Foi até o salão e fez com que os músicos parassem de tocar a música. Suas filhas menores correram para perto de suas mães e ficaram ali encolhidas ouvindo os gritos ensurdecedor de seu pai. Azura tentou acalmar o filho, lhe ofereceu chá, mas a raiva de Ahmad era implacável, nem mesmo sua mãe a quem ele tanto respeitava e obedecia pode acalmá-lo.
Enquanto Ahmad Al-Sabbah colocava uma tropa de seus homens na busca de Aisha, ela já estava longe o bastante da mansão para ter esperanças de que em breve estaria em sua casa, e teria acordado daquele terrível pesadelo que vivia.
Os pés já doíam de andar, as pernas bambas pareciam perder o equilíbrio a qualquer momento, mas não desistiria, pensar em sua mãe lhe dava motivos para continuar correndo para escapar dali.
Mas de repente seu irmão surge na estrada bem a sua frente. Zayn, estava ofegante e quando viu a irmã caminhou em sua direção. Aisha apavorada com a chegada inesperada de seu irmão, pensou que ele poderia impedi-la de fugir e tudo que fez foi correr.
Zayn gritava por Aisha, mas sua voz emudeceu por falta de força e caiu no chão. Aisha diminuiu os passos, deixando de correr e olhou para trás ao ouvir o som do corpo de Zayn bater contra os cascalhos da estrada de terra. O que ela contemplava a deixou ainda mais desesperada, seu irmão estava ferido, o sangue era nítido em sua camisa branca. E aquele momento ele estava desfalecido no chão. Ela tinha duas opções, deixar seu irmão desmaiado para ser socorrido por algum homem que trabalha para seu pai e assim continuar sua fuga em direção a cidade, ou ajuda-lo de alguma forma para evitar remorsos mais tarde se caso ele morresse ali sozinho na estrada.
Aisha começou a chorar, não sabia o que fazer, temia por sua vida ali naquela terra estranha, mas não poderia ser cruel a ponto de desejar a morte de alguém de sua família. Alguém tinha ferido seu irmão e ela deveria ajuda-lo.
Ao lado da estrada tinha uma casa abandonada, uma casa pequena, caindo aos pedaços, feita de madeira. A solução foi arrastar Zayn até a casa, em busca de sombra e água para eles.
Zayn era um ano mais novo que Aisha, mas era bem mais alto, muito forte e foi muito difícil arrastá-lo sozinha até a entrada da casa. Aisha estava quase sem ar puxando o irmão. Zayan gemia de dor a cada tentativa da irmã para ajudá-lo. O sol estava contra eles e cada vez mais quente ficava àquela hora da tarde. Depois de muito esforço, e sentindo incapaz de respirar após entrar na casa velha com seu irmão. Aisha caiu exausta no chão empoeirado.
__ shukran ya akhti_ Obrigada minha irmã! (Disse Zayn olhando com os olhos cheios de lágrimas para Aisha)
Aisha pode ver de perto o ferimento no peito de Zayn, uma bala de arma de fogo tinha perfurado sua pele. Ele ainda gemia de dor, estava transpirando e os lábios estavam roxos. Aisha limpou o suor que escorria por sua face com um lenço que tinha em sua mochila:
__ Precisa ir para um hospital! (Disse Aisha em português)
Zayn segurava forte na mão de Aisha, mas segundos depois foi soltando-a, foi se entregando a dor que sentia e desmaiou. Aisha se desesperou, com muito medo de assistir a sua morte, tudo que fez foi esquecer sua fuga por aquele momento e ir em busca de socorro para salvar a vida de seu irmão.
O sol no alto do céu a castigava enquanto corria em direção a mansão. Não precisou nem retornar, os carros blindados de seu pai a cercaram na estrada e imediatamente os homens a colocaram lá dentro. Aisha tentava explicar a situação em que se encontrava Zayn, mas eles não a ouviam a e levaram de volta a mansão.
