Capítulo 9 A primeira noite

Um banquete de comida representando a culinária árabe foi servido, era impressionante a quantidade de doces sobre uma única mesa que fazia parte da decoração. Aisha era amante de chocolate e comer alguns foi como encontrar refúgio para seu desespero. Saborear aqueles chocolates proporcionou um prazer necessário.

A comida ela pouco tocou, estava ansiosa sentada ao lado de Hassan. Agradeceu infinitamente quando sua irmã Samira a salvou e a levou para perto da mesa de doces. Permaneceu ali comendo chocolates e trufas enquanto ouvia sua irmã lhe elogiar:

___ Você está mil vezes mais linda que a noiva de Zayn. Olha como ela é exibida! Fica indo de mesa em mesa mostrar a quantidade de ouro que tem. Não sei explicar mas não me simpatizei por ela. O que você achou da nossa cunhada Aisha?

Aisha observou Gaydha por um instante, realmente Samira tinha razão em sua observação. A irmã de seu marido compartilhava sua felicidade de modo extravagante demais, se mostrando orgulhosa e soberba. Mas Aisha pouco se importava com isso, sua aflição era muito maior que os gracejos da esposa de Zayn.

___Ela só está feliz... Pessoas felizes às vezes não conseguem controlar suas emoções... já pessoas infelizes comem chocolates... ( fala Aisha colocando outro brigadeiro na boca)

___ Aisha não fale assim! Você vai ser muito feliz ainda! Tudo isso faz parte do processo para chegar a felicidade... Você encontrou um homem bom, Hassan saberá te conquistar...

As palavras de Samira enfureceu Aisha a tal modo que no mesmo instante ela perdeu o apetite pelos saborosos chocolates que devorava.

Os olhos de Aisha fuzilaram Samira que tentou acalma-la inutilmente. Nada do que Samira dissesse em relação a Hassan podia deixa-la tranquila.

Pensar que aquela noite ele a possuía como mulher deixou seus nervos a flor da pele. Nem mesmo os conselhos de sua avó para ser paciente e generosa na noite de núpcias faria com que sua raiva por aquele momento amenizasse.

Não estava disposta a entregar sua virgindade a um estranho, ainda mais um desconhecido que ela odiava. Dessa vez não abaixaria sua cabeça como sempre fez aos pedidos de sua avó. Ela se defenderia, tinha dignidade suficiente para enfrentar um homem, nem que lutasse com ele não se entregaria ao marido que lhe arranjaram.

Seu pai evitava olha-la nos olhos, a culpa estava lá alarmada em seus olhos tristes.

Mas ele buscou coragem para se despedir da filha que o tempo lhe deu. A filha que era fruto do seu único e verdadeiro amor. A quem aprendeu amar com toda sua alma e daria sua vida para fazê-la feliz. Se sentia mal em ter proporcionado tanta tristeza aos belos olhos de Aisha e em silêncio a abraçou. Não haveria palavras capazes de tirar sua angústia diante dela.

Aisha queria ser sincera com o pai e dizer que ele estava perdoado e que não tinha culpa de nada, mas o choro saiu e apenas se ouvia os soluços abafados no peito de Ahmad Al-Sabbah . Ele acariciou seus cabelos, lhe beijou a testa e tentou sorrir para ela, o que foi impossível, pois as lágrimas cobriram o rosto do poderoso libanês.

Aisha entrou em desespero, não queria deixar seu pai para ir embora com um homem estranho. Agarrou em seu pescoço e se negava a deixá-lo. Seu choro era ouvido por todo o salão, nem mesmo a música animada que tocava no alto falante pode abafar os soluços de Aisha.

Seu choro não era tanto por se despedir de seu pai, porque pouco tempo teve para ter uma relação de afeto com ele nesses três meses, mas seu desespero era um pedido de socorro por tudo que tinha vivido até o momento. A morte de sua mãe, sua nova vida no Líbano, um casamento arranjado e a despedida da família para ir viver com o marido. Tudo aquilo resumia suas lágrimas.

As esposas de seu pai também não conteram as lágrimas e tentavam convencê-lo a deixar Ahmad Al-Sabbah e partir com seu marido que a esperava.

