Capítulo 5 Anel de Diamante

Aisha nem acreditava que já faziam dois meses da morte de sua mãe e que em menos de 60 dias sua vida tinha se transformado em um terrível pesadelo. Ela se arrependia tanto de ter enviado aquela mensagem a Samira, se arrependia de ter discutido tantas vezes com sua mãe em defesa de sua família libanesa que ela nem conhecia.

Ela se sentia culpada, sua mente não conseguia descansar nem por um segundo sem pensar que tudo aconteceu devido a sua atitude insana de enviar aquela mensagem a sua irmã.

Sua vida se resumia em melancólica, vivia em uma terra estranha com pessoas do seu sangue, mas que eram totalmente desconhecidos. Seus sonhos de uma jovem cheia de vigor diante da vida foram extintos pelo sofrimento constante. Sua rotina naqueles dois meses se consistia em dormir, chorar trancada no quarto, negar se alimentar, ser forçada pelos empregados a comer, vomitar o alimento e ir para o hospital tomar soro intra-venal pois perdia o sentido e desmaiava de fome.

Aisha havia emagrecido muito e em um desses desmaios por passar dias sem se alimentar o médico chamou seu pai em particular para falar sobre sua saúde:

__ Do jeito que as coisas estão indo sua filha corre um grande risco de ter uma anemia profunda! O recomendável é deixa-la internada, porque aqui ela pode se alimentar por sondas, em casa vocês não terão o controle desse processo.

Mas Ahmad Al-Sabbah não aceitou essa internação e prometeu ao médico que cuidaria da filha. Foi então que decidiu levá-la para a fazenda. Pediu que toda a família preparassem as malas para a mudança. Imaginou que em contato a natureza Aisha poderia se sentir melhor. Antes de deixarem a mansão, pediu que todos colaborassem para o bem estar de Aisha.

Nesse processo de mudança para o campo da família Al-Sabbah, uma carta de Khan Al-Abadi chegou até as mãos de Ahmad. A carta dizia que na próxima semana iria com sua família até ele para realizarem o noivado dos filhos.

Ahmad guardou aquela carta na gaveta de sua escrivaninha e foi a procura de Zayn. Encontrou o filho junto de Aisha no estábulo olhando os cavalos serem domados pelos empregados. Aisha ainda estava pálida, com olheiras em volta dos olhos cor de mel, o semblante triste da jovem abateu coração de Ahmad.

Zayn desde que retornara com vida do hospital tinha um grande sentimento de dívida com a irmã. O afeto entre eles logo se tornou visível. Aisha se sentia bem na com a companhia de Zayn. Ele a fazia sorrir e esquecer suas angústias.

O fato de ser apenas 9 meses mais velha que Zayn os tornava ainda mais próximos. Ela sempre sonhou ter um irmão e Zayn era seu pedido a Deus. Asiha gostava muito das irmãs também, Samira era um ano mais nova mas tão madura e sensível que sempre a consolava quando estava triste. Munira na adolescência se mostrava insensível a dor de Aisha e nunca tinha se aproximado para conversar com ela. As outras irmãs eram muito crianças para Aisha abrir seu coração. Então Zayn passou a ser seu amigo e confidente.

Ele havia lhe contado sobre como funcionam as tradições religiosas que sua família seguiam rigorosamente, desabafou com ela sobre seu namoro secreto com a filha de um poderoso líder religioso de sua comunidade e acabou contando as consequências de seu comportamento inapropriado. Asiha ficou impressionada em saber como as regras para os jovens eram pesadas e cruéis e não compreendia de forma alguma essas tradições que disseminava tanto ódio e vingança, mesmo que para recuperar a "Honra".

A presença do pai os despertou e se silenciaram. Aisha ficou observando o respeito do irmão ao reverenciar o pai e beijar sua mão. Ela permaneceu imóvel encostada na porteira do estábulo:

__ Nesse sábado a noite teremos a família de Khan Al-Abadi para realizarmos o noivado. Avise sua irmã e peça a Samira para vir ajudá-la a se preparar... Vou a cidade comprar tudo que for necessário para a ocasião...

Zayn acatou as ordens do pai e caminhou em direção a casa para ligar para Samira vir até Munira para ajudá-la. Samira já havia passado pelo processo de noivado e casamento e poderia acalmar a aflição de Munira. Aisha seguiu o irmão que estava apressado. Ela segurou seu braço lhe fazendo parar:

__ Que injustiça é essa Zayn? Munira só tem 13 anos... No meu país essa não é uma idade adequada para se casar... ainda mais ser forçada a se casar...

