Tudo aquilo e suas pesquisas sobre o universo árabe serviram para despertar em Marina o ódio por sua cultura e forma de viver. Tudo que ela queria era fugir dali e sufocar o amor que tinha por aquele homem.
__ Seu pai tentou me convencer a ficar no pais e se casar com ele, prometeu que nossa vida seria diferente, que não seria como eu imaginava, com agressões e privações. Mas eu não queria promessas, queria viver minha vida com a liberdade que tenho. E quando descobri que estava grávida peguei o próximo voou para o brasil e deixei tudo para trás. Os estudos, os amigos e meu único amor, seu pai! (Disse Marina sem perceber que as lágrimas rolavam por seu rosto)
Aisha ouvia sua mãe com atenção, sentia muita pena dela e não se sentia bem em presenciar seu sofrimento. Tentou consolá-la com seu abraço:
__ Mamãe, mas e se as promessas de meu pai fossem verdadeiras?
Marina enxugou a face, encarou o rosto da filha:
__ Eu fugi por você! Para te proporcionar uma vida tranquila, se fosse criada na família de seu pai talvez nem estudar no ensino médio você iria!
__ A senhora disse "Talvez", portanto não tinha certeza de que tudo seria tão ruim como imaginava. Eu compreendo que tenha sofrido e sempre pensou no meu futuro. Mas ele tinha o direito de viver a paternidade que você escolheu tira-la dele...
Pela primeira vez na vida Aisha julgava sua mãe com palavras, pela primeira vez Marina sentia o peso do seu passado através da boca de sua filha. E foi muito desagradável encarar os olhos de Aisha e encontrar ali julgamento. Mais uma vez Marina subestima a filha, lhe concedendo apenas a passividade para compreender as coisas. Espera apenas compreensão e gratidão por suas decisões, mas para sua surpresa a filha lhe surpreendia o contrário:
__ O direito a paternidade é algo que nas terras árabes não se conhece como aqui no Brasil! Se você pesquisou tanto sobre a família de seu pai deveria saber que a mulher que se separa do marido não tem direito de ficar com a guarda dos filhos! Você acha que eu seria capaz de entregar você a seu pai, lhe condenando a um futuro longe de mim e infeliz? Se eu escolhesse dar a luz no Líbano, seu pai teria todo o direito sobre você e a tomaria de mim...
Aisha se mostrou tensa com o rumo que aquela conversa tomava. Uma coisa sua mãe tinha razão, ela já sabia basicamente quase tudo a respeito da cultura de seu pai e todas as coisas que sua mãe tentava justificar era parte do que Aisha já havia pesquisado. Porém Aisha não estava tão apavorada quanto sua mãe em ter consciência da realidade daquele povo. Marina esperava que a filha tivesse a mesma repulsa e revolta ao descobrir como viviam seus parentes no oriente médio e não que a filha se mostrasse insensível.
Marina se levantou do gramado, sentia uma tensão muscular muito grande próximo a nuca. Respirou fundo e voltou a olhar Aisha, que parecia tranquila mesmo diante de revelações sobre sua chegada ao mundo.
__ Eu não espero que me perdoe pelas escolhas que fiz, mas que entenda que tudo que fiz foi para protege-la! Eu amava seu pai Aisha, amei tanto que até coloquei em você o nome de uma irmã dele que morreu de anemia aos dois anos de idade e ele era muito ligado a ela. Mas, não poderia escolher entre amar um homem e sacrificar a vida da minha filha sob as regras rígidas de uma cultura que oprime mulheres. Escolhi abandonar esse amor, por sua felicidade... não me arrependo nem um dia se quer dessa escolha. Hoje você é como eu sonhei! Uma moça linda, cheia de vida, de sonhos e o mais importante: Você é livre!
Aisha não estava disposta a magoar mais sua mãe com sua forma de compreender aquilo. Para ela sua mãe errou mesmo achando que estava fazendo algo correto. Aisha não achava justo em esconder de seu pai que eles tiveram uma filha e que vivia há dezoito anos no Brasil.
