Capítulo 3 Pérolas de ouro

E tudo saiu exatamente como planejado, Aisha inventou uma história de que iria visitar um amigo e passaria o resto das férias na sua casa. O tal amigo fictício era o professor Hajji, que foi o halib de todo o plano de fuga de Aisha. Ele se comprometeu a ajuda-la pois Aisha era uma aluna muito dedicada e divulgou em suas redes sócias seu curso de idiomas, o que o contribuiu para que ganhasse muitos alunos. Antes de pegar o voo para o Líbano, combinou de tirar muitas fotos juntos, gravaram vídeos aleatórios para confirmar a sua mãe e a sua tia que realmente estava visitando esse amigo.

O dinheiro que tinha era o que seu pai havia lhe enviado por meio de seu advogado Ali. Aisha enviou sua conta bancaria e em poucos minutos sua conta estava com uma quantia considerável de dinheiro. A viagem foi tranquila, em que ela passou a maior parte do tempo olhando as fotos de sua família libanesa.

Por alguns momentos sentia-se uma péssima filha em ter inventado uma mentira tão grande para sua mãe. Imaginava o quão apavorada ela ficaria se descobrisse o verdadeiro destino de sua filha.

Hajji passou informações importantes para Aisha se comportar como turista em terras árabes. As palavras e frases árabes que ela já dominava já era o bastante para passar uma temporada no oriente médio.

Quando chegou na plataforma de desembarque se surpreendeu com a presença de vários homens de ternos pretos segurando cartazes com seu nome. Constrangida com aquilo ela acenou para eles, que se aproximaram como se a escoltasse. O advogado Ali se apresentou:

__ Fez uma boa viagem? (Disse Ali se mostrando gentil em carregar suas bagagens até o carro)

Aisha fez que sim, estava surpresa com o fato do advogado de seu pai falar perfeitamente o português. Ela estudou tanto palavras de cortesia em árabe e foi recepcionada por alguém que fala sua língua.

Ali abriu a porta de um carro que mais parecia uma van, era cinza prateado, vidros escuros e parecia ter saído da funilaria aquele momento. O coração de Aisha estava apertado, ainda não acreditava que estava pisando nas terras de seu pai.

No carro o motorista conversava em árabe com o advogado, ela se esforçou para entender o que falavam, mas não foi possível pela emoção e medo que ela passou a sentir. Olhando pelo vidro podia contemplar a paisagem exótica do Líbano, presenciara muitos coqueiros, arbustos e palmeiras. Seu coração ainda estava aflito, ela pensava se era mesmo uma boa ideia ter mentido de maneira absurda para sua mãe e ir ao encontro de seu pai. Aisha não pensou nos riscos dessa viagem e nem mesmo na possibilidade de se tornar prisioneira em uma terra desconhecida. Pensar aquele instante naquilo a apavorou e na frente do advogado começou a chorar. Ali gentilmente tentava acalmá-la. Lhe ofereceu uma garrafa com água. Aisha aceitou a água e tentava respirar.

Depois de 15 minutos na rodovia e mais meia hora na estrada de terra e cascalho chegaram por fim em um vilarejo. A paisagem daquele lugar era como se voltasse no tempo. Não havia casas com construções modernas e nem prédios. Havia muitas crianças brincando pelas ruas estreitas, mulheres varrendo as calçadas e idosos conversando em pequenos bancos de madeira de baixo da sombra de árvores.

O carro estacionou em frente uma clínica médica. Aisha imaginava que primeiro fosse a casa de seu pai para conhece-lo, mas estava surpresa de antes realizar o exame. Ela ainda não tinha esse conhecimento sobre os árabes, mas eles eram muito desconfiados e, portanto, era normal naquela situação antes de colocar uma estranha na mansão de Ahmad Al-Sabbah, verificar com provas concretas que ela era mesmo sua filha como havia dito nas mensagens.

Ali acompanhou Aisha até a sala de exames e ela não pode perceber a presença de seu pai e seu irmão mais velho que os observava em um carro estacionado do outro lado da rua da clinica.