Ahmad Al-Sabbah a esperava na entrada da varanda ao lado de Ali. Tinha os olhos fixos em Aisha que se contorcia para que o empregado de seu pai tirasse a mão de seu braço e a deixasse caminhar sozinha:
__ Zayn está ferido em uma casa velha perto da estrada de terra. Precisa de ajuda... (Disse Aisha encarando o rosto de seu pai)
Ahmad Al-Sabbah atendeu uma ligação no seu celular, disse algo sussurrando no ouvido de Ali e deixaram a mansão. Karima ouvindo as palavras de Aisha chegou até ela chorando querendo saber o que tinha acontecido ao seu filho:
__ Você chegou a nossa família trazendo desgraças! (Disse Karima a Aisha)
__ Mãe, por favor! (Disse Samira repreendendo a mãe por ofender Aisha)
Aisha não soube o que responder ao insulto, ela estava atordoada com os acontecimentos que pareciam controlar sua vida de forma totalmente absurda. Tudo que fez foi sair de perto daquelas mulheres que a olhavam com desprezo e tentar mais uma vez ligar para sua mãe em busca de ajuda para voltar ao Brasil. Se refugiou no quarto que lhe ofereceram para se hospedar, trancou a porta e mandou as mensagens para sua mãe, já que suas ligações não eram atendidas.
...
Ali estacionou o carro próximo a casa velha de que Aisha havia falado e sem esperar que Ahmad Al-Sabbah chegasse em outro carro alguns metros distante. Tentou acordar Zayn desfalecido no chão sujo daquela casa, mas ele não respondia, já havia perdido uma quantidade considerável de sangue. Ahmad Al-Sabbah chegou e ficou transtornado em ver o filho ferido. Seus homens rapidamente o pegaram para levar ao carro e as pressas o levaram para o hospital.
Ali permaneceu no hospital aguardando informações do estado de saúde de Zayn enquanto Ahmad Al-Sabbah foi encontrar com o mensageiro de um homem poderoso quanto ele, que morava na cidade vizinha. A ligação que havia recebido Ainda na mansão, lhe informava que tinha mandado matar Zayn. E que em respeito a Ahmad, pouparia a vida de seu filho se aceitasse negociar em nome da honra de sua família.
Ahmad Al-Sabbah não fazia ideia do que seu filho tinha feito para merecer pagar com sua vida. Mas ele sabia muito bem que a justiça acontecia de forma inesperada, não buscavam por direitos, mas por honra. E por mais que amasse muito seu filho, ele estava consciente que Zayn deveria pagar pelo mal que cometeu aquela família.
O mensageiro era um homem idoso, de olhar calmo, mas suas palavras eram amargas para o poderoso Ahmad Al-Sabbah. Sentaram nas cadeiras do lado de fora de um bar que servia chá. O senhor que apresentou por nome de Asaf lhe disse estendendo a mão:
__ salam allah maeak _A paz de Deus seja convosco!
__ tashabuk alsalama _ A paz seja convosco! (Respondeu Ahmad Al-Sabbah apertando suavemente a mão daquele senhor)
__ Venho em nome do respeitado Khan Al-Abadi. Meu senhor, está muito ofendido com a ousadia de seu filho, que nos tirou a dignidade de andar nas ruas de cabeça erguida. Seu filho Zayn desonrou a única filha de meu senhor Khan Al-Abadi. A jovem Ghayda a adorável menina dos olhos do respeitado Khan Al-Abadi. Ambos escondiam um namoro que o meu senhor desaprova, pois já havia prometido a filha em casamento, mesmo sabendo da decisão do pai, a infeliz Ghayda se aventurou nesse namoro proibido e ilícito com seu filho. Hoje pela tarde foram flagrados tentando fugir do Líbano. Um dos homens de meu senhor atirou contra seu filho. Mas Khan Al-Abadi é um homem misericordioso e voltou sua palavra atrás e não pretende matar seu filho, mas quer negociar de forma justa a honra de sua filha. Sabemos que foi abençoado com muitas filhas mulheres. E meu senhor tem um único casal de filhos. Seu filho Hassan, já fora casado alguns anos atrás e por sua esposa ser infiel se divorciaram, ele tem um filho muito pequeno que vive com os avós. Hassan está a trabalho na Europa, é um homem muito rico e prospero, mas que atende aos desejos de seu pai com muita humildade. Meu senhor deseja que uma de suas filhas seja entregue como esposa a Hassan. E assim faremos um só casamento entre seus filhos e os filhos do meu senhor. Seu filho se casará com a preciosa filha de meu senhor e uma de suas filhas se casará com Hassan. Essa é a proposta de meu senhor o respeitado ancião Khan Al-Abadi. Que espera por sua resposta.
