Subo naquela moto, já me arrependendo do que estou fazendo. Devia era ter dito que não ia em baile nenhum. Ele sobe o morro, comigo na garupa, e sendo bem sincera, eu sei que estou aqui há dois dias só, mas eu não estou gostando. Me dá receio de ver pessoas armadas, e as crianças sozinhas nas ruas. A maior parte das estradas são de terra de chão batido, ou paralelepípedo. Até o momento, não vi nenhuma asfaltada. O saneamento básico de água, não era dos melhores, com os canos aparecendo, e alguns vazamentos, e água da torneira não parecia a melhor para se beber. Os fios de luz, dos postes, estavam em um emaranhado de amarrações, e muitos que sei que são clandestinos, como chamam mesmo? Gatos?
Crescida em bairro de classe média e depois em um lar em uma região melhor de vida, e com costumes rígidos e religiosos, me sinto uma pecadora desenfreada. Ainda mais depois desse beijo que o Joca me deu. Preciso esclarecer as coisas com ele. Não tenho intenção de namorar, muito menos com um dono de morro, metido com tráfico e bandidagem. Credo! O seu Nelson e Cecília, me colocariam de castigo, e teria que rezar 25 pai nosso, ou mais!
- Chegamos! - Ouço a voz rouca de Joca falar e me arrepio. Ele me ajuda a descer, e olho em volta. É o próprio inferno! Deus que me perdoe! Arregalo os olhos e os meus olhos param nele.
- Legal. - Digo, vendo pessoas chegando, e já pegando bebidas, de um canto, onde homens distribuíam copos de plástico com bebidas dentro. Outras fumando, outras dançando, já era uma bagunça.
- Vem. - Ele me estende a mão e pego, sendo levada um pouco mais acima, onde entro em uma espécie de palco, mais alto, ao lado de um palco aberto, que tinha caixas de som, e luzes piscando. Coragem! - Aqui é o meu camarote. - Ele me diz e forço um sorriso engolindo seco. O dia fora quente, e não se podia dizer que agora estava frio, mas eu sentia frio. Mas era um frio interno. - Só os especiais, vem aqui. - Ele diz, colocando a mão na minha cintura, e me disfarço, saindo dos seus braços, indo na beirada, parando no para peito.
- Dá pra ver quase tudo daqui. - Digo olhando as luzes das casasinhas mais a baixo.
- É... mais pra cima só tem mais uns poucos barracos, e o meu. - Ele aponta mais pra cima e vejo, uma casa, bem mais bem feita que as outras da favela.
- Legal. - Digo olhando as pessoas mais a baixo dançando. As mulheres usam saias curtas, ou shorts, mini blusas, tomaras que caia, e salto. Como elas conseguiam ficar naquele chão com saltos? Tudo bem que ali era um chão cimentado, mas e até chegar ali?
Sinto as suas mãos grandes e o seu corpo grande, se colocar atrás de mim, me fazendo arrepiar inteira. Sinto a protuberância dele pressionar em mim, e me viro, erguendo a cabeça e o encarando. Ele está sério, mas os seus olhos escuros brilham, sob as luzes do local. Ele abaixa-se para me beijar e no susto viro o rosto, então sinto, uma de suas mãos fortes virar o meu rosto para ele.
- O que foi, Vitória? - A voz dele é rouca e sensual, e pelo amor de Deus, eu vou me mijar nas calças!
- Va-vamos com calma. - Gaguejo e vejo-o sorrir.
- Mais calma? - Ergue as sobrancelhas e me perco naquele olhar profundo. Seus olhos me hipnotizam e me fisgam para perto dele. Sinto sua respiração cada vez mais próxima e os olhos estreitando, até que sua boca toma a minha. A boca quente cola na minha, os meus lábios se abrem e a sua língua me invade, tento acompanhar, mas me perco e o meu ar começa a pesar, me fazendo afastar levemente. Ele se afasta e puxa minha cabeça, me dando um beijo na testa. Sinto minha cabeça contra o peito firme, e me afasto. Ele me encara firme. - O que foi, Vitória? Me diga! - Ele insiste, e penso que devo ensaiar melhor as minhas reações, pois devem estar dando muito na cara.
- Bem... - Olho para o lado e faço uma careta. Era difícil dizer aquilo, mas era importante ele saber, para me entender, e nem insistir em algo que eu não poderia dar. Volto a encará-lo. - É a primeira vez que eu beijo um homem. - Digo o encarando, e vejo-o fechar os olhos, erguer as sobrancelhas, e engolir seco. - Desculpe, se pareceu que eu estava muito interessada, você é um homem bonito, mas eu não sou a pessoa ideal. - Ele me encara com um olhar esquisito, e só consigo pensar que ele vai me jogar de cima do camarote. - O senhor deve ter muitas outras mulheres, que vão saber lhe beijar e... - Ele começa a rir, a rir não, gargalhar. - O que foi? - Pergunto, me desvencilhando de seus braços.
