Capítulo 3 CHAPTER 1

"Não, não estamos no mesmo barco. Estamos no mesmo mar. Uns em iates, outros em barcos, uns em coletes salva vidas e outros como eu, nadando para viver."

- Autoria desconhecida.

CATTLEYA

Quando penso que as coisas finalmente vão dar certo para mim, a vida fecha os punhos e soca minha cara com tudo. Qual é? Eu joguei pedra na cruz pra quebrar tanto a cara assim?

- Calma amiga, a gente vai dar um jeito.

À frase esperançosa partiu de John, meu melhor amigo e a pessoa que tem sido meu alicerce quando penso que vou desmoronar. Bancando a linha "esperançoso e positivo", ele está a mais ou menos, meia hora tentando levantar o meu astral. Como todo bom amigo, ele conseguiu me arrastar para fora de casa e nos trouxe para esse pub localizado nas imediações do lago Michigan. É um lago imenso. Dava pra confundir facilmente com um oceano pela dimensão e pelo azul incrível. Durante o verão ele ficava lotado de barquinhos, lanchas e afins e ainda virava praia pra refrescar o pessoal nos dias escaldantes. Era um lugar incrível e John adora vir nos bares daqui.

- Você já disse isso pelo menos umas trezentas vezes hoje - resmunguei mal humorada.

Ele suspirou rolando os olhos enquanto pescava um pedaço de batata frita para levar a boca. Tequila e tira gosto. Esses eram os remédios que segundo John melhorariam meu estado de espírito. Eu não acreditava muito nisso, mas decidi não protestar ao seu pedido de vir com ele para esse lugar. De certa forma, eu andava mesmo precisando desestressar.

- Você tem ideia do porque sua liberdade provisória pode ser anulada?

- Não sei, mas Otto me disse na ligação que alguém que não gosta de mim pode tá mexendo os pauzinhos e influencendo o juiz. Eu não quero voltar pra aquele inferno John. Já perdi dois anos da minha vida presa naquele lugar, eu não sei se vou suportar mais.

- Calma. Otto é um excelente advogado, ele vai dar um jeito de manter você aqui fora. Apenas mantenha a esperança.

Os olhos dele tinham uma marca de fé notória. John era desses sensitivos que acreditava nas forças espirituais e do universo. Eu era a cética da história.

- Que Deus o abençoe porque eu já cansei de me ferrar. Eu fui incriminada injustamente e pagando por uma coisa que não fiz. Além disso, eu preciso retomar minha vida. Você não pode passar a vida toda na responsabilidade de cuidar do Nono, é insjuto pra você.

Depois da minha prisão John ficou com a guarda provisória do meu filho e tem me ajudado a cuidar dele até hoje. É incrível como a vida pode ser uma cretina com a gente, mas ela também nos dar uma colher de chá de vem em quando e coloca pessoas em nossos caminhos que são mais precisos que do que ouro. John e a família dele são essas pessoas em minha vida. Ele permaneceu do meu lado mesmo quando todos viraram suas costas para mim. O ditado que diz que há amigo mais chegado do que um irmão é verdadeiro e John provou isso. Ele nunca me abandonou e foi o único a acreditar na minha inocência quando fui presa injustamente.

- Cattleya Prince Stivies. Pare! - John chamou em tom severo me olhando com seus olhos expressivos. - Apenas pare, ok!? Nós somos amigos desde... desde, Deus sabe quando. A gente vai passar por isso, entendeu? Se você retornar pra aquele lugar de novo, o que eu espero que não, eu continuarei lidando com o nosso bebezinho lindo. Até porque você livre ou presa eu vou continuar cuidando dele da mesma forma. Isso não vai mudar. Não se martirize pelo amor dos deuses gregos. Você é minha amiga, minha irmã de alma, eu vou estar com vocês dois até o último minuto. Então, pare de lastimacões.

Eu não tive como segurar uma lágrima que escapuliu dos meus olhos. John era incrível.

- Eu já disse que te amo? - perguntei amorosamente com um sorriso, enquanto limpava a lágrima do rosto. - Você deve ser o único homem que presta na face da terra. Eu jamais vou poder pagar o que você fez por mim e pelo Nono.

Ele abanou o vento com a mão, como se não fosse nada demais.

- Sabe que tudo que fiz foi porque amo vocês. E de maneira alguma eu poderia deixar o Nono ir parar num orfanato sendo que eu poderia fazer alguma coisa. Eu fiz o que qualquer amigo faria por uma amiga.