__ E se ela for mesmo sua filha pai? (Perguntou Zayn ao pai)

Ahmad Al-Sabbah tinha os olhos fixos em Aisha, lembrava de Marina na sua juventude ao ver Aisha. Mesmo que os exames ainda não tinham revelado o resultado, seu coração sabia que aquela moça era sua filha, sua primogênita. Fruto do verdadeiro amor que sentia por Marina.

__ Se ela for minha filha... Serei seu pai e tentarei compensar todos esses anos que vivi sem saber de sua existência... (Disse Ahmad Al-Sabbah se mostrando emocionado)

Eles deixaram o carro e caminharam em direção a clínica. Ahmad Al-Sabbah ordenou que seus homens permanecessem vigiando a entrada da clínica para que saíssem em segurança. Ali os encontrou e os convidou para se sentarem na sala de espera para aguardarem o resultado que ficaria pronto em meia hora.

__ Como ela está? (Perguntou Ahmad Al-Sabbah)

__ Muito nervosa e ansiosa! Me confessou que queria muito conhecer você e sua família, mas que veio sem o consentimento de sua mãe, e que precisa voltar ao Brasil o quanto antes. (Disse Ali)

__ Essa mulher escondeu do meu pai a filha que era dele e ainda vai querer toma-la de nós? (Disse Zayn)

__ Meu filho tem razão! Se eu tiver uma filha que foi tirada de mim há mais de dezoito anos, não permitirei que ela deixe nossas terras. (Disse Ahmad Al-Sabbah ao advogado)

Em outra sala Aisha aguardava impaciente por respostas. Estava ainda mais tensa com aquela espera, se sentindo completamente sozinha em um mundo desconhecido, como se fosse apenas um sonho tudo aquilo. Olhava com atenção o curativo do lugar onde retirou o sangue de seu braço direito. Estava confusa, se sentindo culpada por ter feito tamanha loucura em procurar por seu pai. Pensava em sua mãe, no quanto ficaria decepcionada com ela ao descobrir toda a verdade.

Uma enfermeira interrompeu seus muitos pensamentos e entrou na sala lhe mostrando o caminho para segui-la. Aisha pegou sua bolsa e a seguiu por um longo corredor. A poucos metros estava Ali, seu pai e seu irmão. Reconhecer seus rostos lhe proporcionou uma grande emoção. Ali segurava o exame em suas mãos e pela cara de surpresa que estavam eles já sabiam o resultado do exame.

Aisha não podia mais caminhar, ficou imóvel perante seu pai. Ele por sua vez foi ao seu encontro e a abraçou forte, em meio a lágrimas beijava seu rosto:

__ Allah abençoou com mais uma filha! (Disse Ahmad Al-Sabbah)

E para a surpresa de Aisha ela conseguiu traduzir perfeitamente o que seu pai lhe dizia em meio a emoção. Porém ela não conseguia dizer uma palavra sequer, estava sem ação diante da realidade que vivia. Seu irmão a cumprimentou com um aperto de mão e lhe desejou boas-vindas. Ali então lhe entregou o exame lhe confirmando que era realmente filha de Ahmad Al-Sabbah.

Aisha estava desesperada, pensou que o encontro com seu pai colocaria paz em sua alma, mas muito pelo contrário, estava ainda mais aflita. Se recusou a entrar novamente naquele carro. Que destino a levariam novamente? Precisava ligar para sua mãe, contar a verdade e retornar ao Brasil. Tentou dizer isso a Ali, com muitas palavras soltas, o nervosismo a impedia de raciocinar enquanto tentava com dificuldade se comunicar.

Ali compreendeu que ela queria ir embora, não só ele, como também seu pai e seu irmão que a observavam:

__ Aisha (Disse Ali encarando seus olhos) você fez uma longa viagem até aqui, precisa de um tempo para descansar. Vamos até a casa de seu pai e amanhã conversaremos sobre o que quiser entendeu?

