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Os segundos seguintes são confusos. Meus joelhos tremem com o som do tiro, minha espinha gela com a voz de Enrico. Minha consciên-cia, lá no fundo da minha mente bagunçada, grita que deveria ter ma-tado o filho da puta quando tive a chance.
A mão grande de Matteo espalma minha coluna, empurrando-me para frente e quase me fazendo tropeçar enquanto sua voz rosnada ecoa no meu ouvido.
- Corra!
Não penso, não pergunto.
Meus pés derrapam na grama, meus dedos cavando a terra quando pego impulso para correr o mais rápido que poderia. A mochila bate na minha cintura, a arma pesando em meus dedos quando corro ao redor da piscina. Tiros são ouvidos, raspando meus braços e cabelo, atingindo a parede ao longe e o chão. Gritos de desespero e rugidos de raiva permeiam o ar. Uma risada perdida se infiltra na minha mente, mas a ignoro quando duas mãos cavam minha cintura e me impulsio-nam para cima quando chegamos ao muro.
Estranho, minha mente continua pensando.
As pontas da arma cavam minha pele sob a camiseta e sou jo-gada sobre o muro, caindo de joelhos do outro lado e as palmas ras-gando nas pedras. A Desert rola pelo chão e tateio nervosamente em busca dela, meus dedos envolvendo o cabo quando Matteo cai sobre os pés em um pouso pesado ao lado.
- Você está bem? - Matteo grunhe, seu braço me envolvendo e me colocando de pé.
Stefano cai em um movimento fluido e então brande sua arma na direção do muro.
- Ma che saco di merda ! - Seus olhos azuis afogueados me olham e então há um sorriso largo em seu rosto, um pouco maníaco. - Isso foi ótimo, donne. Você correu como uma gazela.
- Para o carro. Agora.
Mãos surgem sobre o muro e então um par de cabeças. Stefano atira, fazendo os homens caírem novamente. Não fico esperando para saber se há mais. Corro atrás de Matteo, encontrando um carro espor-tivo estacionado atrás de algumas árvores. Suas luzes piscam quando o alarme é destravado.
Stefano me empurra para o banco de trás, sua mão abaixando minha cabeça para não bater no teto. Ele ocupa do banco do passageiro quando Matteo senta atrás do volante com seu corpo enorme que faz o carro parecer pequeno, mas ele não aparenta notar ou se importar. O motor ruge ao ser acionado e os pneus derrapam na grama quando o acelerador é pressionado.
Minhas costas são pressionadas contra o banco com a velocida-de atingida em questão de segundos e logo o carro está correndo pela estrada estreita. Stefano xinga mais uma vez ao colocar suas armas sobre o painel e desabotoa a camisa, empurrando o pano do ombro di-reito. De onde estou, vejo o furo de saída da bala. Aquilo deveria tê-lo deixado com um braço dolorido e inútil, mas o homem continua se mo-vendo.
- Agora - a voz baixa de Matteo tira minha atenção de Stefa-no se remendando e me faz olhar para o homem sério me observando pelo retrovisor. - Explique-se, Eva.
Não é um pedido.
Não. Homens como Matteo não pedem. Eles ordenam e esperam que sejam obedecidos sem mais perguntas. Em outra ocasião, poderia mandá-lo ir se ferrar com sua voz autoritária de Alfa e enfiar sua arro-gância no rabo. Porém, não estou em posição de ser orgulhosa agora.
Sua teimosia um dia vai colocá-la em apuros, Eva. A voz do meu papà soa em minha mente, trazendo dor e raiva ao mesmo tempo.
- Era meu noivado. - Começo, meus dedos cerrando em um punho apertado. O pneu passa sobre uma pedra, o solavanco me fa-zendo cair para o lado e segurar no encosto do banco de Matteo. - Meu papà entrou em acordo com Borges Avillano dois anos atrás sobre a união de seus filhos. Eu não sabia o real motivo e só descobri mês pas-sado, quando fomos até a casa dos Avillano para um jantar.
E aquele foi o pior jantar que tive. Deveria ter percebido que al-go estava errado. Enrico me olhava diferente das outras vezes e seu tique ficava mais e mais notável.
- O que Costa estava fazendo casando você com aquele idiota? - Matteo cerrou os olhos, seus dedos apertando o volante.
O carro trepidou ao sair do caminho esburacado e pulou um pouco ao entrar na estrada pavimentada. Stefano grunhiu ao puxar a bandagem com os dentes, enrolando seu ombro ferido. Nota-se que naquela não era primeira vez que o homem se remendava sozinho.
