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Atualmente.
- Eu disse para colocar o vaso lá! Pelo amor de Deus, se apres-se, Antônia!
Os gritos de Jade ecoam no longo corredor da casa enquanto continuo me olhando no espelho, a mão apoiada sobre o estômago agi-tado. O vestido vermelho rubi está impecável, com as alças finas nos ombros, decote "v" e as costas nuas. Assim como meus cabelos casta-nhos escuros com tranças perfeitas e cachos elaborados presos em di-versos grampos. A saia fluida com um longo corte até o meio da coxa mostra meu sapato de salto agulha. A maquiagem esconde as olheiras de noites insones e preocupadas, meus olhos castanhos parecendo um pouco sombrios.
É apenas um noivado.
Com uma corda no pescoço ao invés de um anel no dedo.
Seguro o suspiro ao mesmo tempo em que a porta se abre e viro para encontrar quatro mulheres entrando e sorrindo. As filhas dos ali-ados de meu papà, meninas que cresceram comigo, mas que não são verdadeiramente minhas amigas. Apenas Flávia poderia ser considera-da mais que uma conhecida. Não que elas não tentassem me colocar no grupo sempre que podiam. O problema é que eu me preocupo com coi-sas completamente diferentes das que elas se interessam.
- Ah, você está tão linda! - Amaya se aproxima e toca leve-mente a saia do vestido.
- Vi Enrico ao lado do pai. Eva, vocês serão um casal maravi-lhoso! - Diana tem seus olhos arregalados com entusiasmo.
- E poderoso! - Amaya completa.
- Acho que Eva se apaixonou imediatamente quando o viu na primeira vez. - Flávia sorri, sentando-se na poltrona e cruzando as pernas. - Eu sei que o fiz agora apenas de vê-lo.
- Eva, se desistir no último minuto, tomo seu lugar com dispo-sição - Renata fala, rindo atrás de sua mão.
- Vamos tirar uma foto! - Diana puxa seu celular da bolsa.
Sorrio levemente, o clique suave de fotos sendo tiradas se mistu-ram ao som do mar agitado. Elas se afastam e desvio o olhar para a janela mais uma vez, o pôr do sol pintando o céu de vermelho, laranja e rosa. Olho as ondas agitadas e altas batendo contra as rochas e rolan-do sobre a areia, lembrando de olhos verdes tão agitados como o mar e tão perigosos quanto. De cabelos loiros escuros despenteados pela ma-nhã antes do café. Do sorriso oculto pela xícara.
Eu era tão nova...
Naquela época, tudo era muito mais fácil. Agora, não tanto. Somos tão tolos com nossos pensamentos infantis, implorando em silên-cio antes de dormir para crescer logo. E, quando isso acontece, nos ar-rependemos amargamente de não ter aproveitado a ingênua infância.
Estou tão pensativa que não percebo estar torcendo os dedos. As conversas continuam ao redor, alheias ao meu pequeno momento de desânimo. Pelo canto do olho pego a forma de Jade no espelho, seus olhos gentis e preocupados na minha direção. Abro um sorriso, tentan-do encobrir a melancolia de segundos atrás, mas sei que a mulher que me criou como se fosse sua filha viu tudo escrito em meu rosto.
Com um gesto da mão e voz autoritária, Jade chama a atenção das garotas.
- Meninas, por que não vão para o salão? Eva estará lá em poucos minutos.
Elas assentem, saindo do quarto com acenos alegres até que Jade fechou a porta e nos trancou ali. Franzo os lábios, sabendo que um pu-xão de orelha se seguiria ao seu rosto franzido.
- Já estava descendo. As meninas chegaram e...
Jade me cala pegando minhas mãos inquietas, os polegares aca-riciando o dorso e enviando alívio contra as preocupações.
- Bambina, realmente está certa disso? Quer mesmo casar com Enrico?
- Sabe como tudo funciona. É preciso unir as famílias se que-remos um pouco de paz, Jade. E o Chefe da Famiglia De Nobrega nun-ca erra em suas decisões.
