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"Ele costumava apreciar as estrelas. Dentre elas, tinha sua favorita, mas um dia, ele parou de olhar para o céu e por isso ela despencou de lá."
- John Santts
CATTLEYA
Nada poderia ter me preparado para o encontro com o homem que se identificou como oficial de justiça, parado em frente à porta da casa de John. Ele parecia um deus grego.
- Você é Cattleya Prince Stivies?
Se a figura dele emanava poder, sua voz transmitia medo e autoridade. Procurei alinhar as ideias em minha cabeça, esquecendo por alguns minutos a recente descoberta da minha gravidez e ajeitei minha postura para não parecer uma mosca morta.
O cara na minha frente parecia uma figura saída de um desfile de moda da Vogue de tão lindo que era. Alto, cabelos curtos quase raspado, estilo soldado do exército, seu olhar firme e o maxilar quadrado, pontuado com um furinho no queixo, entregava um bela visão do seu rosto perfeito. Se tratando de suas roupas, elas eram um tanto extravagantes, camisa branca aparentemente em tecido de algodão, coberta por um blazer sobretudo preto. Na parte inferior uma calça jeans escura e botas de cono curto, também pretas. Ele emanava uma energia sombria que podia ser sentida de longe.
- Sim, sou eu mesma. - minha voz saiu trêmula, estando eu na soleira da porta, temendo a visita inesperada. - Em que posso ajudá-lo?
Ele permaneceu com a postura de seriedade e concentrou seu olhos azuis em mim, sem ao menos piscar.
- Me chamo Jordani Santino. Sou um oficial de justiça e estou aqui para tratar de um assunto do seu interesse.
Franzi a testa, confusa. Apesar de saber que eu estava em dívida com a justiça, havia algo no sujeito que não me transmitia segurança. Mil pensamentos explodiram em minha cabeça, me fazendo pensar que tipo de coisa ele queria comigo.
- Ok. Você quer entrar para que possamos conversar então? - convidei meio apreensiva.
Educadamente ele recusou o convite e requistou que tivéssemos uma conversa a sós, longe dos ouvidos do pessoal que morava comigo.
- Você vai ficar bem? Qualquer coisa grite por socorro. - John instruiu quando anunciei que iria conversar com o sujeito.
Apesar da desconfiança e do medo dele não ser quem dizia ser, a curiosidade de saber o que ele queria comigo falou mais e eu aceitei conversar em outro local. Ele me instruiu a seguí-lo e fomos parar diante de um veículo preto do outro lado da rua na qual morávamos. Ao entrar no carro os pêlos da minha nuca arrepiaram-se e tive o pressentimento de que havia entrado numa furada.
O carro era enorme internamente. Havia um compartimento espaçoso na parte de trás, lembrando vagamente o interior de uma limusine, com bancos de ambos os lados, permitindo que nós dois sentassemos de frente para o outro. No banco do motorista havia outro sujeito, ele usava um boné e a barba espessa lhe garantia uma cara de pouco amigos.
No teto uma luz amarela distribuía uma luminosidade precária dentro do carro, mas ainda assim, clara o suficiente para enxergar o rosto do sujeito.
- Por favor, não fique com medo. Não estou aqui para causar mal a você. - tranquilozou o homem, percebendo meu nervosismo. Eu nem lembrava mais o nome dele. - E meu nome é Jordani caso tenha esquecido.
- Você é algum tipo de bruxo?
Ele riu, cruzando as pernas.
- Não, por que?
Ele acionou um painel cheio de botões à sua direita e em menos de segundos, um copo de bebida estava em suas mãos. O odor de álcool imediatemnte atingiu minhas narinas e embrulhou meu estômago.
- Servida? - ofereceu.
- Dispenso. - recusei. - Sei lá, tenho a impressão que você lê mente. Eu estava pensando nesse exato momento que havia esquecido seu nome. Me desculpe, mas você é estranho.
- Sem problemas. Estou acostumado a ouvir coisas do tipo. - afirmou bebericando a bebida. - Em relação a ler mentes, infelizmente não possuo esse dom. Mas sou ótimo em ler as pessoas. Sei quando estão falando a verdade, mentindo ou quando estão nervosos, meu trabalho requer muito isso de mim.
- Eu chamo de bruxaria. - retorqui, incapaz de controlar a acidez no comentário. - Mas chega de enrolação, por que estou aqui?
Ele colocou o copo no apoio da porta e me encarou.
- Eu falei que tenho um assunto que é do seu interesse, lembra? Não podia falar com você na presença dos seus parentes. Eles poderiam se intrometer. E isso desencadearia um monte de situações chatas, entende?!