Ahmad Al-Sabbah estava emudecido diante aquele senhor, não podia simplesmente dar uma resposta imediata como ele lhe solicitava naquele instante. Estava angustiado e decepcionado com o comportamento de Zayn que ocasionou toda aquela situação constrangedora entre as duas famílias tradicionais do país. Se arrependerá de não ter forçado Zayn casar-se antes de toda aquela desgraça bater a sua porta e roubar-lhe a paz. Como explicaria que aquela proposta estava fora de cogitação? Como diria não ao poderoso Khan Al-Abadi? Como pouparia seu filho da morte se dissesse não aos desejos de Al-Abadi? Zayn desonrou uma família inteira com suas escolhas erradas e agora muitos pagariam por essa imprudência.
Não tinha o que dizer, mas foi obrigado a dar uma reposta ao mensageiro de Khan Al-Abadi. O senhor se despediu com outro aperto de mão e prometeu que em breve marcariam de se encontrar na casa de Ahmad para formalizarem o noivado dos filhos.
Retornando ao hospital encontrou Ali no corredor da ala cirúrgica que aliviou sua angustia lhe informando que Zayn estava fora de risco de vida e se recuperava após retirar a bala de seu peito. Ahmad Al-Sabbah contou ao advogado sobre a conversa que teve com o mensageiro de Khan Al-Abadi. Ali se mostrou ansioso com as revelações. Coçou a barba se mostrando irritado e então expôs ao patrão o que pensava a respeito:
__ O filho de Khan Al-Abadi é mais velho que Zayn, já foi casado... Como poderá oferece-lo em casamento a suas filhas que não chegaram a adolescência? Karima e Fatma não vão aceitar... Ou está pensando em dar Aisha em casamento? Allah pode ter enviado essa sua filha no momento certo, para poupar sofrimento maior as suas filhas menores...
Ahmad Al-Sabbah empalideceu, o advogado havia lido seus pensamentos a respeito de Aisha. Mas no mesmo instante maneou a cabeça reprovando aquela possibilidade:
__ Aisha está muito assustada, vai ser um choque muito grande força-la a isso... Ela vai me odiar pelo resto da vida! (Disse Ahmad Al-Sabbah)
__ Você não tem escolha Ahmad, ou será Aisha, ou será a vida de Zayn. (Fala Ali)
...
Aisha por sua vez compartilhava na solidão daquele quarto a angustia de não conseguir respostas de sua mãe. Ligou para o professor indiano Hajji e pediu desesperadamente que fosse a casa de sua tia saber notícias de sua mãe que não atendia suas ligações. Minutos mais tarde Hajji retornou sua ligação lhe contando que sua tia não estava em casa, mas uma vizinha prometeu entregar o recado. Que assim que ela retornasse pediria que ligasse para Aisha.
Samira entrou no quarto com uma bandeja de comida e suco natural de pêssego. Aisha não escondeu o choro, estava sentada no chão ao lado da cama e ali permaneceu imóvel segurando seu celular. Samira deixou a bandeja sobre uma mesinha de madeira e foi se sentar perto de Aisha:
__ Você salvou a vida de nosso irmão! Ninguém poderia imaginar que ele estivesse ferido... Ali já ligou dizendo que ele está bem! Perdoe minha mãe, ela ficou muito assustada e reagiu daquela forma...
Aisha nada disse, o choro continuava e se recusou a comer. Samira tentava consola lá mas foi inútil. Aisha estava com medo e preocupada com sua mãe que não ligava para saber notícias suas.
A noite então caiu no Líbano, e pela primeira vez Aisha contemplava o céu estrado do oriente. Teve fome e comeu toda a comida que Samira havia levado. Enquanto bebia a taça de suco olhava para as estrelas. Fazia uma prece a Deus para que conseguisse sair com vida daquela mansão e retornar para os braços de sua mãe. A noite não era tão quente como o dia, e após ficar arrepiada com um vento forte que entrava pela janela, resolveu tomar um banho e depois se deitar.
O banheiro era imenso, com uma banheira de porcelana branca decorada de flores em mosaico. Ficou emergida na água quente que aliviava a tensão muscular de todo seu corpo. Respirou devagar e permaneceu ali pensativa em tudo que estava acontecendo em sua vida. O arrependimento batia a sua porta, não deveria ter deixado se levar pela curiosidade e ter se aventurado no desconhecido como havia feito.