__ Nossa vida é muito diferente da sua no Brasil Aisha... O que você enxerga como injustiça nos vemos como dever e honra! (falou Zayn encarando os olhos de Aisha)

__ Mas isso não está certo... Ela é uma criança... Como podem permitir se ela se sacrifique assim? (Insistia Aisha desesperada tentando entender a cultura tão peculiar da família de seu pai)

__ Alguém tem que se sacrificar pela honra! Sempre foi assim... (Disse Azura ouvindo a conversa dos netos)

A Avó era uma mulher idosa, porem não era frágil, ainda usava maquiagem forte marcando os olhos. Usava um lenço preto em respeito a sua viuvez e caminhava a passos lentos apoiando-se em uma bengala de ferro forjada de ouro.

Azura se mostrava uma fortaleza, era de pouca conversa e seus olhos expressivos falavam por si. Demonstrava frieza e insensibilidade, porém só ela poderia explicar a emoção que sentia desde a chegada da nova neta vinda do Brasil se alojar sob seu teto. O nome Aisha fazia menção a pior dor de sua alma. Ela havia perdido uma criança na idade de dois anos por uma infecção bacteriana incurável e essa pequena menina se chamava Aisha.

Não imaginava nem por um segundo que a namorada brasileira de seu filho que desprezava tanto a cultura de seu povo pudesse colocar o nome de sua filha de Aisha.

Um nome árabe, que significa tudo para Azura. Olhar para a neta era como ter sua pequena Aisha de volta, Allah teria devolvido sua filha por meio dos olhos de sua neta.

Ela encarou os olhos de Aisha:

__ Você ainda é muito jovem, mas vai aprender muito sobre nossos costumes e tradições... (Falou Azura)

Zayn foi até a avó e beijou sua mão, Azura a ofereceu a Aisha para que a neta também seguisse o exemplo de respeito do irmão, mas tudo que Aisha fez foi recuar e olhar para a avó com indignação:

__ Nunca vou entender a forma como agem, com tanta injustiça e crueldade... Minha mãe havia me avisado sobre tudo isso e eu ainda tive a loucura de querer conhecer de perto... Como fui idiota! (Falou Aisha chorando)

__ Sua saudosa mãe não era digna de nós... Ela foi muito bem recebida em nossa casa... Eu a aceitei como uma filha, mas ela nos desprezou, desprezou o amor que seu pai tinha por ela e fugiu levando você em seu ventre... Escondendo de nós sua existência... Agora o destino te enviou para nós e você ainda reluta contra isso? Não entendeu ainda os planos de Alláh para sua vida? O sacrifico pode ser algo milagroso e lindo se você puder enxerga-lo com os olhos da alma...

__ Jamais vou compreender vocês... essa forma de vida que tira a alegria de viver do outro... Vocês não deveriam sacrificar Munira a esse casamento... Deve existir uma outra forma de resolver isso... (A voz de Aisha se embargava pela emoção e pelo sentimento de raiva)

__ E qual seria essa solução? Você estaria disposta a se sacrificar por sua irmã mais nova? (Disse Azura com um sorriso nos lábios) Afinal você já é uma mulher formada, tem estrutura para um casamento... Ao contrário de Munira que é uma criança, nada conhece da vida ainda não é mesmo?

Aisha compreendeu a intenção da avó, ela estava insinuando de que ela seria mais apropriada a esse casamento do que Munira e por razões óbvias dentro da concepção que acreditavam.

Aisha entrou em choque, o choro a dominava e tudo que teve forças para responder aquele "absurdo" que sua avó propunha, foi fugir. Corrreu o mais depressa que pode em direção ao portão que cercava a casa de campo. Dessa vez não olharia para trás e sem rumo e destino buscaria refúgio para seu desespero.

Quando já alcançava a estrada ouviu passos atrás dela, era Zayn. Ele conseguiu alcança-la e a segurou:

__ Por favor Zayn... Me deixe... Como posso permanecer aqui com vocês? Uma família que não me entende, que não se importa com a minha dor e aflição...

__ Eu me importo Aisha... Por isso não a deixo fugir sem rumo como pretende...Se você refletir bem verá que nossa avó tem razão... Quem poderia trocar de lugar com Munira? Nossas irmãs menores?