Aisha estava confusa, recordava das palavras de sua mãe dizendo do quão opressor era ser mulher no oriente médio. Na época ela achava ser exagero por parte de Marina, mas aquele instante cercada pelos homens que trabalhavam para seu pai, ela teve a certeza que estava sendo oprimida sem ter feito nada. Só queria que eles entendessem que ela não poderia ficar ali, que deveria partir.

Ali insistia para que ela entrasse no carro, mas Aisha sentia muito medo de tudo aquilo, ela se afastou ainda mais se mostrando assustada. Foi então que Ahmad Al-Sabbah resolveu agir. Pediu aos homens para deixarem o local, permanecendo apenas seu filho e o advogado. Ele via o pânico nos olhos de Aisha, assim como muitas vezes presenciara esse mesmo medo nos olhos de Marina.

Ahmad Al-Sabbah abriu a porta do carro e pediu que a filha lhe obedecesse. Aisha chorando muito entrou naquele automóvel e sentiu que pela primeira vez em sua vida não poderia fazer escolhas por si própria. Um nó na garganta se formara, como se arrependera de ter enviado aquela insensata mensagem a sua irmã.

Quando chegaram a mansão de seu pai um grupo de pessoas os esperavam na frente da casa. Uma senhora idosa foi a primeira a cumprimentar Aisha, Ali a apresentou como sua avó, mãe de seu pai. Seu nome era Azura. Ela lhe deu três beijos no rosto e pronunciou palavras árabes, lhe desejando prosperidade e vida longa.

Seus tios e tias, primos e parentes próximos da família estavam presentes para recebe-la. Seus irmãos e irmãs ao lado das esposas de seu pai a surpreendeu com abraços calorosos. Aisha estava atônita com tudo aquilo e era emoção demais para poder suportar e acabou desmaiando na frente de todos. Foi amparada por Ali que a levou às pressas para um quarto.

Quando voltou em si, muitas mulheres estavam cercando a cama, sua vista ainda estava embaçada, via nitidamente as cores dos véus, as joias realizaram contra a luz e segundos depois pode ver seus rostos. Sua irmã Samira as apresentou:

__ Essa é minha mãe Karima, essa minha tia Fatma que também é esposa de meu pai. E eu sou Samira. Você já me conhece. Quando me enviou as mensagens achei que fosse alguma brincadeira, mas agora sei o quanto tu és verdadeira. Fico feliz em ser abençoada com mais uma irmã! Minhas irmãs são muito pequenas e vai ser muito interessante ter uma irmã quase da minha idade...

Aisha ainda estava chocada com tudo e não conseguia responder a sua irmã nem mesmo um obrigada "shukran".

As mulheres que ali estavam presente usavam vestidos longos de cores fortes, muitas joias que realizaram, em cor dourada e com certeza era ouro puro _ Imaginou Aisha enquanto observava tudo com atenção e curiosidade. Todas estavam com seu hijab. Samira se destacava ao usar um véu muito bonito, deixando uma amostra considerável de mecha loira de cabelos na testa e caindo alguns fios pelo pescoço, o que lhe deixava ainda mais bela.

Fatma e Karima as esposas de seu pai eram belas mulheres ainda jovens, permaneceram ali conversando de forma sussurrada e observando Aisha com desconfiança. Até que uma empregada entrou com uma bandeja de comida e água. Elas deixaram o quarto para que Aisha se alimentasse mais à vontade. A empregada não era de conversar e tinha a cara "de poucos amigos" apenas deixou a bandeja sobre a mesa e deixou o quarto fechando a porta.

Aisha não sentia a mínima vontade de comer aquele momento. Precisava encontrar uma forma de escapar da mansão de seu pai e retornar o mais rápido possível para o Brasil. Pegou seu celular e tinha muitas mensagens de Hajji e de sua mãe. Ela precisava acalmá-los. Primeiro respondeu as mensagens de Marina dizendo que estava bem na casa de seu "amigo", enviou as fotos que tirara antes de ir para o aeroporto aquela manhã. Isso deixaria sua mãe tranquila por algum tempo. Depois respondeu as mensagens de seu professor:

__ Estou desesperada Hajji. Meu pai não me deixa voltar. O advogado Ali disse que no dia seguinte poderei conversar com eles sobre meu desejo de voltar ao Brasil, mas estou com pouquíssimas esperanças de que retornarei...