Sua mãe poderia perder a cabeça quando lesse suas mensagens e descobrisse que realmente a filha havia feito a loucura de ir ao Líbano conhecer seu pai. Mas na verdade o silêncio de Marina tinha um motivo. E esse motivo faria o coração de Aisha se despedaçar de tanta tristeza...
A água começou a ficar morna e temendo um resfriado resolveu sair da banheira, pegou uma toalha disponível no box e se enrolou. Com a camisa secou os cabelos e foi até sua mochila pegar uma troca de roupa. Escolheu uma calça comprida de moletom e uma blusa de manga curta. Calçou o tênis e foi para a majestosa penteadeira escovar seus cabelos.
Por alguns minutos esqueceu de sua angustia ao pensar em sua mãe e focou seus pensamentos em Zayn. "O que aconteceu a ele? A cena de vê-lo sangrando naquela casa velha na estrada muito a apavorava. Resolveu ir atrás de notícias, já que resolver seus problemas estava sendo impossível aquele momento.
A mansão estava silenciosa e causava medo em Aisha ter que encarar o longo corredor sozinha. Imaginou que todos dormiam cedo naquela casa, mas se surpreendeu com a presença de toda a família na sala, realizando uma prece. Todos estavam diante a uma janela aberta em uma mesma direção (Os mulçumanos têm o costume de realizar suas orações em direção a Meca. Meca situa-se num vale desértico da Arábia Saudita ocidental e é a principal cidade sagrada do Islão, pois é o local de nascimento do profeta Maomé e da própria fé.)
A prece que cada um fazia eram inaudível, apenas moviam os lábios e estavam de olhos fechados. Aisha ficou os observando com admiração. Assim que terminou Samira foi ao encontro dela e a tomando pela mãe a levou até uma das poltronas para se sentar.
Sua avó Azhura deu um sorriso gentil para Aisha o que lhe concedeu um pouco de paz diante dos olhares curiosos de todos. Samira então lhe informou que oravam pela vida de Zayn, implorando para que ele sofresse aquele atentado. Aisha pode notar a tristeza nos olhos de Karima, mas também tinha receio de olhar para a mãe de Samira e Zayn, pois seu olhar destemida ódio.
Prefiriu dar sua atenção a Samira que sempre fora gentil e acolhedora desde o momento em que chegou a mansão. Samira então lhe contou que Fatma era a mãe dos demais irmãos, sendo Munira de 13 anos, Rania de 10 anos, Nashira de 8 anos e Farise de 3 anos. Seu pai fora abençoado com cinco filhas e apenas um filho homem, Zayn. Aisha olhava admirada para suas irmãs, as menores brincavam entre si sentadas no tapete persa ao lado da mãe e a mais velha delas Munira se distraia com o tablete.
Era uma família grande e muito tradicional, tudo muito diferente do que Aisha estava acostumada no Brasil. Mas de repente a saudade por sua mãe bateu mais forte e ela não suportou segurar o choro e pedindo licença deixou a grande sala para se refugiar mais uma vez no quarto.
...
Zayn foi recebido em casa com muita alegria, todo o som das vozes e risos acordaram Aisha as nove da manhã. Sua cabeça latejava. A primeira coisa que ela fez foi olhar seu celular para verificar se tinha alguma mensagem de sua mãe. Mas o aparelho estava desligado sem carga. Rapidamente ela procurou em sua mochila pelo carregador e colocou o celular para receber a carga.
Andou de um lado para o outro ansiosa para que a carga fosse suficiente para liga-lo e saber notícias de sua mãe. Mas batidas na porta a impediu de tentar ligar o celular. Dessa vez não era Samira e para sua surpresa era Zayn. Ele estava pálido mas ainda com o semblante descaído lhe deu um sorriso. Foi até Aisha e a abraçou, ela ficou sem compreender o motivo daquele abraço, mas estava aliviada por ele estar bem:
__ Allah yadfae lak muqabil 'iinqadh hayati! _ Deus lhe pague por salvar minha vida! (Disse Zayn)
Aisha estava muito emocionada aquele momento que não teve oportunidade para fazer a tradução das palavras de Zayn.
Ele não demorou no quarto, sorriu mais uma vez para ela e saiu fechando a porta. Foi então que conseguiu ligar o celular e olhar as mensagens. Para sua aflição havia muitas ligações de Hajji e sua tia irmã de sua mãe. Imediatamente ela ligou para sua tia, com certeza ela teria notícias.