- Era apenas um arquétipo, nosso noivado, para descobrir os segredos da Famiglia Avillano. Papà queria conseguir explodir o negócio deles de dentro para fora. Porém, algo deu errado - digo, enfiando os dedos pelo cabelo.
Stefano ri baixinho.
- Não brinca.
Matteo lança um olhar sério para o irmão, que o cala imediata-mente.
- Como aconteceu?
- Eu fui... - Balanço a cabeça, cruzando os braços. - Eles ti-nham um plano, obviamente, e não acabou muito bem a noite de on-tem. Enrico tentou me drogar e então... me violentar.
- Porca miseria! Ele tentou...
Nego com afinco e as sobrancelhas de Stefano vincam ao me olhar.
- Eu disse que sei me cuidar - falo seriamente. - Enrico ten-tou e falhou. Deveria tê-lo matado, mas... não sei porque não o fiz. Os homens de Borges estavam escondidos pela casa e mataram nosso pes-soal em silêncio. Enquanto eu cuidava de Enrico, no salão principal ocorria o tiroteio. Quando cheguei lá, meu papà... - Estremeço, fe-chando os olhos. Exalo devagar e então torno a abrir os olhos, fitando os de Matteo no espelho. - Ele me pediu para fugir. Disse para pegar Jade e escapar. Eu não podia fazer isso, me entende? Não podia deixar meu papà para trás.
- Você ficou - Matteo disse gravemente, seus olhos alternando entre a estrada e o espelho.
- Famiglia vem em primeiro lugar. - Fecho os dedos e bato contra o encosto com o punho. - Mas Borges... Ele tinha sangue nos olhos, ódio nas veias. Ele matou meu papà e quase se matou no processo ao estourar uma granada no meio do salão.
- Mona - Stefano murmura. - Fodido maluco...
- Sinto muito pelo seu pai. - Matteo franze os lábios finos, seu rosto com expressão carregada. - Costa era um bom homem.
Assinto, agradecida pelas palavras.
- Os homens de Avillano invadiram nosso território e destruí-ram tudo. Transformaram minha casa, que nasci, cresci e vivi por anos, em uma pira de cadáveres e escombros. Borges matou meu papà e que-rem matar a mim também.
- O que pretende fazer? - Stefano me olha, uma sobrancelha clara arqueada. - Tem para onde ir?
- Não. Minha família inteira morreu ontem. Não me resta na-da, nem ninguém.
Eu não queria soar como uma pobre alma comovente. Entretan-to, a minha situação é exatamente essa. Não resta nada para mim ao olhar para trás, apenas destroços de um vida que não voltaria nova-mente. Fazer parte de uma Famiglia, ser filha de um Chefe, é ter um futuro incerto e a morte como algo definido.
Sem arrependimentos.
Sangue frio e dedos firmes.
Sem lágrimas.
Empurro as dores e preocupações para o lado quando Matteo entra em uma curva fechada e então seus olhos pegam os meus pelo retrovisor mais uma vez.
- O que te faz pensar que está segura comigo?
- Se meu papà deu seu nome antes de morrer, é porque ele não confiava em ninguém além de você. - Aponto. - Você deu sua pala-vra e, pelo pouco que me lembro, Matteo Mazzari era um homem hon-rado. Você continua sendo um?
Seus olhos cerram brevemente com minha pergunta, suas nari-nas dilatando ao inspirar.
- Ninguém, nunca, coloca minha honra em dúvida. - Seus de-dos apertam o volante, seu pé afundando no acelerador. - Eu disse a seu pai que o ajudaria quando precisasse, mesmo que tivesse as mãos cobertas com sangue. Eu honro minha palavra. Você aqui, viva, é uma prova.
O som de pneus derrapando chega até nós e o parabrisa traseiro atrás de mim explode. Grito, as mãos indo até os ouvidos, enquanto vidro chove sobre minhas costas e ombros. Tiros atingem a lateral do carro, fazendo Matteo ziguezaguear na estrada. Stefano tira metade do corpo para fora, armas em punho e atira enquanto ri. Percebo que a risada que ouvi anteriormente era dele.
Insano.
Matteo torce o volante, desviando no cruzamento e entrando na cidade. Ergo o corpo e espio pela parte de trás, o vidro completamente estragado. O carro preto da frente desvia, o parabrisa marcado com balas. Um pneu estoura, fazendo o veículo torcer e sair da pista, capo-tando. Entretanto, ainda há mais um vindo.