Isso faz com que ela resmungue baixinho:
- Seu pai nem sempre está certo das coisas, Eva.
- É apenas um noivado, Jade.
- É a sua vida, Eva. Uma aliança muda muita coisa.
Sim, realmente mudava. Ainda mais quando se tratava de uni-ões arranjadas entre as famílias, casamentos sem amor. A probabilida-de de ser uma submissa era muito grande. Apenas a ideia de perder o poder sobre mim mesma por causa de um estúpido anel no dedo ane-lar...
Inspiro, tentando manter a raiva abaixo do semblante calmo.
Seria por um bom motivo. As famílias precisavam daquela uni-ão para manter a paz e aumentar o alcance dos negócios. Um acordo por dinheiro, era isso que meu casamento se resumia, e não havia como voltar atrás agora já que acovardar não era do meu feitio. As mulheres De Nobrega eram forjadas em ferro e fogo, era o que minha mãe cos-tumava dizer. Sempre soube que não seria fácil, nascendo nessa famí-lia.
Apertando as mãos de Jade dentro das minhas, abro um sorriso, que espero ser calmo, e beijo as bochechas dela com carinho.
- Tenho plena ciência de como tudo pode ser diferente a partir daqui, não se preocupe. E, se Enrico me importunar demais, posso usar a minha fiel amiga afiada na garganta dele. - Pisco, batendo suave-mente sobre a coxa, onde escondo minha faca na bainha.
- Por Deus, bambina, você é pior que sua mãe. - Jade belisca suavemente meu pulso, um costume que criou desde que eu era criança e usa para me repreender.
Esfrego o pulso e seguro a vontade de mostrar a língua para Ja-de. Já havia completado vinte e quatro anos e um gesto assim só mos-traria infantilidade. Jade gesticula para a porta ao mesmo tempo em que o som de música vibra pelas paredes.
- Vê? Estamos atrasadas. Só espero, Eva, que essa decisão do seu pai não nos coloque em problemas.
Assinto quando Jade caminha à frente e abre as portas, a música se tornando alta no corredor. Conforme descemos, o som das risadas e conversas fica mais alto, duelando com a música alegre.
É um noivado, afinal.
Ao passar pela porta do salão, Jade bate palma duas vezes e to-dos os olhos viram para encarar a noiva, no caso eu. Empino o queixo e deixo meus olhos passarem pelas pessoas presentes antes de abrir um sorriso. Papà se aproxima com o braço dobrado e passo minha mão na curva de seu cotovelo, bonito com seu terno azul marinho e os cabelos grisalhos presos em um rabo de cavalo baixo.
- Você está maravilhosa, como sempre - diz, deixando um beijo na minha têmpora antes de perguntar. - Você está pronta?
Sua mão aperta a minha com carinho.
- Sempre estou pronta, papà. - Assinto uma vez, o sorriso in-tacto mesmo que a barriga esteja tremendo com frio.
- Vai dar tudo certo.
Costa De Nobrega gesticula com a mão e a música muda para algo mais suave. Flores enfeitam o caminho, vermelho e rosa se mistu-rando no chão branco de mármore do salão. No centro de tudo está Borges, Chefe da Famiglia Avillano, junto com seu filho Enrico. Ambos os homens exalam perigo, com seus ternos escuros e semblante fechado.
Observo meu noivo, o cabelo preto penteado com gel em um to-pete baixo, os frios olhos de obsidiana parecendo conter todo tipo de malícia cruel. Quando nos aproximamos, o sorriso de Enrico envia cala-frios pela minha espinha, fazendo-me endireitar os ombros.
A música para e o silêncio cai sobre o salão.
- A joia preciosa da Casa De Nobrega nos é dada - Borges fa-la ao apertar firmemente a mão de Costa. - É uma honra.
Meu papà assente e aperta minha mão antes de dar um passo para o lado e fico diretamente de frente para Enrico. Meu estômago agita com apreensão quando aqueles olhos escuros se fixam nos meus. Tomando minha mão na dele, reprimo a vontade de encolher e puxar para longe.