Todos podiam ouvir o choro de Aisha no quarto. O choro de desespero, saia do fundo de sua alma e ecoava por toda a mansão.
Ahmad Al-Sabbah que conversava com Ali no terraço ouviu com espanto o choro de Aisha e ambos foram as pressas para o interior da mansão saber o que acontecia. Na porta do quarto onde se encontrava Aisha estava cercado pelas filhas e esposas de Ahmad Al-Sabbah.
Ele conseguiu abrir a porta e todos entraram curiosos para saber o motivo de um choro tão descontrolado. Aisha soluçava olhando o celular, as lágrimas em abundância corria por sua face. Samira se aproximou a abraçou, procurando entender o que tinha acontecido.
Ali pegou o celular de Aisha e descobriu então a razão para tamanho sofrimento. As mensagens na tela do celular revelavam que Marina havia sofrido um acidente de carro e estava em estado grave internada em um hospital. Ali explicou ao patrão o que afligia sua filha.
Ahmad Al-Sabbah pediu que Ali preparasse os passa portes para levar Aisha até a mãe.
...
Marina só estava esperando pela chegada da filha, para se despedir, ela sentia que a sua hora havia chegado, mas precisava ver pela última vez o rosto de sua preciosa e amada menina. Estava voltando para casa em uma rodovia muito movimentada e perdeu o controle do carro vindo a capotar. O coração teve quatro parada cardíacas, mas ela lutou até o último suspiro para ver Aisha.
Aisha caiu em pranto de choro sobre o peito de Marina, que com pouca força pode dizer "Te amo" e então partiu.
Enquanto ouviam o deprimente choro de Aisha que ecoavam por todo o hospital, Ahmad Al-Sabbah não se envergonhou de deixar que seu advogado o visse chorar. Ele sentia a dor da filha, mas também sentia a dor de perder a mulher que verdadeiramente amou no seu passado. E a perdoou por ter ocultado a existência de Aisha, ele então compreendeu que ela apenas queria proteger a filha de tudo, inclusive dele.
Após o funeral Aisha manifestou a tia que iria morar com seu pai, que ficar no Brasil a faria sentir ainda mais a falta de sua mãe. Aisha não teve forças nem de ir à sua casa buscar seus pertences. Sua tia Marta ficou horrorizada diante de sua decisão. Ela testemunhou de perto a aflição de Marina quando retornou do Libano há 18 anos atrás relatando as atrocidades contra as mulheres que havia presenciado. Marta era a irmã caçula e ambas órfãs desde a adolescência eram muito ligadas uma a outra e esse laço de amizade permitiu que revelassem todos os seus mais íntimos segredos. Marta sabia mais do que ninguém do pavor que Marina tinha da família de Ahmad Al-Sabbah descobrir a existência de Aisha. E Ela havia prometido a sua irmã que protegeria sua sobrinha com sua vida. Porém diante do poder que o pai de Aisha demonstrou ao aparecer ali com ela assumindo a paternidade Marta se viu vulnerável para lutar pela filha amada de sua falecida irmã. Ainda mais sendo surpreendida com o desejo de Aisha de ir morar com o pai desconhecido.
Para evitar mais sofrimento Marta apenas desejou uma vida feliz e digna para a sobrinha e com muitas lágrimas a deixou partir para uma terra estranha.
...
E partiu novamente para o Líbano, sem esperança de ser feliz na ausência de sua mãe. Carregando no peito um vazio enorme.
Ahmad Al-Sabbah presenciou o sofrimento da filha em silêncio e tomou uma atitude diante da proposta de casamento do mensageiro Khan Al-Abadi. Chamou sua esposa Fatma, Munira, Zayn e Ali na sua sala de reuniões em uma tarde de domingo.
Ele então explicou a delicada situação em que viviam devido ao mal comportamento de Zayn. O filho ouvia tudo de cabeça baixa, envergonhado de olhar para o pai ou para qualquer pessoa naquela sala.