- Eu já entendi essa parte. Só não entendo porque um oficial de justiça me procura à essas horas da noite? Já são o que? Quase onze horas, certo? É meio estranho. Sem contar que também não fui informada sobre qualquer visita desse tipo. Creio que antes de tratar qualquer assunto com você devo entrar em contato com meu advogado.
Ele mudou a posição das pernas, cruzando-as no sentido contrário a qual estavam e continuou a me encarar.
- Imaginei que fosse dizer isso. Por esta razão, já providenciei um advogado para a senhorita. Ele está a caminho daqui. Agora se pudermos, vamos ao que interessa.
Meu queixo caiu. Uau! Por essa eu não esperava. O cara realmente não estava ali para brincadeiras. Sua postura elegante e seu olhar concentrado denunciavam seu caráter de profissionalismo. Diante disso, me obriguei a relaxar e encostei as costas sobre o banco atrás de mim.
- Certo. Estou satisfeita e sendo sincera, bastante curiosa para saber o assunto que o senhor deseja tratar comigo.
- Dispense o uso do senhor e me chame de você. Dessa forma romperemos esse ar de formalidades triviais. - disse ele com classe. - Você quer saber o motivo da minha visita e o porque estar aqui e a resposta é muito simples. Vim tratar de assuntos pertinentes acerca da criança que está no seu ventre. Imagino que nesse instante exista milhões de suposições na sua cabeça para entender como esse fato curioso aconteceu, mas estou aqui para explicar essa situação um tanto embaraçosa.
Quando ele terminou de falar, meus neurônios quase fritaram na tentava de me fazer compreender como àquele sujeito sabia acerca da minha gravidez. Quem era aquele de fato? Obviamente que oficial de justiça ele não era. Nem ali e nem na casa do caralho. Quando meu cérebro terminou de assimilar todas as palavras dele corretamente eu entrei em completa confusão.
- Oi? - de sobrancelhas franzidas, encarei o homem com os olhos arregalados. - Como você sabe sobre isso? Não. Melhor. Quem é você e pra que tipo de pessoa que você trabalha a ponto de saber que estou grávida se nem mesmo eu sabia disso a poucas horas atrás?
- Meu nome você já sabe. Jordani Santino. Sou braço direito de um homem muito importante nesse país.
- Foda-se! Isso não explica como você sabe que estou grávida. Na verdade, a palavra grávida e meu nome na mesma frase ainda é um choque para mim. O que porra tá acontecendo aqui?
Jordani soltou uma respiração calma, alisando a cabeça preenchida por quase nada de cabelo.
- Você já ouviu falar em escutas telefônicas e teias de comunicação? É assim que pessoas como eu se infiltra nos lugares mais seguros do mundo. É um sistema de monitoramento que permite um indivíduo estar conectado em tempo real com a pessoa que deseja investigar. Fiz isso com você. E como a casa que mora não é símbolo de segurança, foi muito fácil vigiar seus passos vinte e quatro horas por dia. - ele explicou no ápice da calmaria. Seu tom sempre soando sério e seguro. - Devo confessar que você é uma surpresa para nós. Não era a cobaia escolhida para o experimento em questão, mas acidentalmente, acabou sendo a única que produziu bons frutos. Você fez parte de um processo de inseminação artificial e recebeu o sêmen do meu patrão. O resultado você descobriu hoje. Está esperando um filho, um fruto que pertence ao meu chefe. Sabe o que é mais surpreendente nisso tudo? Você foi a única a alcançar tal sucesso. Outras mulheres antes de você tentaram, mas falharam miseravelmente. Você foi a contemplada.
- Contemplada? - eu quis rir tamanha era a cara de pau daquele cara. - Você tá de brincadeira não é? Isso parece piada. Eu descubro que fui usada em um experimento criminoso, engravidando de um riquinho psicopata, o que pode me causar um monte de problemas e eu devo me sentir honrada? Nossa, quanta honra!
Isso era o cúmulo do ridículo. Quem em sã consciência fazia uma coisa dessas com as pessoas? Era a minha vida que estava em jogo, uma vida que eles trataram como um objejto qualquer e usaram em suas experiências malucas.
- Calma Cattleya. Eu entendo que esteja confusa e que a revelação desses fatos podem mexer com o seu psicológico. No entanto, isso vai passar e vai ficar melhor quando perceber a maravilha que te aconteceu. Você. A única mulher a ser bem sucedida no experimento. É uma chance única que pode mudar sua vida.
- Espera. Deixa ver se eu entendi bem? Você quer dizer que existe outras mulheres por aí que foram enganadas assim como eu?