- Moedas de ouro nunca poderiam parecer tão valiosas quanto você. - A voz suave de Enrico não combina com a ferocidade em seus olhos. - A partir de hoje, você é minha. E nada vai tirá-la de mim.
Aquelas palavras ecoam dentro de mim como um prenúncio agourento. Tirando do bolso uma pequena caixa, Enrico abre-a e levan-ta um anel com um largo rubi em cima. Coloca-o em meu dedo anelar, beijando o dorso da minha mão antes de segurar meu rosto e se incli-nar. Por um breve momento, me aterrorizo achando que me beijaria nos lábios. Entretanto, Enrico deixa um casto beijo em minha testa an-tes de se afastar.
A música volta a tocar e aplausos ecoam nos meus ouvidos, unindo-se ao zumbido em minha cabeça. Os dedos frios de Enrico se enrolam nos meus e sorrio levemente, empurrando para baixo a sensa-ção estranha de que algo está errado. A comida e bebida são distribuí-das aos convidados enquanto nós, os noivos, somos parabenizados com apertos firmes e beijos rápidos. O sol havia acabado de se pôr, o céu pontilhado com estrelas e sem lua.
Seria uma noite longa.
- Aqui, tome isso. Você parece tensa.
Olho para a taça na mão de Enrico e depois para o rosto calmo do homem. Sua boca tem um sorriso satisfeito, mas seus olhos continu-am perturbando minha mente.
- Não, obrigada.
- Pegue logo, Eva. - Enrico empurra a taça na minha mão, seu sorriso escorregando por alguns segundos. - Você será minha es-posa em breve. Acostume-se a obedecer.
Levanto sutilmente o queixo, em um desafio silencioso. Seria sua esposa em um futuro próximo, mas isso não significa que seria vista como um adereço frágil nos braços do homem perigoso da família Avil-lano. Engolindo insultos, aperto os dentes e tomo um gole do champa-nhe que parece um pouco mais amargo que o normal.
Eu congelo, a bebida descendo pela minha garganta e um arre-pio na espinha com o prenúncio de algo ruim. Lembro de quando tinha dezesseis anos e meu papà me forçou a um teste, onde eu provava al-gumas bebidas a acabava sendo dopada. Como lutei com seus capan-gas, tentando me livrar da sensação da droga e fugir de um possível sequestro. O gosto, mesmo um pouco mais sutil, ainda me fazia lembrar dos diversos drinks batizados que papà me deu. Não poderia ser possí-vel que meu próprio noivo teria me dopado.
Certo?
Sutilmente, abaixo a mão segurando a taça e a coloco sobre a mesa, pegando outra quase vazia no lugar. Sorrio, meus olhos seguindo pelo salão em busca de alguém desconhecido. O som baixo das conver-sas é um zumbido misturado a música de piano no fundo. Flávia sorri, erguendo sua taça em um brinde de longe enquanto minhas outras amigas estão pelo salão, flertando com os homens e seguranças.
A cabeça de Enrico vira, seu pescoço estalando suavemente com o movimento, e percebo que isso é uma mania dele. Não é a primeira vez que o vejo fazer esse movimento. Na visita à grande casa dos Avil-lano, vi Enrico fazer isso várias e várias vezes enquanto nossos pais conversavam sobre nosso enlace.
Meus dedos apertam a haste da taça quando vejo Jade se apro-ximando.
- Jade...
- Você parece um pouco tensa. - Jade acaricia meu braço e olha para Enrico. - Espero que seu noivo não seja o motivo disso.
Enrico inclina a cabeça levemente.
- Toda noiva fica tensa no dia do noivado.
- Não todas - Jade resmunga.
- Não estou tensa, apenas cansada. - Balanço a cabeça, ten-tando tranquilizá-la. - Jade, nós precisamos...
De repente, minha visão embaça e escurece nas bordas. Pressio-no os dedos contra a têmpora ao me sentir estranha e tombo suavemen-te de lado, Enrico me segurando prontamente. A taça cai dos meus de-dos, o champanhe esparramando no chão.
- Eva? Você está bem? - Jade questiona, mas sua voz parece longe.