__ Isso é muito grave Aisha e você está sozinha nessa confusão. Eu te avisei que as coisas poderiam sair do controle, mas você insistiu que queria ir até ai para conhece-los. Espera até o dia seguinte e tenta explicar a eles sobre sua necessidade de retornar ao Brasil. Tenha fé que tudo vai dar certo. Estou torcendo por você! Pode contar comigo!

Aisha respirou fundo e resolveu se levantar da cama. Apesar de zonza conseguiu caminhar até a janela. Olhou a impressionante vista daquele lugar. A mansão ficava afastada da cidade entre uma parte de floresta virgem e uma represa a poucos metros.

Por mais que estivesse assustada com o rumo que sua vida tomou diante de suas decisões, aquele lugar misteriosamente lhe fazia se sentir em casa. O medo era apenas um convite a conhecer ainda mais de perto o desconhecido. Faltava-lhe o ar ao ter consciência que poderia não ter a chance de escapar daquele lugar que mais parecia uma fortaleza. Pensar em sua mãe aumentava o seu desespero. Precisava manter a calma e pensar com sensatez sobre o que poderia fazer para amenizar a confusão que ela mesmo buscou com suas próprias mãos.

A primeira coisa que fez foi tirar sua jaqueta jeans, somente aquele momento perceberá o quanto aquele lugar era terrivelmente quente e abafado.

Havia uma majestosa penteadeira, com muitos perfumes, caixas de joias lotadas de colares de ouro, pedrarias que ela mesmo não conhecia os nomes de cada pedra que realizaram diante de seus olhos. Mas era encantador, fixou os olhos no espelho e viu-se refletida, estava pálida, com o semblante descaído. A luz do brilho daquelas joias iluminavam seu rosto sombrio e sem cor.

Um som de batidas na porta interrompeu sua observação na penteadeira de joias. Samira entrou e segurou em sua mão, sem nada dizer a levou para fora daquele quarto.

__ Há muita emoção nessa casa! Como nunca vi antes em toda nossa vida! (Disse Samira enquanto arrastava Aisha pelo longo corredor de quartos)

Quando finalmente chegaram ao salão principal, Aisha pode então se surpreender com uma festa improvisada por seu pai para lhe dar boas vindas. Em questão de minutos de sua chegada a mansão Al-Sabbah uma festa foi organizada. Os empregados em grande número espalhados pelo enorme salão serviam os convidados, que em sua maior parte eram pessoas da família e conhecidos do patriarca. Havia um grupo musical, composto por homens uniformizados de árabes tradicionais que tocavam seus instrumentos. O ritmo convidava todos para dançar e muitas pessoas já se aglomeravam perto do grupo de músicos para apreciar a melodia de perto. Algumas crianças dançavam e brincavam correndo por ambas as partes do salão. Era realmente um cenário impressionante, como se Aisha estivesse em um clube particular para uma festa. Ela estava desconfortável com a situação que nem sequer por um instante imaginou viver. Era totalmente diferente de tudo que pesquisou sobre sua nova família na internet, era ainda mais incrível viver aquela experiência nova e assustadora.

Seria essa a sensação que sua mãe sentiu quando chegou pela primeira vez no Líbano? Teria tanto medo que sua intensão fosse fugir diante dos olhos de todos? Como poderia dividir esse sentimento com ela? Ela teria seu coração machucado cheio de decepção por saber que a filha mentiu para arriscar sua vida em um lugar que ela tanto amaldiçoou.

Com os pensamentos acelerados, cheio de ressentimentos por ter mentido para sua mãe, Aisha não conseguia relaxar. Seu estômago se contorcia, lhe dava ânsia de vomito. E tentou se afastar daquela multidão que a olhavam com curiosidade.