- E eu agradeço por isso. De verdade.- disse com sinceridade. - Falando no Nono, ele tá crescendo muito rápido, mês que vêm já completa três anos. Esse vai ser o primeiro aniversário dele que participo junto. Estou ansiosa e com medo. Medo de receber a intimação para voltar ao presídio. Espero que não aconteça. Eu não quero ficar longe do meu filho. Nunca mais.

Odiava o fato de ter perdido os primeiros anos de crescimento de Nono. Durante o tempo que estive na prisão, John o levava em todas as visitas que me fazia. Eu me sentia reconfortada de certa forma, mas nunca foi a mesma coisa de ter podido passar todos os dias junto do meu pequenino. Foram mais de dois anos de intensa dor e sentimento de frustação. Finalmente, depois de ter cumprindo metade da minha pena, a avaliadora do presídio entregou um laudo sobre meu comportamento e eles me concederam liberdade provisória. Foi um momento de muita alegria. Há três meses eu estou livre, tentando recomeçar e seguir com a vida. Embora minha fé seja forte, estou sinceramente assustada com a notícia que recebi do meu advogado dois dias atrás. Segundo ele havia uma possiblidade real da minha liberdade ser caçada. Otto soube disso porque tem bons informantes e nenhuma das atualizações judiciais escapam de suas mãos.

- Eu sei que a vida tem sido difícil, mas eu creio que tudo tem um propósito. Às vezes Deus nos permite passar por situações ruins para nos preparar para viver coisas melhores. O dia da honra tá chegando.

- Eu digo o que agora? Aleluia?!

Ele soltou uma risada e eu o acompanhei junto.

- Amém irmã. - recitou ele. - Você tá dizendo aí que eu não posso mais continuar cuidando do Nono, mas não sabe como vai ser para mamãe quando ela souber que você quer roubar o garotinho dela. Ela ama aquele menino como se fosse da família.

- Sua mãe é maravilhosa. Mas ela vai ter que se acostumar em nos visitar quando eu alugar um apartamento.

A ideia era boa. Eu arranjaria um serviço, alugaria um apartamento e me mudaria com Nono quando comprasse os móveis. Seria tão fácil se as coisas acontecessem como a gente planeja. Mas acontece que não né? Eu ainda não tinha arrumado um emprego e estava correndo risco de voltar pro presídio. Que Deus tivesse misericórdia. Que Ele iluminasse a cabeça dos recrutadores de novos funcionários e fizesse esse povo entender que uma ex-presidiária podia sim ser uma excelente funcionária. O preconceito era uma bosta. Eu só queria uma chance de poder me reestruturar novamente. O jeito era esperar que Deus enviasse uma solução.

- Talvez mamãe acabe acostumando, mas do jeito que ela é, e nós a conhecemos bem, ela vai fazer o maior drama.

- Isso com certeza. - eu ri. - Sabe no que eu estou pensando também? - perguntei voltando a postura de seriedade. - Em Vincent. Às vezes quando lembro que ele me deixou pra ser presa naquela noite eu fico louca. Ele nem sonha que eu já estava grávida dele e que tivemos um filho. De certa foi até bom. Pelo menos o Nono não vai crescer com um pai tão ordinário como ele.

- Você sente falta dele?

- Deus me livre John! Credo. Eu sinto é remorso por ter cedido aos caprichos daquele cretino. Se eu tivesse agido diferente, sendo sensata o suficiente para ficar longe dele, talvez as coisas tivessem sido diferentes para mim.

- Eu te entendo. O passado tende a nos frustar quando percebemos a imaturidade das nossas escolhas. Mas, sabe. Eu tenho um conselho. Esqueça o Vicent. Coloque uma pedra no passado e viva o agora. Eu sei que foi injusto o que aconteceu com você, mas já passou. Você está livre e tem a chance de fazer tudo diferente. Pense em Nono e na mãe maravilhosa que você deve ser para ele. Apenas isso importa.

- Vai demorar para eu esquecer, talvez nem esqueça as coisas que passei. Mas você tem razão. Eu vou viver minha vida.

Ele aplaudiu.

- Isso aí. Está certíssima. - disse ele alegremente. - Agora chega de falar das coisas que já passaram e vamos encher a cara de cachaça porque eu quero ficar louco hoje.