- Eu...
- Talvez ela precise sentar um pouco. - Enrico diz, já dando um passo para o lado e me levando com ele.
Jade envolve meu braço com a mão, sua voz soando preocupa-da.
- Posso levá-la para o quarto.
- Eu cuido dela. Essa tarefa é minha a partir de agora. - Enri-co disse, os dedos apertando os meus e o braço envolvendo minha cin-tura com possessividade. - Não se preocupe, tenho tudo sob controle.
Tento engolir, mas sinto a língua inchada e a garganta seca. Uma sensação estranha aperta minha nuca e deixa meus movimentos descoordenados. Quero dizer não, cravar os pés no chão e me manter no mesmo lugar, porém, não consigo fazer isso. A mente é uma bagun-ça confusa quando sigo Enrico para fora do salão, meu noivo dando desculpas aos convidados antes de sairmos.
Enrolo os dedos no vestido, retorcendo o tecido conforme cami-nho ao lado de Enrico. Com passos largos, quase tropeço ao subir os degraus para o andar de cima e entrar no escritório do meu papà, a luz sendo acesa e me cegando por um momento e o clique da tranca soa alto demais na sala silenciosa.
- Sua vadia! - Enrico ruge.
O grito de Enrico é seguido por um brusco tapa no meu rosto. Tropeço, zonza, e caio sobre minhas mãos e joelhos no tapete cinza chumbo felpudo. Meu cabelo é puxado na nuca pelos dedos firmes de Enrico, me fazendo ficar de pé e, então, me empurrando contra a mesa do escritório. Papéis, pastas e canetas voam quando Enrico os empurra com o braço e, em seguida, minha bochecha está pressionada contra a madeira.
Sinto o gosto de sangue na língua quando o cano de uma arma é pressionado abaixo do meu queixo. Minhas mãos se fecham em punhos ao perceber que a pessoa que tentou me drogar era meu próprio noivo. Arregalo os olhos com surpresa, para cerrá-los com fúria no segundo seguinte.
Como esse cretino se atreve a apontar uma arma para mim den-tro da minha casa?
- Você ficou louco? - Minha voz soa um pouco grogue.
A cabeça parece pesada, a língua inchada, e pisco para tentar ti-rar o embaçado dos olhos.
- Cale a maldita boca, puttana. - Enrico aperta o cano um pouco mais contra mim, seus dedos mantendo a pressão no meu cabelo. - Ou juro que estouro sua cabeça agora.
Meu coração bate loucamente, porém, me mantenho quieta. Preciso me concentrar. Preciso pensar. Apesar que, com uma arma sen-do apertada contra você, se torna difícil envolver os pensamentos longe disso.
- Você e seu pai pensam que somos idiotas? - Enrico pergun-ta, seu peito pressiona contra minhas costas e sua boca sussurra em meu ouvido. - Hein? Vocês pensam que somos imbecis?
Seu corpo se afasta apenas o suficiente para conseguir puxar e bater minha cabeça uma e outra vez contra a mesa. Estrelas brilham atrás de minhas pálpebras, escuridão rondando as bordas, porém, isso parece me trazer um pouco mais de lucidez.
- Não sei... do que está falando - digo entre dentes.
- Non cercare di intortarmi . - Enrico ri. - Acha que não sei o que Costa De Nobrega quer? Hein? Levar sua pequena filha até nossa casa, uma pequena cobra espiã?
- Nosso noivado é uma aliança. - Minha língua se enrola. - Não há espiões...
- Você é uma maldita mentirosa! - Enrico grita contra meu rosto, meu couro cabeludo ardendo com os cabelos puxados. - Você e seu pai. Saiba que temos ciência disso. Sabemos dos planos de Costa. Ele não é tão discreto quanto pensa. Muito menos você.
Seguro o gemido de dor na garganta, meus olhos lacrimejando. Meu coração acelera mais com o perigo que corro, o sangue bombeando furioso nos ouvidos. Engulo com dificuldade, sentindo os lábios secos.