- Não exatamente. Eu vou te explicar. - ele disse em tom de correção. - Houve sim outras candidatas que fizeram o procedimento, mas todas estavam ciente da coisa toda. O problema é que todas fracassaram. Questões de genética, imagino... Enfim, aí apareceu você naquela noite no hospital e a equipe que fazia o procedimento entrou no quarto errado e acabou inseminando você por acidente. Agora aqui está você na minha frente, carregando algo muito precioso dentro de você, o futuro herdeiro do meu patrão. Por isso eu fui enviado a você, para tratarmos de negócios.
A medida que a conversa se desenrola mais aterrorizante ficava o quadro da situação. Quem em sã consciência aceitaria participar de algo tão idiota e insano? Era loucura.
- Isso é ridículo. Seu chefe é ridículo. E eu sou mais ridícula ainda de permanecer aqui ouvindo essas barbaridades. Que tipo de psicopata faz uma coisa dessas?
Jordani abriu um sorriso mínimo, parecendo se divertir com as minhas reações.
- Ele é o tipo de homem que aceita jogar com as cartas que a vida manda. Acidentalmente você foi enseminada e por alguma razão engravidou quando muitas falharam. O destino é mesmo uma cadela. - ampliou o sorriso rindo de sua piada interna. - O que resta saber é se você deseja continuar com a gravidez.
Franzi o cenho.
- E eu tenho escolha? - perguntei meio alterada, completamente alheia ao perigo de arrumar briga com aquele cara. - Porque se tiver, eu não quero continuar com essa loucura. Eu não vou ser a cobaia de um maníaco perturbado. Já fiz muitas coisas na vida mas barriga de aluguel não vai entrar na lista.
Jordani soltou um estalo com a língua e descruzou as pernas, esticando a mão para pegar seu corpo de bebida mais uma vez. Ele se mantinha tão calmo que chegava a dar raiva.
- Bom, imaginei que chegaríamos nessa parte. - anunciou ele, soando estranhamente calculista. - É natural, eu entendo. Você está confusa, com raiva e com medo... e essas emoções puramente humanas estão impedindo você de enxergar essa porta de salvação que a vida abriu no final do seu túnel. Porém, devo avisá-la que abrir mão dessa oportunidade de ouro vai lhe causar muitas consequências. Consequências que não demorarão bater na sua porta. É um fato.
- Isso é uma ameaça? - questionei irritada, mantendo contato visual com seus olhos azuis malignos. - Você vai partir pro campo das ameaças a partir de agora?
- Não. Jamais. Longe de mim tal coisa.- ele se apressou em responder. - Eu estou apenas esclarecendo as coisas para você Cattleya. Norman, me passe a carta por favor. - ele esticou o braço para trás e recebeu do motorista um envelope acinzentado. Sob o pode de suas mãos, ele abriu lentamente o envelope e retirou de lá um papel branco carimbado com alguns símbolos. - Sabe o que é isso aqui?
Rolei os olhos em gesto de tédio.
- Diferente de você eu não leio mente e nem faço voodo para adivinhar as coisas. Então, não. Não sei que merda é isso aí.
Ele deu uma risadinha.
- Gosto do seu humor Catty. Você tem o dom. - Adotando uma postura mais seria, continuou. - Esse papel nas minhas mãos é uma carta judicial, redigida pela décima segunda corte da justiça de Chicago, cujo o conteúdo é muito interessante sabe!? Essa carta de aproximadamente vinte linhas e cento e vinte cinco palavras escritas em letras padronizadas derruba a liberdade provisória de Cattleya Prince Stivies, julgada sob os crimes de tráfico de entorpecentes e roubo qualificado e impõe que a mesma retorne para o presídio feminino desse condado em até vinte e quatro horas, passando a correr o tempo desde a hora de sua promulgação. Ela também decreta e assevera que todos os direitos e artifícios da ré perante a lei americana de conseguir liberdade antes de cumprir sua pena sejam anulados. Ou seja, se não me engano e a informação que eu tenho estiver certa, você ainda tem mais cinco anos de sentença para cumprir. Estou correto?
Em um movimento mal analisado eu quis tomar o papel das mãos de Jordani para rasgá-lo tamanha era a minha raiva. O filho da puta conseguiu prever meu intento e arrastou o papel para longe, incapacitando qualquer chance de eu pegá-lo.
- Vá pro inferno seu bastardo. - gritei. Eu queria chorar e dar na cara de Jordani ao mesmo tempo. Ele estava fazendo um jogo psicológico comigo - Você e seu chefe pensam que são quem pra me ameaçar dessa forma? Eu conheço meus direitos. Isso aí não pode ser verdade.
