/0/5885/coverbig.jpg?v=50d08d5004a492fa1486dc19049d9a15)
No alto de um dos mais imponentes prédios de Seattle, situado no coração da cidade, o homem bebeu um gole de uísque cujo o gosto ácido fez sua garganta queimar. A queimação do líquido entrava em harmonia com a fúria do seu humor. Ele estava irritado. Irado. Nem mesmo a vista esplêndida da cidade, cheia de aranha céus iluminados o deixava melhor. Milhares de luzes de variadas cores enfeitavam os prédios e outdoor's espalhados por onde os olhos dele percorriam. Era uma noite fria depois de um dia seco e tão caótico.
Em dias normais, o homem vestido em trajes caríssimos, com abotoaduras de ouro e relógio de prata, teria ido para algum longe dali. No auge dos seus 50 anos, Olivier Dalton, o membro renegado da família Dawntony já tinha conquistado riquezas e glórias que nenhum outro homem da sua geração havia conseguido. Ele tinha alcançado lugares que nem mesmo sonhara um dia, entretanto, o grande prêmio da sua vida, a quem ele tinha dedicado anos de trabalho e suor havia sido lhe negado, usurpado por seu irmão mais novo. Oliver era famoso por seu êxito nos negócios e agora seria conhecido pela posteridade por trazer fim a uma das famílias da Máfia americana mais respeitada nos últimos duzentos anos.
A gente do seu próprio sangue.
Mas, Olivier ainda era humano, ou pelo menos parte dele poderia ser associada a alguém que sente emoções e sentimentos, e como tal, havia certas coisas que ele temia. Um certa alguém que colocava seu plano em perigo. A notícia que tanto aguardava ainda não tinha chegado aos seus ouvidos e por esse maldito motivo seus nervos estavam sobremaneira fora de.... controle? Não. Ele não era homem disso. Jamais perdia o controle. Precisava alinhar seus pensamentos e acalmar o monstro dentro de si. Em sua companhia estava dezenas de seus homens mais habilidosos e confiáveis. Além deles, havia um convidado especial. O homem responsável por trazer desgraça ao seu nome. O homem que carregava a culpa por Olivier se encontrar naquela posição atual. Seu irmão mais novo, o escolhido da Cúpula. Ele estava no centro do círculo feito pelos homens de Olivier, ajoelhado aguardando sua sentença.
- Olivier meu irmão, não se deixe levar por esse sentimento rancoroso, somos irmãos, eu posso falar com a Alta Cúpula a seu respeito. Eles te darão um lugar na Ordem.
O vento soprou uma brisa fria e levou a voz do homem aos ouvidos de Olivier.
- Calado seu verme. Você só fala quando for mandado.
Ele gritou de seu lugar, sua atenção estava presa no horizonte em sua frente, sua cabeça revolta em pensamentos abstratos.
- Eu não preciso que você rogue por mim. Não preciso de nada que venha de você. - esbravejou rispidamente.
Olivier se virou para encarar seu irmão ajoelhado e sentiu desprezo do que via. Ali estava a personificação de tudo que ele mais odiava na vida. A fraqueza humana, o símbolo do pecado do homem. A traição. Olivier odiava traidores. Era a pior estirpe da espécie. Ele saiu de seu lugar rente à sacada do terraço e caminhou até ficar poucos passos do seu prisioneiro. Ele avaliou a expressão dele e sentiu seu estômago revirar de nojo. O filho preferido dos seus pais, o eleito para sentar-se na cadeira de honra que a Alta Cúpula havia dedicado para ele. Oliver não compreendia porque tinha sido deixado de lado e seu irmão menor o escolhido para receber um poder que ele não merecia. Era injusto. E consertaria esse erro. Oliver se considerava o melhor, o mais apto para a tarefa de governar o trono da família Dawntony. Por que diabos a Ordem iria nomear seu irmão medíocre para um cargo tão importante? Ele não aceitava essa realidade.