- Você não existe, Vitória! - Enrugo a testa. - Senhor? Não sou tão mais velho assim. - Ele baixa a cabeça para me olhar bem dentro dos olhos.
- Ah, me desculpa, é só por respeito...
- Não quero outras mulheres.
- Mas dono Joca...
- Primeiro Vitória, para de me chama de dono Joca, ou senhor, é estranho.
- Ah, tá... mas você é o dono, do Joca morro... - Franzo o cenho, acho que esse cheiro de fumaça e maconha por todos os lados da me deixando maluca da cabeça.
- Só Joca, tá bom. - Ele diz, segurando o riso.
- Tá. Joca.
- E deixa eu continuar. - Assinto. - Não quero outras mulheres. Quero você! E quero, não só porque é bonita, simpática e parece inteligente, mas também justamente pelo o que você acabou de me dizer.
- O quê? Que não sei beijar?
- É... - Ele ri de um jeito, que não encontro outra forma de dizer, se não, debochado.
- Não entendo. - Digo cética.
- Não precisa entender, basta aceitar. - Ergo as sobrancelhas. Aceitar? Eu por acaso não tenho escolha agora é?
Antes que meus pensamentos continuem, ouço a voz de Salsicha.
- E aí pessoal. - Ele cumprimenta Joca, e acena para mim. Sorrio gentil, e vejo que com ele chega mais dos homens. Não os conheço, mas Joca os cumprimenta.
- Pra quem não conhece, essa é a Vitória. - Ele me puxa pela cintura, e meu corpo se cola ao dele, de lado. Os homens, dão um sorriso idiota, que me dá um pouco de irritação. - Vitória, esses são J1 e P9. - Franzo o cenho e aceno, com um sorriso forçado.
- E aí, Vitória. - O tal do P9 se aproxima e da um beijo no rosto, e o perfume dele se mistura ao cheiro de maconha, então vem o outro e faz o mesmo. Mas J1 não tem cheiro de maconha, só de um perfume fraco.
Logo aquele camarote começa a encher, um tal de D2 chega com mais duas moças, que ficam me encarando com cara feia. Tento sorrir, mas elas reviram os olhos e viram o rosto. Depois Vagner, que é V13, uma bosta esses codinomes, mas né... ele chega com uma moça. E assim mais uns 4 rapazes que não decorei os nomes, cada um com uma ou duas mulheres. Eles bebem, fumam e riem, enquanto cantam, e erguem os braços pra cima segurando aquelas armas.
Estou próxima de Salsicha e me aproximo um pouco mais e cochicho. - Eles não tem medo de disparar essas coisas sem querer? - Salsicha está muito bonito essa noite. E o perfume dele é bom também, me traz uma sensação boa. Seus olhos esverdeados sorriem para mim.
- Não, eles já são craques na coisa.
- Ah... - Digo ainda desconfiada.
Mais um pouco e chega o pessoal do pagode, que eles comentavam ansiosos. E, UAU! Pagode é muito bom. Eu até já ouvira algumas músicas, mas não tinha a emoção de estar ouvindo ao vivo, com todo mundo ao redor, cantando e sambando. Salsicha até tenta me ensinar uns passos, pra lá e pra cá, e a sambar, sozinha. Mas Joca o chama, e ele sai do camarote emburrado. De certo teve que fazer algum favor. Olho para baixo e vejo Patrícia, ela está vestida com um vestido vermelho curto, que ressalta suas curvas sensuais. Ela é realmente muito bonita. Fico olhando para ver se ela me olha, mas ela parece distraída, e tem um rapaz perto dela, dançando, e eles ficam se encarando. Tenho vontade de rir, desvio o olhar e vejo Joca me encarando. Dou um sorriso de leve e ele se aproxima, colando nossos corpos.
- Está gostando do baile?
- Aham, é interessante, a animação de todo mundo.
- Sim. - Ele sorri e olha para geral em baixo. Ele tem um sorriso bonito, que me dá um frio na barriga. Engulo seco, sentindo vontade de beijar ele de novo.Que engraçado, a pouco eu disse para ele que era melhor procurar outra mulher, e agora sinto vontade de beijá-lo.
Desvio o olhar um segundo dele e merda! Volto o olhar para ele assustada. Ele vem para me beijar, mas eu não deixo.
- Joca, a moça ali... - Olho discretamente e ele acompanha meu olhar. - Ela está... - Viro o rosto, sentindo arder.
- Ela só ta chupando ele.
- Que pouca da vergonha! - Digo sem pensar e ele gargalha. - Qual é? - O encaro séria. - Estamos em público! - Cochicho, e ele se aproxima do meu ouvido, e sua voz sai ainda mais rouca e baixa, ouriçando todos os pelos do meu corpo.
- Você ainda não viu nada! - Faço cara de nojo, e ele ri.
A festa continua, e já estou cansada. Tiro o celular que o Salsicha me deu, da pequena bolsinha que eu carregava e olho as horas. Nossa! Já são mais de meia noite.