- Matteo... - murmuro, agarrando o encosto do banco.
- Eu sei - grunhe, uma mão agarrando o cinto da calça do ir-mão e o puxando. - Stefano.
- Pronto! - ele recarrega as armas, um enorme sorriso no rosto e olhos ensandecidos quando vira para mim. - Donne, você está fa-zendo meu dia muito melhor.
O homem é louco, louco.
Passamos pelas ruas quase voando e o carro atrás de nós se per-de no meio do caminho. Alguns transeuntes pulam fora da via, carros freiam no último segundo quando Matteo passa pelo cruzamento. Ser-penteando pelas ruas estreitas, passamos por baixo de uma pequena ponte, virando para uma estreita estrada rural. Com um giro do volan-te, viramos atrás de um grande carvalho chorão e o carro para.
- Como combinamos? - Matteo questiona.
- Sim, grande fratello.
Atônita, observo Matteo sair e bater a porta enquanto Stefano salta para o banco do motorista. A porta ao lado se abre e a mão de Matteo está estendida para mim, seu rosto com impaciência iluminado pelo sol do entardecer. Segurando a bolsa e a arma, saio do carro com sua ajuda e Stefano acelera, os pneus jogando grama e lama para trás.
- Por aqui.
- O quê... - Olho para Matteo caminhando e passando por uma cerca viva.
Olho sobre o ombro, para onde o carro com Stefano desapareceu e engulo em seco. O som de pneus se aproximando me faz correr, atra-vessando a cerca viva e quase caindo do outro lado. Mãos firmes me seguram nos ombros e ranjo os dentes quando a ferida envia pulsos de dor até o cotovelo. Porém, não deixo transparecer. Reprimo qualquer expressão de dor quando olho para o rosto de Matteo.
- Você está bem? - Seus olhos me observam com cuidado quando assinto.
Vejo, então, um sedan preto estacionado há pouco metros de nós. Matteo recolhe uma mochila pequena do chão, que não havia visto que carregava, e vai em direção ao carro enquanto fala baixo.
- Esse carro vai nos ajudar por um tempo até encontrarmos Stefano mais uma vez.
- Como sabia que seriamos seguidos até aqui para ter um carro sobressalente?
- Eu sempre penso em tudo. - Matteo guardou a mochila no porta-malas e pegou a minha, colocando-a junto da dele. - Indepen-dente de estarmos sendo seguidos ou não, meu plano era separar. Ago-ra entre, Eva.
- Você é sempre tão mandão assim? - resmungo a pergunta, puxando a porta e o olhando sobre o teto do carro.
Um pequeno sorriso ergue o canto do seu lábio quando me olha, suas mãos puxando a jaqueta e revelando dois coldres de ombro sobre sua camisa preta. Mesmo no tecido escuro eu poderia ver as manchas de suor agarrando o tecido em sua pele.
Absolutamente, Matteo estava mais construído agora do que dez anos antes. Flávia costumava dizer que homens que envelheciam bem eram como bons vinhos. Não sei se Matteo se encaixa como uma simples bebida alcóolica fermentada com sabor de uva. Uísque combina melhor.
- Apenas entre no carro, Piccolina.
Seguro a vontade de revirar os olhos quando sento no banco do passageiro e Matteo no do motorista. O motor ruge ao ganhar vida e saímos por uma pequena passagem entre as árvores, do outro lado da estrada. O silêncio cai sobre nós de forma confortável e isso me faz per-ceber como meu corpo está dolorido. Minhas palmas ardem do tombo que levei ao saltar pelo muro, assim como os joelhos. Meu ombro lateja e percebo a pequena mancha vermelha na camiseta branca.
Com o canto do lábio virado para baixo em desgosto, afasto su-tilmente o tecido e vejo que o curativo soltou um lado. Matteo olha ra-pidamente, apenas para trocar de marcha e então seus olhos retornam para mim de forma mais insistente.
- Você se machucou? Atingiram você?
- Não. - Nego suavemente, cobrindo a ferida com a camiseta outra vez. - Isso aconteceu na minha fuga de casa.
- Você realmente sobreviveu ao inferno.
- Veja as notícias - murmuro, esfregando minha sobrancelha e exalando ao sentir a pele da ferida costurada esticar. - Minha casa passou no telejornal local. Se ver, vai ter uma ideia do que aconteceu.