Ainda de joelhos, temendo por sua vida, Magnus Dawtony respirou fundo. Ele sentia-se fraco e moribundo com a perspectiva de seu irmão ter matado os grandes amores de sua vida. A doce e amada Eleonor, a quem ele conheceu em sua adolescência e dedicou toda sua vida e amor para ela e aos filhos que nasceram deles. As duas filhas adolescentes, Luz e Aliana, não mereciam um destino tão trágico que estava reservado para elas. Por sorte, a caçula da família não estava em Seattle naquele dias. Estava a salvo e longe do perigo mortal. Mas ainda havia seu primogênito. Jasper. O seu maior orgulho. Aquele que estava destinado a comandar seu reinado. Porem, Magnus sentiu tristeza ao pensar no filho. Ele não estaria vivo para contemplar as façanhas que o filho alcançaria. E a tristeza cresceu ainda mais ao pensar que Jasper poderia morrer naquela noite cessando seu futuro brilhante. Embora conhecesse bem o filho e louvasse suas habilidades de combate, Magnus achava bem difícil que Olivier tivesse agido com leviandade em relação ao jovem. Magnus temia que Jasper já estivesse morto. No fundo do seu coração, ele desejou não acabar ali, sem antes saber que sua família estava a salvo. Por isso, ele rastejaria como um cão aos pés de seu irmão em busca de piedade. Talvez os laços sanguíneos ainda tivessem algum poder.
- Olivier eu nunca trairia você. Eu não pedi para a Cúpula me escolher. Eu nunca quis isso. Eu não sei porque estou aqui. Se você quiser, eu abdico do cargo e dou ele para você, mas me deixe ir. Ou pelo menos poupe minha família.
- Silêncio. - pediu Olivier friamente e Magnus se calou de imediato. - Eu tenho informações preciosas acerca do seu procedimento meu querido irmão. - anunciou ele, andando em redor do prisioneiro. - Fui informado que você se reuniu com membros do Alto Escalão, que prometeu repassar para eles informações importantes sobre meus planos contra a Ordem. Eu sei de tudo. Sei que você recebeu muito dinheiro, além da promessa de ter uma cadeira importante junto a Alta Cúpula. Você achou mesmo que eu não ficaria sabendo?
Magnus tremeu ao ouvir Olivier falar.
- Eu não sei de nada disso. É tudo invenção de alguém maldoso que deseja o mal da nossa família. - ele disse em sua defesa. - Tudo que fiz até hoje foi dar continuidade ao trabalho do nosso pai. Ele iria querer que estivéssemos unidos. Vamos meu irmão, para com essa besteira e me deixe ir.
Olivier se irou grandemente e socou o irmão com toda força que havia em seu braço.
- Não minta para mim Magnus. E não ouse citar o nome daquele velho maldito na minha frente. Eu já sei da verdade seu porco.
Agora lágrimas e sangue se misturavam sob a face de Magnus. Era uma imagem desprezível que Olivier detestou até o âmago de sua alma.
- Eu sinto muito meu irmão. Eu fui coagido e recebi ameaças de morte, não tive como resistir a eles.
- Não teve? Você está mentindo Magnus. Eu sinto o fedor da traição exalando de você. É um rato miserável que faria de tudo para se lucrar. - Olivier acusou, cercando-o, semelhante uma cobra cerca sua vítima. - Imagino que você tenha pensado que obteria êxito nesse seu plano mesquinho. Só que acontece que eu não sou qualquer um, que se descuida de sua segurança e esquece que os homens herdaram de Adão e Eva o maldito costume de trair e mentir. Eu sou esperto meu irmão, ardiloso e por este motivo você está aqui hoje e vai morrer por seus delitos. Sua família pagará por seus pecados também. Enviei meus melhores homens para sua casa para acabar com todos eles. Será o fim da família Dawntony.
A sentença havia sido anunciada e Magnus esboçou sua última tentativa de salvar sua vida. Ele se arrastou até os pés de Olivier e implorou por sua existência.
- Volte a sensatez Olivier. Eu imploro. Você também carrega o nome do nosso pai.
- Eu não faço mais parte dessa família. Eu reneguei esse nome.
- Então poupe meus filhos e minha mulher. Eu te imploro. Deixe que eles vivam. Eles não têm culpa dos meus erros. São inocentes.
- Não há mais como voltar atrás. A essas horas todos devem estar mortos. Até seu filho. Àquele que é considerado uma arma humana, o garoto prodígio da Alta Cúpula, ele nunca conseguiria escapar com vida de uma armadilha em alta escala. É o fim da sua linhagem.
Para surpresa de Olivier, Magnus abaixou a cabeça e começou a rir. O homem riu de maneira inexplicável a ponto de se engasgar. Olivier parou para avaliar o irmão e franziu a testa confuso.
- Do que você está rindo? O que é tão engraçado? Sua família vai ser massacrada por meus homens e você acha graça nisso?
Magnus ergueu o olhar para Olivier e alargou o sorriso. Sua postura havia mudado, o espírito de vida parecia queimar dentro dele como nunca antes.