__ Para salvarmos Zayn da morte temos de realizar o casamento dele com a filha de Khan Al-Abadi, mas ele quer que entregamos em casamento ao seu filho, uma de minhas filhas. Para recuperar a honra que foi tirada de sua família. Vocês conhecem nossas tradições... Munira é minha filha mais velha depois de Samira. Você se casará com o filho de Khan Al-Abadi para salvar a vida de seu irmão. (Disse Ahmad Al-Sabbah)
Naquele instante Zayn encarou o pai em estado de choque, o mesmo aconteceu a Fatma e Munira:
__ Ahmad está ficando louco? (Disse Fatma para o marido)
__ Não temos escolha! Khan Al-Abadi deixou claro que matara Zayn se não aceitar sua proposta. (Disse Ahmad Al-Sabbah se mostrando nervoso)
Munira chorava abraçada a mãe:
__ E pensa em sacrificar a vida de sua filha? Munira só tem 13 anos! Lembra da promessa que fizemos? Que nossas filhas só se casariam por livre e espontânea vontade? (Disse Fatma indignada com a decisão de Ahmad)
__ A decisão já está tomada. Vamos poupar mais derramamento de sangue em nossa família... (Disse Ahmad Al-Sabbah)
__ Não entregarei Munira em casamento! Se quer salvar seu filho, que entregue a filha bastarda que tem! Aisha já é uma mulher feita e tem idade suficiente para se casar! (Disse Fatma com os olhos furiosos para o marido)
__ Sim papai, Fatma tem razão! Munira ainda é uma criança, mas Aisha poderá ser mais adequada para o casamento... (Disse Zayn)
__ Zayn, você não tem moral alguma para dar sua opinião. Esqueceu que o causador de todo sofrimento nessa casa é você? Aisha não vai se casar e sim Munira! Sejam compassivos para compreender o sofrimento dela, acabou de sepultar a mãe e veio para o seio de uma família estranha. Um casamento forçado acabaria com a vida dela! Munira tem a mãe para consola-la, já Aisha não tem ninguém! Caso encerrado!
Essas foram as últimas palavras de Ahmad Al-Sabbah. Zayn foi para seu quarto, estava angustiado com o fato do pai obrigar Munira a se casar para salva-lo da morte. Por um lado, compreendia as razões de seu pai em poupar mais sofrimento a Aisha, mas também sentia profundamente por Munira que ainda era uma criança.
Não sabia o que fazer para amenizar todo o sofrimento que havia causado. Munira era consolada por sua mãe, que lhe prometia que não permitiria que ela fosse dada em casamento. Toda a mansão já tinha conhecimento do que acontecia. Fatma esbravejava contra tudo e todos e foi descontar sua raiva em Aisha.
Ela invadiu o quarto, levantou Aisha da cama, ainda sonolenta, com os olhos inchados de tanto chorar e não compreendia o que estava acontecendo. Os olhos azuis de Fatma pareciam saltar das orbitas, ela estava ofegante e totalmente desiquilibrada e lançou sua mão para dar um tapa em Aisha. Porém foi impedida por Zayn que chegou as pressas no quarto e segurou seu braço, a impedindo de agredir Aisha:
__ Você amaldiçoou nossa vida com sua presença! (Disse Fatma)
__ Fatma saia já daqui! (Disse Ahmad Al-Sabbah)
A voz de Ahmad a fez recuar e bufando de raiva se retirou do quarto. Aisha assustada com aquilo correu para os braços do pai que a acolheu com carinho. Era a primeira vez que a filha procurava por proteção e aquele abraço fez muito bem para ambos.
Aisha sabia que seria difícil para os dois para se acostumarem com a ideia de pai e filha mas que aos poucos o afeto se encarregaria de tornar mais fácil a relação entre eles.
A raiva estampada na face da esposa de seu pai contra ela não a assustou tanto, quanto a certeza que enfrentaria aquilo sozinha a deixava ainda mais angustiada.
Ahmad Al-Sabbah encarou os olhos da filha enquanto ela o evitava, enxugou com as mãos as lágrimas que teimaram de descer por sua face e permaneceu olhando para o vazio a sua frente. O silêncio entre eles era desconfortável e ainda mais tenso era ouvir os gritos de Fatma esbravejando sua indignação contra Ahmad Al-Sabbah e Aisha por toda a mansão.
Ahmad pensava em uma forma de explicar a Aisha sobre o que estava acontecendo, mas estava envergonhado, se sentia um covarde diante dos olhos de Aisha. Ele tinha a sensação de ver marina toda vez que olhava para a filha.
Como não teve forças para contar toda a verdade a Aisha tudo que fez foi sair do quarto e deixa-la sozinha com sua dor. Assim que encontrou a esposa que ainda esbravejava ódio por toda a mansão a agarrou pelo braço e a levou para seu quarto.