__ Não! Vocês são loucos... Não precisa ser assim Zayn... Me deixe ir embora... por favor... (Fala Aisha se debatendo)

Zayn a ignora e a leva de volta para casa. O choro de Aisha acaba despertando todos. Suas irmãs mais novas tentam consolá-la o que foi inútil. Ela queria fugir dali, principalmente dos olhos de sua avó. Mas foi impossível escapar da casa de campo com Zayn a impedindo de sair.

Aisha somente se acalmou com a chegada de Munira, a irmã que nunca lhe dirigiu uma só palavra nesses dois meses. Ela correu na direção de Aisha e lhe abraçou forte e disse:

__ Não precisa ficar com medo por mim... Se é o meu destino eu caminharei para ele no tempo certo. Você não tem que se sacrificar por mim... Eu sei muito mais de honra do que você que chegou a pouco tempo... Eu estou com medo é natural... Mas vou sobreviver... Nos somos fortes, Alláh nos abençoou com força para todas as situações da vida!

As palavras de Munira emocionou a alma de todos, principalmente de Aisha. Zayn então a soltou quando teve a certeza que ela já estava mais calma e não tentaria fugir. Aisha então abraçou a irmã e ambas choraram muito.

...

O noivado foi celebrado na casa de campo, os empregados se encarregaram de deixar a decoração com ar inocente,

desde as taças sobre a mesa as flores naturais espalhadas pelos vasos de cristal pela casa.

Músicos foram contratados para tocar músicas clássicas e poucos convidados íntimos da família compunham os cômodos da casa.

A família Al-Abadi havia chegado e foi recebido por Zayn e Ahmad. Os direcionaram ao salão principal para se acomodarem nas poltronas aveludadas. Samira e seu esposo foram cumprimentá-los, em seguida as esposas de Ahmad e as filhas menores.

Hassan e Ghayda foram beijar as mãos de Azura e Ahmad. Quando todos se acomodaram os empregados serviram xícaras com chá e biscoitos de chocolate. Ahmad pediu a Fatma para buscar Munira para então realizarem o noivado.

O que o patriarca da família Al-Sabbah não sabia era que a noiva seria outra e não Munira como ele havia decidido. Após muito choro Aisha havia decidido trocar de lugar com Munira e se tornar a noiva de Hassan. Ela sentia muita pena da irmã passar por todo aquele constrangimento sendo ainda tão jovem e resolveu se sacrificar por ela. Azura aplaudiu a decisão de Aisha e beijou várias vezes seu rosto.

Munira pode então respirar aliviada e o sorriso novamente voltou em sua face. Foi para os braços de Fatma para lhe dar a maravilhosa noticia.

Aisha não tinha mais lágrima alguma para expressar sua aflição aquele momento. Parecia se conformar com seu destino. Sentada na cama no seu quarto seus pensamentos estavam agitados porém a deixou anestesiada para sentir qualquer coisa. Azura entrou no quarto com um pacote fechado, acariciou seu rosto e colocou sobre a cama ao lado de Aisha um belo vestido de seda vermelho salpicado de pérolas douradas:

__ Vamos, se prepare, pois o noivado vai começar... O que você fez por Munira foi escrito no céu... Seu sofrimento de hoje, sua dor não será esquecida por Alláh! Você será recompensada por isso!

Com a ajuda de Samira Aisha se trocou, fizeram um arranjo no seu cabelo e colocaram o véu sobre seu rosto. A seda transparente na cor amarela lhe dava um visão embaçada do caminho que ela percorria até a sala. Ela foi conduzida por Azura até os convidados.

Quando Azura tirou o véu de seu rosto Hassan pode finalmente ver sua futura esposa. Ele ficou surpreso, Aisha o encantou desde o primeiro instante que colocou os olhos nela. A beleza de Aisha tinha algo misterioso, os olhos tristes e inocentes despertou sentimentos novos em Hassan. Ele que se dizia incapaz de amar novamente uma mulher amou com doçura cada traço delicado do rosto de Aisha.

Aisha permaneceu olhando para o chão e segurando com força seu choro que gritava em desespero para sair de sua garganta. Ahmad Al-Sabbah se levantou de sua poltrona e foi perto de Aisha. Azura fez sinal para que ele se sentasse e não pronunciasse nada aquele momento. Ahmad estava muito nervoso com o fato de o haverem o enganado e terem trazido Aisha para o noivado e não Munira. Respirou fundo com indignação segurando sua ira. Mas se sentou novamente.

Azura instruiu Aisha a beijar as mãos dos pais de Hassan. Todos notaram que a moça estava perdida e mal sabia como executar um cumprimento formal. Milka por sua vez quis fazê-la se sentir mais confortável naquela situação embaraçosa e a abraçou.