Hassan assistia a cena da despedida a poucos metros dali, não queria assusta-la ainda mais com sua presença. Ele sabia que aquele choro não era pela despedida, mas por sua causa. Deu um longo suspiro e caminhou na direção de Aisha. Era seu marido, deveria intervir e terminar com aquilo antes que a situação saísse do controle.

Hassan segurou em seu braço com cuidado e a puxou. Aisha não resistiu, ainda chorando se afastou de seu pai. Hassan a conduziu para fora do salão, a música foi sumindo a cada passo que davam, as vozes das pessoas também se abafou e ela só ouvia seu coração batendo feito um louco.

Havia um carro branco estacionado na entrada do Clube, um homem trajado de terno preto os cumprimentou e abriu a porta. Hassan agradeceu pela gentileza, mas apenas pegou a chave do veículo de suas mãos e ainda segurando no braço de Aisha abriu a porta para que ela entrasse.

Hassan sentou em seu lugar ao volante, colocou a chave no contato e acionou o botão.

Aisha fez esforço para respirar após os soluços e depositou sua cabeça no vidro da porta e ali ficou. Em absoluto silêncio, sem conseguir pensar em mais nada.

Não era mais dona de seu destino, a menina sonhadora, cheia de planos que sonhava ser médica assim como sua mãe, estava entregue a um profundo estado de angústia que a deprimida.

O homem ao seu lado que era seu marido dirigia aquele carro, sem lhe dizer uma palavra. Mas o que Hassan poderia dizer que Aisha gostaria de ouvir? Não havia absolutamente nada em sua mente para confortar sua mulher. Hassan era paciente e cauteloso com as palavras, não queria piorar a situação constrangedora entre eles. Sabia que tudo aquilo não estava sendo fácil para ela e queria ajudá-la de alguma forma, mesmo com seu silêncio.

...

Zayn aceitou o presente do sogro com alegria, não esperava que depois de ter quase morrido por seus homens pudesse ainda receber um presente do pai de Ghayda.

Ele lhe pagou a viagem a Paris como era o sonho da filha. Quando se despediam no salão, entregou ao genro as passagens. Emprestaria seu avião particular para que pudessem viajar naquela mesmo noite para a França.

Khan Al-Abadi ofereceu o mesmo presente a Hassan que recusou, não queria uma viagem romântica com uma mulher que desejava se ver livre dele. Preferiu levá-la para uma pousada aconchegante onde pudessem conversar e deixar claro as coisas entre eles.

Zayn despediu de seus pais e de sua avó Azura, era notório a felicidade em seu rosto. Como Ahmad gostaria que essa mesma felicidade fosse também de Aisha. Pensar na filha o preocupou.

Karima abraçou forte o filho e beijou sua nora, estava feliz que no final tudo tenha dado certo. Ela temia que seu filho morresse pela sede de vingança de seu sogro, mas estava agradecida pela reviravolta que foi aquela situação e seu filho estava bem e feliz.

Uma ponta de de remorso nasceu em seu coração em lembrar que a felicidade estampada no rosto de seu filho se devia ao sacrifício de Aisha.

A única pessoa que havia salvado Zayn da morte e da humilhação foi a filha bastarda de Ahmad Al-Sabbah que ela desprezou desde o primeiro instante que a viu.

Aisha era exatamente a cópia perfeita da aparência física de Marina, a única mulher que despertou o amor em seu marido.

Ela lembrava de Marina ao lado do homem que ela amava, se lembrava dos muitos dias de sofrimento em saber do desprezo de Ahmad quando mostrava que estava perdidamente apaixonado pela estrangeira.

Karima estava destinada a casar com Ahmad Al-Sabbah por conveniência de suas famílias e negócios empresariais, sabia que o amor não era um privilégio de todas as mulheres árabes. Mas estava disposta a fazer desse casamento sua rota de fuga, seria fiel ao homem que se tornaria seu marido.

Porém quando descobriu que seu noivo a traia com uma mulher brasileira sua vida se tornou um verdadeiro inferno.

Muitas vezes ela desejou a morte de Marina, tinha um ódio descomunal por ela e ao saber que ela havia deixado uma filha a Ahmad Al-Sabbah, sua raiva de multiplicou.