- Acha que não a vi rondando pela casa aquele dia? Dizendo errar o banheiro, andando de fininho. - O hálito quente de Enrico bate na minha bochecha. - Ah, Eva... Você pisou no ninho de cobras erra-do e agora vai receber o veneno que merece.
Cerro os dentes, meus olhos procurando pela mesa por algo que pudesse usar com arma ao sentir o cano da arma deslizando pela colu-na até a base antes de desaparecer. O som de um cinto sendo aberto envia calafrios pela espinha, desespero se agarrando aos nervos.
- Ma... che fai ?
- Você é minha noiva, não é? - Uma mão tateia meu vestido e ouço o som do tecido rasgando, o cano da arma empurrando contra minha coxa. - Sei mio, Eva. Cobra traidora ou não, essa boceta é mi-nha.
A percepção do que está prestes a acontecer me faz arregalar os olhos. Empurro para trás, para tentar escapar, mas pareço mole e des-coordenada, nadando dentro de uma piscina de óleo. A risada de Enri-co me faz soltar um som de desespero que arranha a garganta.
Faça algo.
Se mova.
Faça algo, Eva!
- Ora, ora, ora. Veja só o que você está escondendo debaixo desse lindo vestido vermelho. - Enrico apalpa minha coxa, meu corpo congelando ao senti-lo puxar minha Cold Steel da bainha. - Bonita. Vai ficar ainda melhor guardada na minha coleção.
- Não... seu bastardo...
Me remexo, tentando escapar, mas é inútil. Enrico torna a bater minha cabeça contra a mesa e sinto o mundo turvar e inclinar por um momento. Sua voz soa distante, ecoando no meio do zumbido dentro da minha mente e sinto a ponta da minha própria faca ser pressionada contra minha garganta.
- Gosto quando imploram. Quando pedem pela vida enquanto fodo uma boceta apertada. Você não vai me implorar para deixá-la ir?
Meus dedos curvam e as unhas arranham a mesa. Vejo-o com o canto do olho jogar minha faca no chão e o cano de sua arma está de volta, esfregando na curva da minha bunda, os lábios de Enrico em minha nuca enquanto segura de modo firme meus cabelos.
- Posso colocar uma bala aqui depois que foder você. O que acha? Hein? - Enrico morde meu ombro, seus dedos apertando ainda mais meu cabelo e empurrando minha cabeça com força contra a ma-deira. - Implore, maldita vadia!
Cerro os dentes, a garganta fechando e lutando contra o instinto de gritar. Não daria esse gosto a ele. Não vou implorar. Costa De No-brega ensinou melhor do que isso. Essa vida, minhas escolhas, cada parte foi feita para suportar. Rastejar para fora da lama quando tudo acabasse e seguir adiante como se nada tivesse acontecido. Uma parte minha morre cada vez que atiro contra uma pessoa. E não seria hoje, nem nunca, que seria forçada contra minha vontade.
Um tiro soa no salão e Enrico ri, sua cabeça tombando sobre meu ombro. Meu corpo paralisa quando mais tiros ecoam, se misturan-do aos gritos.
- A encomenda de noivado chegou - Enrico sussurra no meu ouvido, a arma empurrando os cachos soltos longe do meu rosto. - Acho melhor terminar aqui logo, não quero perder o final da festa. É uma pena você não estar gritando.
Não, você não vai.
Apalpo ao redor, encontrando uma caneta preta com entalhes dourados. Fecho a mão com firmeza ao redor do objeto, os joelhos tre-mendo ao sentir Enrico puxando minha calcinha. Minha alma se des-pedaça em pequenos fragmentos, o desespero me corroendo por dentro.
Reunindo o último resquício de força, toda a raiva e frustração, giro o braço com força para trás e sinto a caneta se afundando em car-ne e tecido. Ele grita, surpreso pelo ataque, e seu aperto em mim se solta ao tropeçar para trás. Ainda sinto meus movimentos estranhos, a calci-nha enrolada nas coxas quando me viro e procuro pela faca caída.
- Sua vadia! - Enrico ruge ao tirar a caneta enfiada abaixo de suas costelas, avançando sobre mim.