Assim que cessaram os cumprimentos Khan Al-Abadi entregou ao filho a caixa de veludo carmesim com os anéis de noivado. Ahmad Al-Sabbah fez o mesmo entregando os anéis a Zayn.

Hassan abriu a caixinha aveludada e se deparou com o belo par de anel de diamante que foram de seus pais. Sua mãe não permitiu que ele colocasse no dedo de sua primeira noiva Laila pois desde o primeiro dia que a conheceu não confiou nela. Ao contrário de Aisha, Laila era uma moça soberba, cheia de orgulho e destruiu a vida amorosa de Hassan.

Milka pode ver nos olhos de Aisha que ela era o oposto de sua primeira nora e estava rogando uma prece para que dessa vez seu filho fosse realmente feliz!

Hassan se levantou e foi até Aisha, sentiu uma fisgada em seu peito ao se aproximar dela. Como poderia ter se apaixonado tão rapidamente sem ao menos ouvir sua voz? Ele pensava. Segurou com delicadeza em sua mão e a sentiu tremer contra a sua, era nítido o pavor que ela tinha nos olhos, um casamento forçado, típico de sua cultura. Mas talvez esse casamento desse certo! Ele estava disposto a conquistar Aisha e fazê-la feliz!

Asiha tentava respirar enquanto Hassan colocava o belo anel de diamante em seu dedo. Hassan foi até o pai de Aisha e beijou sua mão.

O noivado de Aisha e Hassan havia se concretizado, Ahmad os abençoou. Então foi a vez de Zayn ficar noivo da jovem que amava. A felicidade era notória nos olhos deles. Finalmente após dois meses distantes podiam se olhar novamente. Ghayda não sabia como segurar sua emoção de estar diante de seus olhos. A saudade e o amor que sentiam era muito grande e tiveram de se conter perante suas famílias.

...

Quando o jantar foi servido aos convidados, Ahmad pediu para Hassan ir ao seu escritório pois queria falar em particular com o genro.

Hassan se levantou deixando sua taça de vinho sobre a mesa, percebeu que ao sair Aisha ficou mais à vontade.

__ Aisha perdeu a mãe a dois meses...(Disse Ahmad Al-Sabbah)

__ Eu sinto muito por sua perda... (Disse Hassan)

__Não éramos casados... Nos relacionamos há 18 anos atrás... Sua mãe era turista aqui no Líbano e a conheci... ela voltou ao Brasil sem me contar da gravidez de Aisha... há dois meses descobri que ela era minha filha e logo em seguida a mãe dela perde a vida em um acidente de carro... Foi tudo muito confuso para todos nós... Jamais queria que ela se casasse nessa situação de acerto de contas... Minha filha Munira de 13 anos estava destinada a você... Eu também estava contra esse casamento, mas não tinha muita opção na época em que seu pai tentou matar meu filho para salvar a honra de sua irmã... Você já é um homem, sabe muito bem como funciona nossas tradições... Eu não sabia que Aisha havia se decidido se sacrificar pela irmã... soube no momento em que ela entrou na sala... Eu jamais pediria isso a ela, seria desumano para o tanto de sofrimento que ela já carrega...Aisha não conhece nada de nossas tradições ou de nossa religião e eu decidi não força-la a nada... Ela estava muito deprimida com a morte da mãe e sua nova vida aqui em nossas terras... Adoeceu, por restrição alimentar, ela não se alimenta direito, tem desmaios constantes... Agora que mudamos para o campo que se recuperou um pouco... Eu temo por sua vida, sua segurança... De todos os meus filhos... Ela é a que mais me preocupa... Não a vi nascer, crescer e agora quero recuperar o tempo perdido... E nem vou poder me dedicar a ser um bom pai, daqui alguns dias vocês se casam e ela vai embora com você! Gostaria de que me prometesse uma coisa... Cuide de Aisha com o mesmo cuidado e paciência que tenho tido... Sei que não vai ser fácil, mas me prometa que ela vai ficar bem ao seu lado... (O poderoso Ahmad Al-Sabbah começa a chorar na frente de Hassan)

Hassan não sabe o que fazer ou dizer para confortá-lo, tudo que é capaz de fazer é lhe oferecer seu lenço para enxugar as abundantes lágrimas:

__ O senhor pode ficar tranquilo quanto a preocupação com sua filha... Tentei ser um bom marido em meu primeiro casamento... para uma mulher sem caráter que não merecia meu cuidado e atenção, mas sua filha me tocou a alma no primeiro instante que a olhei... eu pude ler seus olhos tristes... Jamais irei machucá-la...Quanto aos nossos costumes e religião serei paciente e conforme o tempo passar poderei ensiná-la os princípios da nossa fé... Minha mãe é uma mulher cheia de virtudes e poderá orientá-la com muito amor os valores do Alcorão.