Encontrou abrigo na parte externa da mansão, finalmente pode respirar fundo, por várias vezes, como se o ar não fosse suficiente para seu pulmão. Os olhos cheios de lágrimas embaçam sua visão, mas não deixou de ver os homens que trabalhavam para seu pai de vigília no portão principal da mansão. Precisava contar a verdade a sua mãe, sentia que algo ruim pudesse acontecer e ela se arrependeria amargamente por ter mentido daquela forma tão fria. Respirou fundo mais uma vez e pegou seu celular no bolso da calça jeans para mandar um áudio explicando tudo a Marina sobre o que ela fez, quando Ali e seu pai se aproximaram.

Aisha ficou tímida com o olhar de seu pai e do advogado sobre ela. Não saberia explicar a razão pela qual os homens árabes a intimidavam tanto e lhe deixavam vulnerável. Seria talvez por conviver com uma pessoa que os odiava tanto como sua mãe? Marina fazia os homens árabes serem os únicos vilões do universo, as histórias que ela sempre contava não deixava nenhum papel de bondade para os personagens homens. Em todas as situações Marina os colocava como opressores, agressivos, abusadores e ditadores. Na interpretação fragilizada de Aisha que cresceu ouvindo as horrendas histórias de sua mãe sobre o mundo árabe ela associou a imagem masculina como o "causador de dores". Por isso todos os adjetivos pejorativos que sua mãe lhes dava terminava com as letras "ores", opressores, ditadores...

E com essa mesma interpretação Aisha olhava com repulsa para o homem que era seu pai. Aisha se afastou a medida que eles se aproximavam e logo perceberam o pavor em seus olhos. Ahmad Al-Sabbah recuou e pediu que Ali os deixasse a sós. Ali obedeceu ao pedido de seu patrão e saiu a passos largos, retornando para o salão.

Seu pai tinha os olhos ainda mais belos pessoalmente, observou Aisha. Era um homem alto, a barba grisalha e volumosa escondia um sorriso que ele poderia ter ao contemplar emocionado a filha. Era um homem muitos poderoso, tanto de posses como de respeito em sua comunidade, porém para a filha queria parecer inofensivo, para não a assustar mais do que já se mostrava diante de si:

__ Eu guardo há dezoito anos... (Disse Ahmad Al-Sabbah)

Ele lhe entregou um envelope de cor parda, Aisha estava paralisada diante de seus olhos, mas segurou o envelope que ele lhe entregava. Aisha abriu o envelope e ficou alarmada com a fotografia que seus olhos contemplavam. Era sua mãe quando jovem, abraçada a Ahmad Al-Sabbah. Ambos jovens e apaixonados, dava para sentir o amor que tinham um pelo o outro apenas pelos olhos e pelo sincero sorriso. Aisha se deu conta então do quanto era parecida com sua mãe, o mesmo olhar meigo, o formato do rosto delicado, a cor do cabelo, até mesmo o corte que escolhera aquela época era um corte parecido com o que seu cabelo dourado estava.

__ Você é muito parecida com Marina... Eu já sabia que era minha filha, quando Samira me mostrou sua foto no celular... Pode me entender? (Disse Ahmad Al-Sabbah)

Aisha estava surpresa em ver seu pai tão fragilizado diante dela. Não combinava com um homem de aparência viril e forte como ele aquele estado precário de emoção em que se encontrava. Fraqueza era um adjetivo negativo que não poderia dar a nenhum homem árabe.

Apesar do medo, das palavras de apelo de sua mãe maldizendo a cultura árabe e os homens em geral, Aisha sentiu pena de seu pai e teve uma nítida vontade de abraça-lo aquele momento, só não o fez por estar ainda insegura diante de um completo desconhecido.