Por essa razão depois dessa noite Aisha passou a intensificar sua pesquisa a respeito de sua família. Buscou meios de se conectar a seus parentes, descobriu uma família grande e numerosa que vivia em um vilarejo no Líbano Karaoun (também chamada de Araon ou Al Karaon) é um vilarejo localizado no Vale do Beqaa, no Sudoeste do Líbano. O vilarejo se destaca por ser banhado pela represa do rio Litani. Por longos períodos do dia e da noite em suas horas vagas Aisha desvendava os segredos da sua história que sua mãe se empenhou a ocultar por anos. Descobriu que seu pai tinha duas esposas Fatma e Karima. E com as esposas tinha no total de seis filhos. O mais velho Ali era apenas um ano mais novo que Aisha e os demais todos crianças.
Aisha era muito sozinha, sentia falta de irmãos e ao descobrir que tinha seis irmãos ficou encantada e admirava todos os dias os rostos de seus irmãos nas redes sociais. Enquanto sua mãe lhe passava uma imagem negativa dos árabes devido a sua experiência, Aisha buscava sua própria forma de interpretação de uma cultura tão diversificada. Aisha era uma moça muito inteligente e sabia que a maldade humana não estava impregnada em uma nação ou povo, a maldade para Aisha estava no ser humano independente de etnia ou religião.
Naquela noite antes de se deitar ela foi desejar boa noite a sua mãe e a flagrou bebendo uma taça de vinho. Para sua mãe se mostrar tão fraca perante o álcool era porque realmente não estava bem e o motivo disso era a conversa que elas tiveram aquela noite no gramado.
Marina bebeu um volumoso gole do vinho e sentiu satisfeita com a presença da filha aquele momento:
__ A senhora está bem? (Disse Aisha se aproximando da cama)
Marina sorriu, fez que sim com a cabeça e deixou que o choro saísse sem constrangimento na frente da filha. Aisha retirou a taça de vinho de suas mãos e a depositou sob o criado mudo.
__ Ahmad Al-Sabbah, ficaria tão orgulhoso de saber que tem uma filha tão perfeita como você! (Disse Marina acariciando o longo cabelo castanho da filha)
__ A senhora precisa deixar o passado para trás! Esse dia chegaria para nós duas. Agora o inevitável vai acontecer mamãe! Eu quero conhecer meu pai, quero tocar o rosto dele, abraçar meus irmãos... Mas isso não significa que abandonarei a senhora. Você irá comigo e estará o tempo todo ao meu lado para evitar que a família do meu pai me sequestre.
__ Está ficando louca Aisha? Eu jurei nunca mais pisar naquela terra. Esse segredo sobre você seu pai nunca saberá, eu carregarei para o túmulo e a proíbo de ir para lá entendeu?
O que Aisha digitou foi em Português, ela estava muito emocionada por estar conversando com sua irmã que se esqueceu de ir no google tradutor para converter seu dialogo em Árabe e acabou digitando tudo na sua língua. E o que ela escreveu foi assim:
__ Sou sua meia irmã! Moro no Brasil há 19 anos. Minha mãe se relacionou com seu pai no passado. Minha mãe escondeu de meu pai e de seus familiares a gravidez e fugiu para o Brasil. Faz quatro anos que acompanho vocês pelas redes sociais. Tenho muita vontade de conhecer meu pai e todos da minha família que moram ai.
Samira visualizou o texto que Aisha lhe enviou e enviou alguns emojis que se mostravam confusos. No mesmo instante Aisha retornou a realidade e tentou apagar sua mensagem, o que foi impossível já que Samira tinha visualizado segundos antes. O desespero tomou Aisha, ela se arrependera de ter feito tamanha loucura e nem poderia contar a sua mãe. Depois se acalmou ao imaginar que sua irmã não fosse inteligente o bastante para traduzir o texto que ela enviara. Pensar sobre aquilo lhe proporcionou um momento de paz, pelo menos se tranquilizou por aquela noite e adormeceu.