__ Serei eternamente grato por sua compreensão e saber que minha Aisha está em boas mãos... Alláh ainda teve misericórdia de nós e nos concedeu em meio a tanto sofrimento uma família respeitável para receber meus filhos! (Disse Ahmad Al-Sabbah)

...

Quando finalmente as luzes se apagaram, Aisha se recolheu em sua cama, com o coração apertado, cheio de medo e dúvidas. Se recordava do momento em que aquele homem estranho segurava sua mão e colocava aquele anel em seu dedo.

Aquele homem que tanto insistia em olhar para seu rosto seria em breve seu marido. Ela deveria viver com um desconhecido que muito só sabia o nome "Hassan". Estava aflita ao pensar que tudo que sua mãe mais temia para ela estava acontecendo. Marina sempre alertou a filha a respeito da opressão que as mulheres libanesas sofriam desde o nascimento, por essa razão fugiu ao saber da gravidez de Aisha.

Mas toda fuga foi em vão, Aisha estava aquele momento vivendo o medo de sua mãe. Porém o lado bom de tudo isso era saber que sua mãe não sofreria ao saber do pesadelo angustiante em que ela se encontrava. Marina estava em paz, haveria morrido em paz acreditando que Aisha estaria bem e segura com sua tia.

Lembrar em sua mãe a saudade se apertou em seu ser e o choro foi inevitável. Seu desespero era ouvido por toda a extensão da casa de campo. O primeiro a acordar foi Zayn. Ele levantou as pressas de sua cama e pelo corredor a meia luz do abajur aceso chegou até o quarto de Aisha.

Ele abriu a porta com cuidado e foi até a cama, a encontrou chorando com a cabeça no travesseiro. Sentia muito pela dor que proporcionava a ela, sentia-se culpado e na obrigação de amenizar todo seu sofrimento. A abraçou forte, Aisha desabou sobre ele toda sua angustia. Permaneceu com a cabeça em seu peito até adormecer.

Seu pai chegou no quarto minutos mais tarde e se surpreendeu com a cena em que seus olhos contemplavam. Zayn acariciava os cabelos da irmã que estava abraçada e ele. Ele ficou bastante emocionado com aquilo e percebeu que mesmo com a distância não impediu de ter entre eles um amor fraternal tão bonito de se ver.

Fechou a porta devagar para não despertá-los e retornou ao seu quarto. Fatma o encontrou no corredor dos quartos, se mostrava preocupada com o choro de Aisha àquela hora da noite.

Ahmad Al-Sabbah convidou a esposa para ir para seu quarto, pois estava sem sono ao ser despertado de súbito com o choro de Aisha. Ele ficou sentado na beirada da cama, enquanto a esposa lhe serviu de uma xícara de chá:

__ Me preocupo muito com Aisha... Ela não está bem e ainda por cima deverá enfrentar esse casamento... Conversei com Hassan, ele se mostrou ser um homem bom, prometeu cuidar dela e ter paciência... Mas mesmo assim ainda fico preocupado... Não estarei por perto, nem Zayn ou Samira que são tão ligados a ela... Se acontecer algo a ela... Eu não vou me perdoar... (O Choro toma conta de Ahmad diante da esposa)

Fatma segura a xícara de suas mãos e a deposita sobre a mesinha ao lado da cama e acaricia seus cabelos grisalhos:

__ Você é um homem muito abençoado por Alláh querido! Sua filha é uma menina muito forte, salvou seu filho da morte por duas vezes. A primeira vez foi quando voltou de sua fuga para lhe avisar que Zayn estava gravemente ferido naquele dia. A segunda vez foi ontem quando decidiu trocar de lugar com Munira e ficar noiva de Hassan. Eu devo muita gratidão a Aisha por seu coração piedoso a salvar minha filha de um destino infeliz... E tudo que podemos fazer é orar a Alláh para que conceda a ela uma vida feliz e prospera...

As palavras de Fatma acabou acalmando a alma aflita de Ahmad e ele conseguiu adormecer com a presença de sua esposa.

...