Lembrar do quanto fez mal a Aisha para punir os pecados de sua mãe a deixou aquele final de festa desconfortável diante do marido. Sentiu náuseas, e um arrependimento se fez em sua alma.

Estava disposta a pedir o perdão de Aisha a quem ela tanto ódiou e só lhe fez bem ao se sacrificar por Zayn.

...

Um funcionário da pousada recolheu as malas no carro e a levava para o interior do prédio. Pelo que Aisha notou a pousada era uma enorme casa e se localizava em uma parte isolada da cidade. Pode ouvir o som do mar mediterrâneo, que estava apenas a alguns metros dali. Mesmo a noite, com pouca iluminação, dava para notar quão bonito era aquele lugar. Se Acha estivesse ali apenas como turista saberia dar atenção com mais entusiasmo a cada detalhe que se apresentava. Mas sua realidade era tensa e não lhe permitia abrir os olhos para a beleza ao seu redor.

Hassan não se importava em segura-la pelo braço e tirá-la do carro. Ele não fazia isso usando sua força ou com intenção de machuca-la, mas o fazia e irritava Aisha. Em sua interpretação, as atitudes e comportamento de seu marido só lhe provava o quanto sua mãe tinha razão sobre a brutalidade dos homens árabes.

Enquanto caminhava arrastada por Hassan para a parte interna da pousada, ela remoia seu sentimento de ódio por ele. Se ele estivesse disposto a domina-la, ela estaria mais disposta ainda a resistir e a enfrenta-la como nenhuma mulher libanesa já ousou.

Na recepção da pousada uma mulher gentil, de olhos serenos, vestindo um longo vestido cor de caqui, sorriu alegremente quando o casal aproximou. Aquela mulher que usava um hijab espalhafatoso, com diversas cores e texturas, era a dona da pousada. Já havia agendado a reserva do poderoso empresário Hassan Al-Abadi e estava ansiosa por recebê-lo, afinal não era sempre que hospedava pessoas tão poderosas e importante.

Aisha encontrou um momento de paz nos olhos daquela mulher que ainda era uma desconhecida. Enquanto seu marido parecia já saber fazer tudo o que era necessário para a hospedagem, Aisha passou a observar a pousada. Se afastou dele por aquele momento. Precisava se distrair para não enlouquecer. Não poderia passar o resto daquela noite odiando Hassan e amaldiçoando seu destino.

Estava determinada a enfrentar o que viesse pela frente de cabeça erguida, com a força do ódio e da mágoa que havia na sua alma.

Enquanto Hassan transferia o dinheiro para a conta da dona da pensão, concentrado em seu aparelho celular, a senhora de olhos ternos e gentis se aproximou de Aisha.

___ Marhaban aismi dalila. 'awadu 'an 'atamanaa lak kula altawfiq fi zawajiki. bark allah fi hadha alaitihadi.

Ola, me chamo Dalila. Quero desejar muitas felicidades no seu casamento. Que Allah possa abençoar essa união.

Aisha tentou sorrir e não demonstrar sua indignação quando ela mencionou a palavra união. Não tinha porque receber votos de felicidades diante de um casamento arranjado sem o mínimo de afeto.

Dalila não era tão ingênua assim, podia perceber de longe que a jovem esposa de Hassan estava com a alma cheia de amargura. Gostaria de ajudá-la de alguma forma, para passar por aquele processo de maneira mais suave. Se sensibilizou com a dor de Aisha.

Dalila ainda teria uma oportunidade de chegar ao coração de Aisha e ajudá-la a passar por aquele "cálice amargo" .

Hassan se aproximou e mostrou em seu celular o comprovante da transferência que havia feito a dona da hospedagem. Ela agradeceu e entregou a chave do quarto.

Hassan apoiou sua mão nas costas de Aisha e a instruiu a caminhar em direção ao corredor.

Nesse instante seu coração começou a bater na garganta e o ar se limitou em seu pulmão. O momento mais temido de sua vida estava se aproximando e Hassan não sentia a menor culpa. Se mostrava intocável com o medo estampado nos olhos de Aisha.

Caminhando pelo longo corredor de quartos, Hassan apontou para a porta que tinha o número "28". Ela jamais esqueceria esse número, seria marcado ali naquele lugar o número da maior desgraça da sua vida.