- Quem eu sou? Eu não sou nada. - esbravejou ele perdendo a postura calma para uma mais severa. Finalmemte eu tinha tirado ele do sério. - Mas o meu chefe é alguma coisa. Na verdade, ele vai muito mais além do que você pode imaginar. Ele é a lei desse país. Ele só precisa estalar os dedos para acabar com uma guerra ou começar outra. Ele é o poder personificado. Mas, não fique com raiva dele, meu chefe não fez nada para que sua liberdade provisória fosse caçada. Essa prerrogativa é exclusivamente sua. Parece que você se meteu gente muito poderosa para que eles queiram você apodrecendo numa prisão.
Mordi a bochecha em gesto de nervosismo.
- Isso não é da sua conta. Eu não acredito que isso tá acontecendo. - rosnei, e a comoção do momento me levou a chorar. Fui incapaz de controlar meus nervos.
Quando pensava que a vida não pudesse me foder mais, me vinha isso. Caindo de paraquedas numa roubada desse tamanho. Eu deveria ter feito algo de muito ruim na vida passada pra sofrer desse jeito.
- De fato essas coisas não são da minha conta. O que é da nossa conta está aí na sua barriga. A criança, meu chefe deseja que você prossiga com a gestação e no final, entregue-a para ele.
Com olhos brilhando de lágrimas eu olhei para ele furiosa.
- Você são loucos? O que porra passa na cabeça de vocês pra engravidar uma pessoa sem que ela saiba? Isso é crime. Eu posso muito bem denunciar vocês.
- Vá em frente. Mas, garanto que não vai colher bons frutos com isso. - asseverou ele com uma risada. - E sobre a outra questão, você foi a primeira e a única que passou por esse processo sem saber dos fatos. Todas antes de você sabiam no que estavam se metendo. Foi um acidente você estar naquela sala. Já expliquei isso antes.
- Foda-se. Eu quero que todos vocês se fodam. - rugi exasperada, pondo as mãos na cabeça em gesto de nervosismo.
Cacete. Em uma cidade com milhões de pessoas tinha que ser justamente eu a filha da puta para acontecer àquilo. Era muito azar. Muita falta de sorte. Eu queria gritar. Queria sair daquele e me jogar da primeira ponte avista. Demorei algum tempo para me acalmar e quando isso aconteceu, resolvi repensar sobre tudo àquilo que Jordani havia falado. Muitas coisas estavam em jogo e em todas eu poderia me ferrar. Respirei fundo e tentei acalmar meus nervos. Meu coração estava acelerado com pressão daquelas informações.
Suspirei. Bom... se eu estava à beira do fogo era melhor me queimar logo de uma vez.
- Tudo bem. - comecei, puxando o ar para os pulmões em busca de concentração e calma. - Hipoteticamente, caso eu aceite continuar com esse circo dos horrores. O que eu ganho em troca?
- Olha, bravo! Parece que estamos evoluindo por aqui. - aplaudiu Jordani com desdém. - Bem, respondendo sua pergunta... em primeiro lugar você ganha sua liberdade, e quando eu falo ganhar liberdade, estou assegurando que nunca mais você voltará para uma cela presidiária. Seu nome será apagado dos históricos da polícia desse país e do mundo caso seja preciso. Em segundo lugar, você ganha dinheiro. Meio milhão de dólares. É uma quantia considerável não é? Creio que vai conseguir estruturar a sua vida e poderá ajudar também as pessoas que moram com você. - revelou ele, na mesma postura seria de antes. - É então, o que vai ser? Sua vida está em suas mãos.
- É muito fácil decidir as coisas quando não é sua cabeça que estar em jogo.
Ele concordou com um aceno.
- De fato. Mas, só para pontuar, eu já estive numa posição parecida com a sua Cattleya. Foi me dada apenas uma porta de escape e entrar por ela significaria um ato de humilhação que eu carregaria para o resto da vida. E sabe o que eu fiz? Eu me agarrei a única chance de viver. Não hesitei quando pensei nas pessoas que poderia salvar. Nossas escolhas tem o poder extraordinário de mudar a vida dos nossos futuramente.
Rolei os olhos.
- Apesar do discurso emocional, continuo não gostando de você. - soei ríspida.
- Uma grande pena. Eu sou uma pessoa extremamente amigável. - ele comentou com bom humor. - Mas, vamos ao que importa aqui. Você tem uma escolha a fazer. Qual sua decisão? Quer voltar a se vestir de presidiária ou vai deixar essa vida para trás e se vestir como uma mulher corajosa que não rejeita desafios? O desafio é grandiso. Ser a mãe do novo herdeiro da máfia americana.
As cartas foram jogadas diante de mim e a escolha da próxima jogada causaria mudanças significativas na minha vida.