- Acho que já vou embora. - Digo próximo ao ouvido de Joca que me olha de cenho franzido.
- Por quê? Não está gostando?
- Não, estou gostando, mas já está tarde.
- Meia-noite?
- É, costumo dormir no máximo as 10 horas da noite.
- Então vamos prolongar... - Ele me puxa e me cola contra ele novamente. E ah... o que há de mal em mais uns beijos, não é mesmo? Relaxo e deixo ele me guiar no beijo. Sigo seus lábios e sua língua, tendo sensações inexplicáveis. Eu já estava ofegante, e me sentia úmida entre as pernas, eu sabia o que era, já haviam nos explicado no Lar, mas era assustador também. Sinto suas mãos poderosas, descerem por minha cintura, pararem no quadril e seguirem em direção a minha bünda. A mureta atrás de mim, que servia de para peito para o camarote, era fechada, e quem estava em baixo, não veria, ele com as mãos na minha bünda. Quando me dou conta sinto suas mãos quentes contra minha pele, e o afasto.
- Para... - Digo baixando meu vestido. - Todo mundo vai ver minha bundä assim. - Olho para os lados, e ele me prensa contra a mureta, me fazendo sentir seu membro duro feito rocha. Droga! Engulo seco.
- Isso eu não quero. Só eu vou vê-la. - Sinto uma vertigem.
- Joca... eu... - Sua boca cala a minha, os beijos se intensificam, ele desce para meu pescoço, me fazendo arfar e quase perder o juízo. Mas alguém me salva dessa loucura.
- Joca! - Um dos rapazes ali o chamam. - Tem um cara ali em baixo te chamando. - Vejo os olhos de Joca flamejarem de raiva, ele me olha e sorri.
- Já já eu volto, para a gente continuar! - Apenas engulo seco. Ao ver que ele sai do camarote respiro fundo. Meu Deus! O que eu to fazendo da minha vida? Uma garota vem em minha direção sorrindo.
- Oi...
- Oi... - Digo simpática.
- Você é garota nova, né?
- Sim, cheguei antes de ontem de madrugada.
- Fiquei sabendo. - Ela diz e olha para a outra de canto de olho. - Quer um energético?
- Ah, não, obrigada, eu não bebo.
- Mas não tem álcool. - Ela diz com um olhar ofendido, e que merda, eu devia ser mais firme em minhas decisões, mas não quero fazer desfeita.
- Ah, tá bom. - Pego o copo que ela me estende. - Obrigada. - Ela sorri amplamente.
- De nada, se precisar de algo, só chamar.
- Tá bom. - Ela sai e eu dou um gole naquela coisa. Eca! Ruim pra dedéu! Tento mais uns dois goles, mas argh! Não dá. Fico apenas segurando o copo, vou dar para Joca tomar, quando ele voltar.
Ele está demorando um pouco, a múscia parece ter ficado mais baixa. Me viro de costas para os outros e olho para o palco, mas os cantores pareciam borrados, que estranho. Pisco algumas vezes e abro bem os olhos, e eu juro que eles estão flutuando. Viro-me de volta e vejo Joca voltando. Nossa... ele é tão bonito e musculoso, as sobrancelhas escuras e grossas, aquela boca. Ele chega e lhe dou o meu melhor sorriso.
- Joca! - Grito e o abraço, derrubando quase todo o líquido do copo. Ele franze o cenho e pega o copo.
- Quem te deu isso? - Me pergunta sério, parecendo bravo.
- Desculpa, te molhei todo! - Digo limpando sua camiseta.
- Vitória? - Ele me segura pelos braços e me olha sério, mas a vontade que tenho é de rir. Acho que ele ficou bravo porque derrubei a bebida nele. Não aguento, não aguento... desato a rir.
- Merda! - Ele diz, e tento ficar séria, mas ele é tão bonito, abraço-o pela cintura e encosto o meu queixo no peito dele.
- Você é lindo sabia? - Digo e volto a rir. Estou muito abobada da cabeça! Não é possível! Mas só se vive uma vez, não?
- Quem deu esse copo pra ela? - Não sei se alguém responde ele, mas eu quero ver ele pelado.
- Eu quero te ver pelado. - Digo rindo, e ele continua sério. O que será que houve com ele?
- Vitória, olha pra mim... - Encaro-o com os olhos bem abertos. - Quem te deu esse copo? Ergo as sobrancelhas, e estreito os olhos. Ele parecia tremer o rosto. Arregalo os olhos e me foco nele, mas eu já não consigo entender o que ele diz. AAAAh que sede. Olho para os lados, a procura de algo para beber, mas Joca me segura pelos ombros. Ai que coisa chata! Não deixa eu me divertir! Uuhhhh essa música que começou a tocar é boa... que vontade de pular... Fiquei tonta, droga, acho que não comi mais cedo, deve ser a glicose... uhhhh ... vontade de vomitar... - Vitória! - Joca grita comigo e a minha visão está estranha, não consigo enxergar ele direito. Tento falar, mas minha boca está mole... o que foi... apago.