- Estou rindo da sua grande idiotice. - ele respondeu a Olivier, rindo e debochando. - Eu pensei que você já tivesse Jasper em suas mãos, que já houvesse cuidado dele. O meu maior medo era esse, que você já o tivesse matado. Mas, eu vejo que não. Você diz que enviou seus melhores homens à minha casa na tentativa de pegar meu filho de surpresa? Que tolice da sua parte Olivier. Entenda uma coisa. Jasper nunca foi ou será pego de surpresa. Você deveria tê-lo matado quando pôde. Agora é tarde demais.
Magnus recomeçou a rir. Ele se jogou no chão, dando altas gargalhadas, quase que convulcionando de tanto rir. A cena era medonha. Olivier sentiu o furor corroer seu corpo.
- Você acha mesmo que ele vai escapar com vida? - sua voz saiu zombeteira. - Eu mandei um batalhão inteiro para liquidar cada pessoa naquela mansão. Seu filho não vai se livrar.
Magnus parou de rir e ergueu os olhos para o irmão. Ele estava pleno de suas convicções.
- Você pode mandar quantos você quiser Olivier. Porque se eu estiver certo, considerando desde o momento que você me carregou para cá, há essas horas Jasper já matou seus homens e está vindo atrás de você. Se prepare, porque ele vai te encontrar.
- Já chega. - Olivier gritou e chutou Magnus na barriga, desferindo tantos golpes quanto podia. Ao terminar, ele se certificou de cuspir sobre o corpo mole do irmão.
- Eu não vou temer palavras de um homem morto. Isso é o que você é. Um homem morto. E se caso seu filho aparecer aqui, eu mesmo matarei ele.
Magnus, mesmo cheio de dores e algumas costelas quebradas, continuou a rir. Um som debochado escapava de seus lábios ensanguentado.
- Sonho impossível eu diria. - caído ao chão ele desdenhou. - Você pode até me matar, mas eu vou morrer satisfeito. Contente ao saber que brevemente irei vê-lo no inferno.
Houve dois disparos de arma de fogo e a voz de Magnus se perdeu na noite. Olivier disparou dois tiros na cabeça dele, sem dar chances de uma possível recuperação. O movimento com a pistola silenciosa foi tão rápido que nem mesmo seus homens capturaram o instante que ele pegou a arma em seu terno e atirou contra o irmão. No chão, uma poça de sangue vívido foi se formando embaixo do corpo de Magnus e começou a escorrer para os lados.
Olivier entortou o nariz para o resultado do trabalho de suas mãos e sentiu-se aliviado. Um problema a menos para resolver. Se virando para seus subordinados, ele ordenou:
- Se livrem desse pedaço de lixo.
A pistola ainda repousava em sua mão quando alguém saiu de dentro do elevador de serviços à direita e se juntou a eles no terraço daquele edifício. Era outro dos seguranças de Olivier, um jovem asiático, que tinha sido contratado para a equipe há pouco tempo. Olivier estudou a situação e sentiu pela expressão do rapaz que más notícias estavam chegando.
- Sinto muito senhor, mas o filho do Sr.Dawtony conseguiu escapar. - noticiou o rapaz, ficando a dois passos do corpo de Magnus. - Eu segui o rastro dele pela cidade, mas acabei perdendo-o de vista. Achei que o senhor gostaria de saber que ele pode ter recebido reforços.
Olivier permaneceu com a expressão impenetrável quando falou.
- Deixa eu ver se entendi bem. Você deixou o filho do meu irmão fugir, a pessoa que pode me causar muitas dores de cabeça futuramente e você achou que eu gostaria de saber que ele pode estar vindo para cá tentar me matar? - comentou ele andando na direção do rapaz. - Você veio aqui me trazer informações quando poderia ter detido o filho da puta!? Nossa, você quer que eu lhe dê os parabéns?
O jovem pareceu perder o dom falar ao notar a fúria aprisionada na voz de Olivier. Eles apenas engoliu seco e fez a menção de abaixar a cabeça. Seu corpo tremeu desde a base da cabeça até a ponta dos dedos do pé. Naturalmente, ele tinha em mente que o castigo por sua falha o aguardava.
- Não abaixe a cabeça quando falo com você. - gritou Olivier exasperado. - Me olhe nos olhos de homem para homem e me diga se quer que eu e os demais aplaudam seu grande feito!
O jovem olhou diretamente nos olhos de Olivier e meneou a cabeça em negativo.
- Fale. Eu estou mandando.
- Não senhor. Peço desculpas por ter agido covardemente.
Olivier riu. Um riso maligno e sem humor.