Os olhos de Ahmad Al-Sabbah faiscavam enquanto olhava para Fatma, mas ela não se intimidou com a fúria do marido:
__ Nada do que disser vai me fazer ir a favor desse absurdo! Não vou aceitar que minha Munira se case forçada para limpar a honra de seu filho! Zayn sempre foi um irresponsável e agora Munira deverá pagar por seus pecados? (Disse Fatma encarando Ahmad).
__ Eu estou cansado de sua falta de respeito comigo Fatma! Minhas decisões são a lei nessa casa e você sempre me provoca me desobedecendo! Se continuar a provocar Aisha e a mim você sairá dessa casa sem suas filhas para retornar a casa de seus pais!
As últimas palavras de Ahmad Al-Sabbah a emudeceu, ela nunca ouviu uma ameaça de divorcio dos lábios do marido em 18 anos de casados. Ahmad era um homem de palavra e quando prometia algo ele cumpria mesmo que tivesse prejuízo. Ela foi obrigada a se calar, engoliu com dificuldade e se desculpou com o marido. Sentou-se na cadeira ao lado da cama e as lágrimas caíram em silencio por sua face. A raiva havia se transformado em uma tristeza profunda ao saber que deveria apoiar o marido a cerca do casamento de Munira.
Ahmad Al-Sabbah sentia muito mal em vê-la sofrer daquela forma e não poder fazer nada para amenizar seu sofrimento. Não queria que nenhuma de suas filhas tivessem um casamento sem afeto como ele teve com suas duas esposas, mas a situação fugia de seu controle. A lei na comunidade em que vivia se chamava "Honra" e seu filho deturpou essa lei e todos deveriam pagar com a vida ou com essa proposta de casamento.
...
Khan Al-Abadi reuniu a família aquela noite após o jantar para uma reunião de urgência. Já havia recebido a resposta de Ahmad Al-Sabbah sobre a proposta de casamento só faltava comunicar sua decisão diante de seus filhos.
Ghayda entrou na sala de reuniões com os olhos vermelhos, ela foi duramente castigada pelo pai ao proibi-la de voltar a escola, pois era nesse intervalo entre o final da aula em que encontrava as escondidas com o filho de Ahmad. Mas a angústia da jovem não era tanto pelo fato de não poder estudar, mas saber que os homens de seu pai tentou matar Zayn, o deixando ferido em um hospital sem que ela tivesse notícias do estado de saúde dele.
Seu irmão havia acabado de chegar da europa e estava com muitas saudades do filho Yussuf e o levou no colo para estar com ele na reunião convocada por seu pai. Hassan ainda não fazia ideia do que se tratava aquela reunião e estava tranquilo, acariciando o filho que se aninhava em seu colo.
Já Milka a esposa de Khan Al-Abadi estava aflita com o rumo que as coisas tomavam desde que descobriram o namoro secreto de Ghayda com Zayn. Ela não era tão radical com as tradições religiosas como seu marido, era uma pessoa completamente amável e vivia sua vida para mimar o casal de filhos. Mas não ousava a desafiar as decisões de Khan Al-Abadi. Quando soube que tentaram matar Zayn ela se sentiu culpada, porque sempre apoiou o namoro escondido da filha. Ela queria que Ghayda tivesse um destino feliz, diferente do seu.
Milka tinha apenas 15 anos quando foi obrigada por seu pai a se casar com Khan Al-Abadi. Seu pai tinha interesses financeiros no seu casamento e fez com que a única filha prosperasse ainda mais sua fortuna. Milka casou-se contra sua vontade e sofreu muito para um dia se conformar com seu destino infeliz. Quando vieram os filhos a dor e a mágoa amenizaram em seu coração e ela passou a dedicar sua vida em fazê-los felizes. Proporcionou a Hassan e a Ghayda uma vida plena e tranquila, permitia que eles tivessem uma infância leve, sem tantas cobranças pois essa parte o pai já fazia com muito rigor.
Nunca permitiu que Khan Al-Abadi os castigasse fisicamente e os protegia com sua vida. Quando Khan descobriu o namoro de Ghaydia ele depositou toda a culpa do que havia acontecido em Milka. Proferiu palavras duras para a esposa que a apenas ouvia em silencio todas as ofensas. A rotulou de mulher irresponsável, mãe desnaturada, mulher leviana e que deveria repudia-la diante de toda a praça pública.