Ahmad Al-Sabbah lhe mostrou uma poltrona e pediu para que ela se acomodasse ali. Aisha caminhou devagar e sentou-se na confortável poltrona cor de carmim, sentiu seu tênis afundar no tapete de pelos. A mansão de seu pai era um verdadeiro palácio de conto de fadas, por sentia que estava sonhando ao viver tudo aquilo. Seu pai também se sentou em outra poltrona de frente a ela e ficou a observando em silêncio. Ali retornou com dois empregados que os serviram com chá.

__ Queremos que passe o contato de sua mãe, lhe contaremos a verdade sobre sua presença na mansão de Ahmad Al-Sabbah. Poderemos enviar dinheiro para que ela venha até você! (Ali dizia pausadamente em português para que Aisha compreendesse a gravidade da situação)

__ Espere! (Disse Aisha interrompendo a fala de Ali) Não quero que conte nada a minha mãe! Eu decidi por livre e espontânea vontade vir conhecer meu pai e estarei de partida na manhã seguinte.

__ Ahmad Al-Sabbah não permitirá que retorne ao Brasil. Ele assumiu a paternidade sobre você! Os documentos serão emitidos, ele pode decidir se você parte ou não de nossas terras! (Disse Ali não poupando dessa vez as palavras em português com o sotaque puramente árabe)

Aisha sorriu de nervoso e se levantou da poltrona. Encarou os olhos passivos de seu pai, que parecia já esperar por sua reação.

__ Vocês não tem direito de me prender aqui! Não sou uma criança, no meu pais dezenove anos já nos torna maior de idade para decidir por nos mesmos! Traduza em alto e bom tom ao meu pai. Não ficarei aqui! (Disse Aisha alterada pela raiva que sentia)

__ No seu pais as leis são diferentes da nossa! Aqui em nossa terra um filho é responsabilidade dos pais até o casamento. Deveria ser grata por ser filha de Ahmad Al-Sabbah. Vai te proporcionar uma vida luxuosa e confortável, muitas jovens da sua idade gostariam de ter essa sorte. (Completou Ali encarando os olhos assustados de Aisha)

Aisha não suportava mais olhar para aqueles dois homens com ar imponente a sua frente. Ela deixou aquele cômodo às pressas, buscando um lugar calmo para pensar no que poderia fazer. Estava ansiosa com o que acabara de ouvir do advogado de seu pai. Literalmente ela estava presa naquela mansão e não haveria quem pudesse salvá-la. O choro chegava com força, encostada a parede, tremendo, tentava ligar para sua mãe. "Ela me avisou sobre tudo isso... Eu fingi que a escutava, eu achava que era exagero, que era tudo da cabeça dela. Mas agora eu estou aqui, no mesmo lugar que ela esteve antes do meu nascimento... Estou sozinha e desesperada... O que eu fiz? E se eu nunca mais ver minha mãe? O que eu faço?

Sua mente estava confusa para pensar com cautela em uma solução para o problema que enfrentava. O pânico lhe dominava aquele momento e tudo que foi capaz de pensar em fazer foi fugir.

Enquanto espiava por de traz da parede para observar se enxergava seu pai ou o advogado, tentava ligar para sua mãe, mas para seu desespero o celular de Marina só dava sinal de caixa postal. Não seria correto mandar uma mensagem revelando tudo que ela estava vivendo. Marina não compreenderia. Aisha tentaria realizar a ligação com esperança de que ela pudesse atender.

Chegando devagar a saída da mansão respirou aliviada de encontrar o majestoso portão aberto. Dois homens conversavam distraidamente e não viram que ela passava por ali. O coração chegava a bater em desespero, Aisha sentia que a qualquer momento perderia as forças e fosse desmaiar. Mas se manteve firme, mesmo apavorada de medo continuou em sua fuga.

A estrada de terra a sua frente estava vazia, a poeira do chão se levantava formando pequenos redemoinhos. Aisha olhou para trás e viu a mansão de seu pai ir ficando para trás. Ele começou a correr, precisava se manter o mais longe possível das terras de seu pai e buscar ajuda na cidade. Encontrar alguma embaixada brasileira para conseguir voltar ao Brasil.

            
            

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