O zumbido de concordância de Matteo soou baixo. Apoio a nu-ca no encosto do banco e viro para olhar seu perfil. A linha do maxilar rígido já com uma leve sombra de barba. Seu cabelo loiro escuro des-penteado e as pontas úmidas pelo suor causado pela fuga e o calor do final do dia. Mesmo parecendo ter sido atropelado por um caminhão, o homem continua bonito.
Suas sobrancelhas vincam ao olhar a estrada, uma veia surgin-do em sua testa e pescoço quando diz:
- Temos problemas.
Pisco, olhando para frente.
- O quê...
Minha voz morre ao perceber o carro preto atravessado na es-trada. Enrico ajeita seu terno preto, a mão enfaixada e mancando sua-vemente ao se afastar do capô que estava sentado. Sua mão boa se er-gue e vejo a arma pouco antes de tiros soarem.
Abaixo a cabeça ao mesmo tempo em que o parabrisa é atingido e Matteo vira o volante, fazendo o carro girar. Um estouro me faz pu-lar e Matteo xinga quando o carro pula. O pneu, provavelmente, foi atingido. Solto um gemido, empurrando os cabelos para trás e olho pela janela, vendo Enrico estalar o pescoço e mancar para nós.
- Você pensou que ia escapar de mim, meretrice ? Saia daí, troietta ! - Gesticulando com a arma, ele ri. - Nós não terminamos o que começamos.
Ele vai me matar.
Porra, ele vai me matar.
- Maldita hora em que cruzou meu caminho - sussurro.
A mão de Matteo segura minha nuca, fazendo-me desviar os olhos de Enrico e focar naquelas esferas verdes furiosas.
- Eu não vou deixar que ele te pegue, meu ouviu? - Seus de-dos apertam minha nuca e, estranhamente, me confortam. - Pela ar-ma apontada na minha cara mais cedo, posso dizer que sabe atirar?
- Sou a única filha do meu pai. - Olho-o séria, o medo se agarrando em meus nervos enquanto tento fingir que sou destemida. - É claro que sei atirar.
- Ótimo. Fique no carro. Se algo acontecer, atire.
Assinto e Matteo deixa um último aperto de seus dedos em mim antes de pegar sua arma e sair do carro. Giro os pulsos e inspiro, pe-gando a Desert Eagle dourada e olho o pente, encontrando uma única bala quando ouço a voz de Matteo.
- Acho melhor abaixar a arma. Você está no meu território, Avillano.
- E você está com minha noiva. Essa cadela me pertence! - Enrico balança a arma na minha direção e então aponta para Matteo.
- Ela não pertence a você. Eva está comigo. Agora, abaixe a arma.
- Não, ela sempre vai estar comigo.
Enrico atira, atingindo o carro e eu mergulho para baixo para me proteger. Escuto o som de bala rasgando metal e vidro quebrando, um rosnado de dor masculino e a risada insana de Enrico. Ergo a cabe-ça, encontrando Matteo apoiado na lateral do carro, sua cabeça pen-dendo para frente e Enrico trocando o pente de sua arma.
Deveria tê-lo matado quando tive chance.
Minhas mãos cheias de sangue inocente.
Minha família morta.
A morte é a única coisa certa nesse ramo, Eva, a voz de papà preen-che minha mente. Talvez seja por isso que decido que no meu futuro a morte não mandaria. Que os mortos seriam apenas meus inimigos. Eu fugi de uma guerra e mergulhei em outra, meus pés chafurdando em lama por causa das Famiglias e suas brigas. Eu disse que não seria uma mulher de enfeite no braço de um Chefe.
Me recuso a ser apenas um brinquedo.
E, com esse pensamento, meus dedos envolvem a arma e abro a porta com um rugido furioso. Os olhos de Enrico desviam de Matteo e cerram na minha direção e para a arma que carrego.
Sua arma.
Isso faz com que um sorriso brote em meus lábios quando seus olhos escuros percebem o que estou prestes a fazer. Matar o homem com sua própria arma. Soa quase poético.
- Volte para o carro! - Matteo exclama, seu rosto torcido de dor.
Ignoro, engatilhando a arma, sorriso ainda no rosto.
- Vai all'inferno, bastardo - rosno.
Meu dedo aperta o gatilho.
O estouro ecoa pelos meus ouvidos.
E, pela primeira vez, não me sinto culpada em atirar em alguém com intenção de roubar sua vida.