"Ele a estupraria?" Como muitas vezes soube por sua saudosa mãe, que muitas mulheres árabes passavam por essa dor, que esse tipo de comportamento opressor era característico de um casamento no oriente. "Ele poderia agradi-la" Pensar em tudo aquilo causou náuseas e seus olhos se encheram de lágrimas. Era como viver em uma história de terror. Mas sua realidade gritava a sua volta, o sentimento de medo de tudo aquilo era real e seu "opressor" caminhava do seu lado a mantendo firme sob seus braços, como se temesse uma tentativa de fuga.

Se ela pudesse claro que fugiria, era tudo que mais queria desde que entendeu como seria sua nova vida no Líbano. Mas se fugisse as consequências viriam. Zayn poderia ser morto e Munira entregue a Hassan. Pensar sobre aquilo lhe enjôou, respirou fundo e procurou se acalmar.

Hassan pegou a chave do quarto e a colocou na fechadura, após duas voltas da chave dourada a porta se destrancou. Ele colocou a mão com firmeza na maçaneta e fez sinal com a cabeça para Aisha entrar na sua frente. Ela obedeceu sem exitar. Suas pernas como por vontade própria, sem que ela pudesse recusar, andavam por si só para o interior daquele quarto.

Aisha olhou ao seu redor e pode observar como todos os móveis e decoração eram tipicamente da cultura árabe. Havia uma cama de casal, forrada com uma colcha bordada de mosaicos e flores na cor vermelha. Criados mudos de cada lado da cabeceira da cama e ambos ostentavam dois abajures em formato de pérola e a luz enfraquecida enchia aquele lugar.

Havia também como conjunto do jogo de quarto um armário de madeira rústica, com flores entalhadas o que tornava o móvel original e delicado. Uma pequena penteadeira, com espelho e uma banqueta com almofada com a mesma cor da colcha na cama.

Uma imenso tapete azul cobria o chão e naquele momento Hassan fez algo e lhe disse:

___ Na nossa cultura tiramos o sapato que usamos lá fora e pisamos no interior da casa com sapatos próprios, que não tocaram nas impurezas da rua, do mundo exterior e dessa forma não trazemos nenhuma impureza para dentro do nosso lar ... (Dizendo essas palavras ele se abaixou e tirou os sapatos)

Ficando só com a meia em seus pés voltou a olhar Aisha. Ela se mostrou perdida dia te de seus olhos, mas fez o mesmo. Mas foi impedida do Hassan, que segurou seu braço com delicadeza. Ele se ajoelhou no chão novamente e tocando o pé de Aisha retirou com cuidado seu scarpim branco cheio de cintilantes pérolas pequenas. Era o sapato mais bonito e bem feito que havia visto. Samira havia escolhido para ela quando faziam compras um dia antes do casamento.

Esse gesto de Hassan fez explodir sentimentos estranhos em seu ser, ela ficou tensa, e seu rosto queimou. As mãos de Hassan foi ágil para retirar os sapatos de seus pés, de forma que isso não a fosse constrangedor, mas natural.

Assim que ele se levantou e se colocou na frente dela, seus olhos se encontraram. Hassan sentia o desejo que tinha por ela aumentar em seu ser, poderia tê-la em seus braços aquele momento, mas não queria que fosse nada forçado além do casamento já ser traumatizante para ela. Respirou fundo e se conteve.

___ Pode ir ao banheiro se trocar... vou fazer algumas ligações... (Ele disse desviando os olhos)

Aisha respirou aliviada, por um momento acreditou que ele a violentaria, ela imaginou que fosse forçada a ter relação íntima com um homem estranho e isso estava sendo seu pior pesadelo até aquele momento.

Porém se surpreendeu com o comportamento inesperado de seu marido libanês. Ele apenas gentilmente retirou seus sapatos e pediu que ela fosse se trocar com privacidade.

Aisha mais que depressa pagou sua mala e se trancou no banheiro. Somente ali naquele cômodo pode respirar com naturalidade. Sua garganta estava seca, seus olhos úmidos anunciando a chegada das primeiras lágrimas. E assim em silêncio deixou o choro lavar sua alma.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022