- Exato. Você agiu como um covarde ao deixar o maldito filho do meu irmão escapar. - Olivier repreendeu dando passos em direção ao rapaz. Ele pisava suavemente no piso, mas seu interior estava fervendo de raiva. - Você sabe quem é o homem que você deixou viver? Já ouviu falar dele?
À medida que Olivier se aproximava, os olhos do jovem piscavam sem parar. Ele manteve sua postura ereta e braços rente ao corpo, seu interior se revolvendo de medo.
- Você já ouviu falar acerca do meu sobrinho, rapaz? Sabe do que ele é capaz?
- Não senhor, eu não conheço ele e nem sei da sua história.
Olivier cessou seus passos quando ficou frente a frente com o moço. Ele estava tão próximo que podia sentir o corpo do rapaz tremer, tal era o nível de medo de ser castigado.
- Olha só rapazes, o Chang Ling aqui não conhece meu sobrinho - Olivier disse, rindo de maneira sarcástica olhando para seus outros homens. - Você é mesmo um idiota.
Encurralado como um rato numa gaiola, o rapaz engoliu seco.
- Desculpe meu senhor. Para recompensar o meu erro, eu posso ir atrás dele. Eu mesmo o matarei.
Ao som dessa frase, Olivier gargalhou alto, uma risada genuína.
- Você vai matar Jasper Dawtony? - Olivier perguntou achando graça. - Você está certo disso?
- Sim senhor, é só mandar que eu mesmo entregou a cabeça dele numa bandeja. - respondeu o novato.
Olivier parou de rir num piscar de olhos e socou o rapaz na boca do estômago. Com o golpe, o jovem se curvou de dor sentindo sua respiração falhar. A dor era imensa.
- Não seja tolo rapaz. Está falando loucuras. - Olivier gritou, furioso, apontando o dedo cumprido na cara do jovem mafioso. - Me diga uma coisa, você já ouviu falar da peste negra? A praga maligna que devastou metade da Europa no XIV?
- Sim senhor, conheço a história.
- Se sabe dessa história então não vai ficar surpreso quando eu dizer que o homem que está vindo atrás de nós é conhecido por ser tão implacável quanto essa Peste. E eu não estou exagerando.
- Mas senhor, ele é só um homem. Mesmo que receba ajuda de um exército, seria impossível ele conseguir nos derrotar. - o jovem contrapôs, soando confiante.
- Jasper não precisa de um exército. Se conhecesse bem meu sobrinho, saberia que ele vale por um batalhão de cem homens. Ele é um titã colossal de matar. Seus feitos são tão famosos que colocariam medo no rabo do demônio mais temido do inferno. Jasper Dawntony. Esse é o nome dele. Um nome que anuncia morte ao seus inimigos, o legado desse garoto assemelha-se a Peste Negra. É o melhor homem que a Ordem Máxima já fabricou. Aonde é enviado ou decida colocar os pés, sua marca fica cravada, assinalada como um sinal amaldiçoado de que a morte permanecerá assombrando seus inimigos para sempre. Jasper já matou tantos homens quanto a areia da praia. O filho da puta ja destituiu o reinado de dezenas de gangster's poderosos, extinguiu famílias inteiras como um fogo abrasador e nunca fracassou. Será que dá pra entender agora? Aí vem você, que teve a possibilidade de matar o infeliz e foge. Brilhante. Realmente brilhante.
- Eu vou atrás dele senhor, eu vou consertar isso.
Olivier soltou uma risada de escárnio genuína.
- Novato! Novato! Será que você não ouviu nada do que eu disse? Você não vai precisar ir atrás dele. Ele virá atrás de você. E de todos nós.
- Mas senhor...
Ouviu-se um disparo silencioso e um grito estrangulado cortou a noite mais uma vez. O rapaz caiu no chão agonizando e gemendo de dor. Olivier se abaixou e falou bem próximo do ouvido dele.
- Não se preocupe, não atirei em nenhum órgão que pudesse comprometer sua vida. - disse ele, tocando o ombro do rapaz. - Cedo ou tarde você estará morto de qualquer forma.
Se erguendo para encarar os demais homens que estavam ali presentes, Olivier guardou sua arma.
- Cuidem do novato para que não morra, talvez, se sobrevivermos a essa noite, ele ainda será útil para mim. - ele deu as ordens e se virou para sair dali. - E rapazes, se o meu sobrinho de fato estiver vindo para cá, se preparem. Não adianta se apegar com os deuses ou o diabo. A morte está vindo ao nosso encontro.