...
Milka se manteve firme diante de sua posição de mãe para proteger Ghayda de ser espancada pelo pai que estava transtornado com seu comportamento. Ele já havia planejado casa-la com um sócio e ao saber que sua filha se envolvia em um romance proibido com um desconhecido desejou até mesmo mata-la.
Milka era mais que uma mãe, era um anjo da guarda de seus filhos. Ela sofria por eles e não se importava com a dor por mais que fosse insuportável. Cuidava com todo amor e dedicação de seu neto Yussuf e sofreu muito quando soube do divórcio de Hassan. Ela só queria que os filhos fossem felizes e estava disposta a fazer tudo que estivesse ao seu alcance para ajudá-los a encontrar paz e felicidade.
Khan Al-Abadi pediu que se sentassem diante dele para ouvi-lo. Milka pegou o neto dos braços do filho que chorava e o olhar severo de Khan a ordenou para deixar a sala de reuniões. Sem exitar Milka saiu deixando-os.
__ Eu sei que você quer matar a saudade de seu filho, mas terá tempo para isso... chamei-os aqui para tratar de um assunto de uma gravidade indiscutível... E que eu não desejava nunca em minha vida ter que falar sobre isso com meus filhos... (Disse Khan Al-Abadi acedendo um charuto)
Hassan sabia que a conversa que teriam ali não seria um assunto corriqueiro de família. Seu pai não era um homem de muito diálogo e quando reunia a família era para tratar de assuntos sérios. Ao observar a irmã logo notou que ela poderia ter uma posição de destaque nessa conversa, já que Ghayda estava inquieta e demonstrava ter chorado minutos antes pelos olhos azuis estarem vermelhos e inchados. Seu pai não costumava fazer muita cerimonia para falar o que pensava e já foi logo ao ponto:
__ Sua irmã teve a ousadia de se relacionar secretamente com um rapaz e esse desgraçado a desonrou... Nossa família que há gerações preserva a marca da justiça, dos bons costumes deixados pelo nosso profeta Maomé foi corrompido pela falta de pudor de minha filha... Nosso nome tão respeitado está jogado na lama da vergonha e do repúdio desse comportamento pecaminoso... Primeiro tive a intenção de matar esse miserável que sujou a honra de Ghayda, mas então pensei em pagar com a mesma moeda! Decidi que Ghayda se casará com ele... uma coisa boa desse inferno todo é que pelo menos a família dele é honrada, ele é apenas a maçã podre. Irei pedir um dote alto para pagar a desonra que nos causou. E você meu filho se casará com a irmã de seu cunhado.
As palavras de Khan Al-Abadi causou emoções diversas nos filhos. Ghayda olhou para o pai com lágrimas nos olhos e ainda pode respirar fundo aliviada por sua decisão ainda ser tão maravilhosa por permitir se casar com Zayn, era tudo que ela mais desejava.
Já Hassan não ficou muito animado, pois tudo que desejava para sua vida aquele momento não era se casar. Havia muito se decepcionado com seu primeiro casamento tendo um fim com a traição da esposa. Teve o privilégio de se casar por afeto e se desiludiu em menos de um ano casados. Vivia uma vida livre, desprenteciosa e com relacionamentos relâmpagos na Europa.
Mas sabia que não deveria discordar de seu pai. Ao contrário de sua irmã, Hassan era um filho totalmente submisso as ordens de Khan Al-Abadi. Seu pai depositava nele toda sua confiança e o treinava desde muito cedo para dirigir todos os seus negócios empresariais. Hassan não queria decepcionar o pai e mesmo contra sua vontade aceitou aquele casamento em função da honra de sua irmã.
Se preocupava também com o fato de seu filho crescer sem a presença de uma mulher ao seu lado para ser uma referência materna. Sua mãe era uma excelente avó para Yussuf, mas ainda assim a presença de uma "mãe" era de extrema importância na vida de uma criança tão pequena.
Após o divórcio a ex esposa de Hassan fugiu com o amante para os Estados Unidos e somente enviava presentes para o filho a cada dois meses e vinha visitá-lo no final do ano. Hassan não compreendia como uma mulher poderia viver uma vida tão baixa sem o mínimo de remorso pelo filho que gerou? Ele a odiava com toda sua força e se arrependia por uma vez tê-la amado tanto.
...