Desvio de suas mãos e caio no chão, minha mão agarrando a fa-ca quando Enrico envolve meu tornozelo em sua mão. Giro, acertando seu peito com o pé, o salto agulha do meu sapato rasgando sua camisa e arrancando sangue de seu peito. Seus olhos escuros parecem insanos, a fúria gravada em seu rosto e o desfigurando.
Erguendo sobre um joelho, seguro o cabo da faca com força e afundo a lâmina negra de quinze centímetros no joelho de Enrico, entre a patela e a tíbia. Seu grito de dor ecoa na sala ao mesmo tempo em que mãos batem contra a porta com força, quando a voz irrompe no meio do som de tiros e gritos.
- Eva! Você está aí, Eva?!
Jade.
A adrenalina envia picos de energia pelo meu corpo, empurran-do a letargia do remédio para baixo. Sua mão avança para mim quan-do puxo a faca de seu joelho e ergo o punho, enfiando a lâmina em sua palma.
Enrico puxa sua mão de volta e me levanto, dando um golpe com a faca de baixo para cima. A ponta risca seu rosto do queixo até a têmpora esquerda, passando sobre o nariz. Enrico grita, sua mão ma-chucada segurando o rosto sangrando e se curvando sobre a mesa. Com o punho fechado, acerto sua nuca com força e Enrico cai desmai-ado.
- Eva! Eva! Abra essa porta!
Cambaleio até a porta enquanto puxo a calcinha de volta e res-mungo ao perceber que a chave não está na fechadura. Meu pé vacila, e percebo que meu salto está quebrado.
- Eva!
- Estou... estou bem! - grito de volta, tirando os sapatos e olhando o homem caído.
Ajoelho ao lado de Enrico desmaiado, sangue manchando seu peito e a calça aberta revelando sua cueca. Limpo a lâmina da faca em sua camisa antes de guardá-la na bainha. O anel em meu dedo chama minha atenção, o rubi brilhando na luz amarelada. Com um grunhido de raiva, o tiro e jogo de lado, só então passo a procurar pela maldita chave nos bolsos de Enrico. Assim que a encontro, volto para a porta, colocando-a na fechadura e girando. Mal tenho tempo de me afastar quando se abre e quase caio aos pés de Jade, suas mãos agarrando meu rosto.
- Bambina! Você está bem? - Seus olhos alcançam Enrico caído no chão. - O que ele fez com você? Eva, o que ele fez?
- Estou bem. Acalme-se. - Engulo em seco e me levanto com sua ajuda. - Me diga o que está acontecendo lá embaixo.
- Os homens de Avillano atacaram. Está um caos no salão. - Jade olha para o corredor, a mão segurando firme meu braço ao voltar a olhar para mim. - Seu pai pediu para levá-la para o esconderijo.
- Não posso ir. Onde papà está?
Balanço a cabeça mais uma vez e me desvencilho de Jade para pegar a arma de Enrico caída no chão. Meus dedos estão trêmulos ao redor do metal pesado e dourado. Inspiro profundamente ao perceber que parte do que me atrapalha a enxergar são as lágrimas que continu-am a cair mesmo que me negue a chorar.
- No salão, no meio de tudo, como sempre. - Jade cerra as so-brancelhas. - Eva, você não está pensando...
- Vá para os fundos. Há um carro escondido lá - digo, lim-pando os olhos com o punho. - Me espere ali e não se afaste até que eu chegue.
Trinco os dentes ao sentir meus joelhos trêmulos quando dou al-guns passos para frente.
- Você não pode ir até lá! - Jade exclama, cobrindo a boca em seguida ao olhar o corredor.
Os tiros ainda ecoam no andar de baixo quando ignoro o olhar de Jade e engatilho a arma.
- Não há tempo para discutir isso. Vá, Jade.
- Não irei deixar você!
Suspiro ao mesmo tempo em que Enrico resmunga no chão. Se-gurando o braço de Jade, a puxo para o corredor e fecho a porta com a chave do lado de fora. Preciso ser forte agora, meu papà precisa de mim.
Posso desabar depois.