/bater no chão com o pé), aplausos e gritos. O dabkeh é uma dança que requer energia e força e geralmente assume a forma de um semicírculo ou "fila" com os dançarinos. Normalmente, há um líder entre os dançarinos, chamado de "raas" ("cabeça" em árabe), que tem o papel de conduzir.

Assistindo toda aquela cena o coração de Aisha se inquietou, sabia que o momento de dançar com seu noivo chegaria e estava apavorada quanto a isso.

Geralmente nos casamentos árabes a dança dos noivos é a primeira cerimônia após o casamento se concretizar, mas como era evidente que Aisha estivesse assustada sua avó solicitou aos organizadores da festa para deixar a dança tradicional dos noivos para o final.

E assim seguiu as apresentações da festa. Após o dabkeh, surgiram lindas mulheres adornadas em roupas tradicionais, muitas jóias que reluziam. Os músicos iniciaram uma música mais melódica e com ritmos mais suaves e pausados. Conhecida no ocidente como dança do ventre, a dança encantava os olhos dos convidados. Mas os olhos do noivo estavam presos ao rosto de Aisha. Nada poderia ser mais interessante em seu casamento que sua esposa sentada ao seu lado. Aisha percebia seu olhar sobre ela, o que lhe causou sentimentos de raiva e angústia. Estava apavorada para que tudo aquilo tivesse fim e ela pudesse descansar de tanta agitação.

Em outra ocasião poderia até ser seduzida por aquela festa cheia de cores, brilho e música. Afinal Aisha tinha o espírito alegre, cheio de vigor, apreciava a dança, a música, mas naquele momento ela só queria paz e silêncio e deixar que sua dor fosse expressada pelo choro que estava há horas retendo.

Hassan se levantou e parou em sua frente oferecendo sua mão. Aisha piscou os olhos devagar para compreender o porque deveria segui-lo.

Hassan não esperou que ela aceitasse se levantar, sua mão permaneceria estendida o deixando constrangido diante dos convidados. Segurou sua mão com firmeza e a puxou para o semicírculo que era formado pelos convidados.

Sua atitude provou a ela o quão dominador ele seria, que a partir daquele instante Aisha não teria mais vontade própria, ele se mostrava um típico marido árabe "opressor" como sua mãe sempre lhe contava.

Aisha teve desejo de se rebelar, se livrar da mão dele, se afastar para bem longe onde ninguém pudesse perturba-la. Mas não encontra coragem para assim fazer. Permaneceu imóvel diante de seu marido.

Os instrumentos novamente iniciaram uma nova música, era o momento aguardado por todos, a tradicional dança dos noivos.

Até na dança Aisha pode compreender qual era o papel da mulher na sociedade patriarcal libanesa. O homem conduzia os movimentos, mostrava que era superior, mais forte e dominador. E a mulher cabia o lugar de submissão, passividade e obediência. Sua avó e as esposas de seu pai lhe ensinaram os passos básicos da dança tradicional e lhe revelaram o significado de cada movimento tanto executado pelo homem como pela mulher.

Na tradição libanesa a dança dos noivos era motivo de muita alegria, para celebrar a união. O homem tinha movimentos bem marcados e expressivos, com fortes batidas de braços e pés, marcando seu território, mostrando que era o líder, o cabeça, o protetor e o provedor de sua esposa. Os movimentos delicados da mulher lhe mostravam sua fragilidade, sua feminilidade e sua beleza dedicada somente ao marido. Ela deveria ser graciosa e meiga para servir de agrado aos seus olhos. E assim com muito ensaio e falta de paciência por parte de Aisha, ela conseguiu executar seus movimentos diante de todos os convidados.

Aisha olhava no fundo dos olhos de Hassan a medida que dançavam. Perdia o ar a cada movimento. Sentia que em algum momento suas pernas não suportariam mais o peso do seu corpo. Mas se fez de forte, era algo que aprendeu com as mulheres libanesas, engolir o choro e fingir que estava bem.

Hassan ficou surpreso de ver como Aisha dançava bem e executou todos os movimentos da dança tradicional com muita habilidade e segurança. No momento em que dançavam ela não escondeu seu olhar dele como sempre fazia, mas o encarou sem medo, como se quisesse aniquila-lo com o olhar. Ele podia sentir toda sua indignação e sua raiva. Sua expressão firme a deixava ainda mais atraente.

Só perceberam que havia finalizada a dança com os aplausos dos convidados. Hassan sorriu para, que não expressou nem um tipo de sentimento. Aisha estava exausta e procurou sentar-se novamente. Agradecia em silêncio por já ter passado o momento que ela tanto temia, a dança com seu marido.

Não foi nada fácil manter os olhos em seu rosto, enquanto ela estava despedaçada por dentro, Hassan parecia uma rocha, nada o abalava. O ódio que ela sentia por ele aumentava a cada movimento que executavam.

            
            

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