Durante o café da manhã Aisha chegou ao refeitório da pousada com o véu que a cigana havia perdido. Sua mãe observou a filha enquanto tomava seu café:
__ Que véu é esse? (Disse Marina ao notar o véu negro em suas mãos)
Aisha sorriu e colocou o véu sob seus cabelos e depois o prendeu no rosto deixando apenas a mostra seus olhos para fora:
__ O que a senhora acha? Fico bonita com um hijab? (Disse sorrindo para a mãe)
__ Nunca achei bonito esse véu tampando a beleza da mulher, acho uma opressão... (Disse Marina ignorando a filha que brincava com o véu)
__ Nem tudo é opressão mamãe! Algumas mulheres vêem beleza na forma como se vestem! Eu acho muito elegante, se eu usasse gostaria de ter véus de todas as cores...
Marina olha para Aisha com olhar cheio de repreensão. Tomaram seu café em silêncio e foram explorar as montanhas a cavalo. Sua mãe lhe contou que tinha uma importante conferência no Canada e não poderia leva-la, mas a deixaria na casa de sua irmã para não ficar dois meses sozinha. Aisha concordou e enquanto sua mãe lhe ditava regras de como se comportar na casa de sua tia Dália, Aisha apreciava a natureza a sua volta.
Quando retornaram do passeio e o sinal de internet da pousada se conectou ao seu celular as mensagens começaram a dar sinais. Aisha foi para a varanda e se sentou em umas das confortáveis cadeiras de balanço que havia ali. Marina lhe disse que iria tomar um banho e depois se deitar.
O coração de Aisha quase saiu para fora quando ela viu mensagens de Samira e de um outro perfil de um homem árabe que ela não conhecia. Eram muitas mensagens e o nervosismo que ela sentia não lhe possibilitou fazer a tradução com coerência. Sua alternativa era enviar as mensagens para seu professor e aguardar que ele fizesse o favor de traduzi-las.
Aisha aguardou quase uma hora a resposta de seu professor e devorou o texto traduzido de todas as mensagens. Primeiro ele traduziu as mensagens de sua irmã Samira:
Que absurdo é esse que está me dizendo?
Como pode ser minha meia irmã?
Você é brasileira?
Como achou meu perfil?
È alguma espiã?
Enviarei sua mensagem ao meu pai.
Não brinque com minha família garota!
E depois as mensagens do desconhecido árabe:
Sou o advogado da família de Ahmad Al-Sabbah, precisamos conversar!
Ahmad Al-Sabbah nunca teve conhecimento de uma filha que mora no Brasil, você poderia vir ao Líbano para realizar o exame de dna? Qual é o contato de sua mãe? O nome dela é Marina Resende?
Ahmad Al-Sabbah não tem redes sociais, mas reconheceu sua mãe em uma de suas fotos. Ele quer uma resposta com urgência. Vai assumir a paternidade. Podemos pagar sua viagem até o Líbano. Aguardamos sua resposta o mais breve possível.
Após ler e reler por muitas vezes essas mensagens Aisha estava em completo pânico. Ela havia prometido a sua mãe que não buscaria por seu pai enquanto ela vivesse. Estava tremendo e mal podia ficar com o celular em suas mãos. Uma ligação a assustou ainda mais, mas para seu alívio era seu professor Hajji:
__ Aisha que história é essa?
__ Não sei o que te dizer, mas é a pura verdade... sou filha de Ahmad Al-Sabbah. Acabei enviando mensagens a minha meia irmã e o resultado foi isso que você traduziu para mim.
__ E você está planejando ir para o Líbano? As escondidas de sua mãe, como as suas aulas de Árabe? (Perguntou Hajji)
__ Sim! Preciso conhecer meu pai, meus irmãos e sem minha mãe saber. Você é a única pessoa que poderá me ajudar...