Gargalhei.

- Tá, mas eu não vou beber muito. - prometi com uma careta. - Você sabe como eu sou fraca pra bebida.

*Horas depois e muitos drinks consumidos*

Lembra da promessa de não beber muito? Então, ela foi pra puta que me pariu. Não sei em qual momento eu perdi o controle da coisa, talvez eu pudesse culpar o maldito homem que havia começado a cantar no karaokê uma música que lembrava Vicent, apenas sei que já tinha bebido tanta vodka que dava para embriagar um batalhão inteiro do exército norte americano. A madrugada de sábado tinha ganhada espaço na noite e com ela extraiu toda a vergonha que eu tinha, a tal ponto de me fazer subir no palco do show de karaokê e começar a cantar uma música que nem eu mesma sabia a letra direito. No final, eu tirei o microfone do pedestal e fechei com chave de ouro àquela vergonha monumental.

- Eu quero que o Vicent... aquele pedaço de merda, pau pequeno do caralho se foda com uma tora de pau do tamanho do Rio Missouri. - eu gritei contra o microfone do karaokê completamente embriagada. - Maior do que a estátua da liberdade

A maioria presente riu e bateu palmas.

Isso. Aplaudam sua deusa. Venerem sua rainha bêbada. Eu poderia facilmente substituir a Beyoncé. Batam palmas meus lacraios!

- Vai amiga, arrasa! - John assobiou batendo palmas. - Ela é minha amiga ela. - gritou ele para o homem do lado.

John estava na frente da plateia, sorrindo de orelha a orelha, com um copo de bebida na mão. Acho que mais bêbado do que eu mesma.

- Eu desejo que o pau dele encolha e broxe todas as vezes que ele for comer alguma vadia.

Mais risadas. Mais palmas e assobios. Eu me sentia na Broadway. Terminado o show, devolvi o microfone para seu lugar de direito e dei a volta no palco para descer até onde John estava. Minha visão estava embaçada, minhas pernas pareciam duas geleias mal feitas e prestes a se dissolver. Andei até a escadinha e dei o primeiro para descer. Foi aí que o mundo girou. O álcool na minha cabeça ganhou poderes e eu não vi que havia pisado em falso e acabei me desequilibrando. Meu próximo destino foi o chão. O tombo deve ter sido estupendo porque ouvi John gritar e uma multidão de pessoas se aproximarem para me ajudar. Ainda estatelada no chão ouvi John chamar meu nome, enquanto ria.

- Meu Deus mulher, virou acrobata agora! - disse ele me ajudando a levantar. - Levanta porque o Grammy vem.

Tentei mover meus pés, mas senti uma fisgada de dor horrível no tornozelo. Minha cabeça dava voltas e mais voltas.

- Ai cacete. Vá se ferrar seu...

E daí em diante eu não vi mais nada, apenas a luz se tornando um borrão e a voz de John distante e me chamando parecendo sinceramente preocupado.

Era impossível saber por quanto tempo eu tinha dormido, apenas sei que quando abri os olhos, a luz que provinha da lâmpada no teto me deixou levemente tonta. Pisquei algumas vezes para focar a visão e uma dor infeliz parecia que ia partir minha cabeça em duas partes. Eu estava só o bagaço. Minha alma deveria está dando um passeio fora do meu corpo porque eu me sentia completamente horrível. A secura e o gosto amargo na boca só não eram pior do que a sensação de ter o estômago colado nas costas. Meu corpo inteiro estava dolorido. Ao que pude perceber, as luzes coloridas que entravam pela janela ao lado indicavam que a noite havia ganhado espaço no céu de Chicago. Por quanto tempo eu tinha dormido? Será que havia sofrido um coma alcoólico? Não tive muito tempo para raciocinar porque à minha frente, uma porta foi aberta e entrou por ela duas pessoas. A primeira era uma enfermeira de aparência doce e sorridente, caminhando a passos curtos e lentos, segurando uma prancheta nas mãos e a outra pessoa era John.

- Oi amiga, você me deu um susto danado ontem.

Ele deu a volta ao redor da cama e esticou o braço para segurar minha mão esquerda. A enfermeira veio pelo outro lado, parando para checar o soro plugado no meu braço direito.

- Boa noite Star.Prince, como está se sentindo?

- Sinceramente? Horrível. Por quanto tempo eu dormi?