No amanhecer daquele dia Hassan se levantou cedo para treinar, ele gostava de iniciar o dia depois da musculação e de correr. Atividade física lhe revigorava. Antes de deixar sua casa as 5:30 da manhã foi até o quarto de Yussuf e ficou o observando dormir. Era imenso o amor que tinha por ele. O menino ainda tão frágil e indefeso era seu maior tesouro, mesmo já sendo um homem tão rico. Aos 30 anos Hassan já possuía metade da fortuna de seu pai, conquistado através de seu trabalho e muita dedicação.

Agora que havia retornado da Europa, iria trabalhar com seu pai administrando as empresas de tecidos e pérolas. Tinham 7 fabricas de tecidos 4 de pedrarias que trabalhavam na fabricação de joias raras, ouro, diamante e pérolas. O projeto mais recente era uma fabrica que intencionava abrir na Turquia de Sedas e pérolas. O projeto estava em andamento, já haviam comprado o terreno para a construção da majestosa fábrica e sem que os pais soubessem Hassan intencionava mudar-se para Istambul. Queria dedicar de corpo e alma a sua propriedade. E agora com um casamento marcado para duas semanas ele teria de organizar tudo para essa mudança de país.

Deu um beijo no filho e se preparou para sair quando seu pai surgiu no corredor o assustando. Seu pai fumava um charuto logo pela manhã. Observou o filho e reprovou sua roupa de corrida. Hassan tentava ser o máximo como seu pai, disciplinado, rigorosamente conservador, mas em algumas partes não conseguia imitar o espirito de seu pai.

__ O que achou da filha de Ahmad Al-Sabbah? (perguntou Khan Al-Abadi)

__ È uma moça bonita...

__ Soube que é filha de uma estrangeira que não a criou nos preceitos de Alláh. (Disse Khan mostrando a sala de reuniões para o filho o seguir)

Hassan não desejava ter uma conversa formal com seu pai aquele momento, seus planos iriam "por água abaixo", mas não ousaria desobedece-lo:

__ Se casado com uma mulçumana você foi traído imagina com uma mulher descrente, que aprendeu todo o costume mundano do ocidente? (Comentou seu pai em tom desafiador)

__ Ahmad conversou comigo ontem e me explicou com detalhes sobre a filha! Não me escondeu absolutamente nada de mim a respeito de Aisha... Devo confessar ao senhor meu pai, com todo respeito que tenho pelo senhor que fui contra sua decisão de me forçar a um casamento arranjado. Mas quando a senhora Azura levantou o véu que cobria o rosto de minha noiva eu somente queria agradecê-lo. Eu sei que vai ser uma tarefa difícil conquistar o coração da filha de Ahmad Al-Sabbah mas estou disposto a correr o risco e cumprir minha missão.

Khan Al-Abadi nada disse, apenas ficou surpreso observando o filho proferir as palavras sobre Aisha com tanta certeza do que dizia e sentia. A ex esposa de Hassan o deixou em um terrível estado de depressão a ponto de o encontrarem caído em seu apartamento alcoolizado. Tiveram até que interna-lo em uma clinica de reabilitação para se livrar da química do álcool em seu corpo.

Hassan voltou a viver apenas pelo filho e jurou pelo filho que jamais abriria seu coração a outra mulher como fez a Laila. Mas ao ver Aisha sua promessa caiu por terra e viu nela uma pureza e encanto que nunca mais presenciou na figura feminina.

__ Meu filho eu espero do fundo do meu coração que você seja feliz! Mas ensine a essa moça a devoção a Alláh para que ela tenha temor e respeito ao marido que ele lhe concedeu. Não cometa os mesmos erros com Laila. Eu sempre reprovei o comportamento audacioso daquela menina, era intrometida, cheia de si, não reconhecia seu lugar e quando você a permitiu cursar uma faculdade eu já imaginava que o pior estaria para acontecer. Aproveite que a filha de Ahmad Al-Sabbah demonstre ser inocente no seu proceder e mostre a ela seu dever e obrigação em um casamento. Não permita que tenha amizades supérfluas como Laila tinha, isso contribui para o mau caminho, escolha muito bem seus amigos casados, que tenham esposas virtuosas e submissas como exemplo disso cito sua mãe! Se atender meus conselhos meu filho, dessa vez você será muito feliz e abençoado!

__ Eu aceito meu pai e colocarei em prática a partir do primeiro dia de nosso casamento!

Finalmente após beijar a mão de seu pai Hassan conseguiu deixar a casa de seus pais para iniciar a rotina de seu dia como havia planejado.

...

            
            

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