- Você sofreu um pequeno acidente na noite passada. Por sorte não sofreu muitos danos. Além disso, a senhorita consumiu muito álcool. Seu sistema nervoso entrou em colapso. O resultado foi que esteve desacordada por quase 24 horas.

Nunca mais eu ia beber. Era uma promessa. Que dor de cabeça infernal era àquela meu Pai? Parecia que meu cérebro ia explodir a qualquer momento.

- Eu te disse que não deveria beber muito, John. É culpa sua seu ordinário.

Ele deu uma risadinha.

- Nem vem, eu não te forcei a nada. - disse ele em tom de esperteza. - O importante é que você tá bem. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos.

Soltei um riso sem humor.

- Que piada sem graça. Vou te fazer pagar por isso qualquer hora dessas. - resmunguei a ameaça. - Você não perde por esperar.

À enfermeira soltou uma risadinha e tocou minha testa com as costas da mão.

- Bom, agora que você acordou, cumprirei as ordens do médico que está de plantão essa noite. Ele solicitou que você fizesseze alguns exames rotineiros para checar se está tudo em ordem. Uma equipe virá busca-la em alguns minutos.

- E quando vou poder ir para casa?

- Só depois do parecer do médico.

Joguei a cabeça contra o apoio fofinho atrás de mim e tentei relaxar.

- Eu estou sentindo muita dor de cabeça. Pode fazer alguma coisa em relação a isso?

Ela me encarou com pesar.

- Poder eu posso, mas o doutor me pediu para não medica-la antes de realizar os exames.

Só faltava essa. Que tipo de hospital permitia os pacientes sofrerem ao léu sem se importar com seu bem estar? Minha cabeça ia estourar caramba!

- Por favor, moça. Eu sinto como se meu crânio fosse explodir de tanta dor.

À enfermeira me avaliou com seus olhinhos puxados e pareceu hesitar sob o meu pedido.

- Por favor, só alivie essa dor. - implorei fazendo uma careta de dor horrível.

Não devia ser uma tarefa tão difícil. Eu era uma paciente com dor e ela era a profissional de saúde ali. Qual a dificuldade de exercer a função?

- Ok. - ela cedeu por fim, depois andou até um armário de ferro pregado na parede e retirou um frasco de vidro lá de dentro. Ela destampou o recipiente e pegou um comprimido amarelo. - Pegue. Engula isso. Vai aliviar a dor. É um analgésico forte e o efeito dele é bem rápido. Causa um pouco de sonolência mas você vai ficar bem.

Recebi o comprimido e tratei logo de engolir a pílula de cor amarelada. Tinha um gosto adocicado e se dissolvia na língua.

- Obrigado. - agradeci.

- Imagina. Tenha uma ótima noite!

À mulher se retirou da sala e me deixou a sós com John. Ajeitei a postura sob a cama e reclamei para John sobre o desconforto da agulha do soro.

- Eu quero ir para casa. Não sei pra que tanta frescura. Foi apenas um tombo de nada. - comentei. -Bem vergonhoso, eu sei, mas não foi algo tão preocupante.

Ele cutucou meu nariz com a ponta do dedo e se encaminhou para a porta de saída.

- Não vamos desobedecer prescrições médicas mocinha. Se o médico acha que isso é necessário, então se comporte. - comentou. - Eu vou estar lá fora na recepção. Assim que te liberarem, eu volto para te ver. Fica bem, ok! Te amo cadela!

Consegui erguer a mão para cima e lhe mostrei o dedo do meio.

- Também te amo guenga.

Ele riu e saiu para fora da sala fechando a porta logo em seguida. Fiquei ali, entediada e ainda com dores aguardando a chegada da equipe que me levaria para a sala de exames. Cerca de uns dez minutos depois, percebi que o remédio havia feito efeito e eu não sentia mais minha cabeça doer. Apenas uma sonolência anormal. Sentia meus olhos pesados e uma vontade de dormir fenomenal. Soltei um bocejo preguiçoso e nesse mesmo instante, a porta da sala foi aberta e quatros pessoas entraram no quarto usando máscaras e roupões cirúrgicos. Que porra era essa?

Um deles se aproximou e me avaliou por cima dos óculos de meia lua.

- Tem certeza que essa é a paciente? - perguntou uma voz feminina, atrás do homem que usava óculos.

Mas ele não se virou para responder. Apenas continuo me avaliando enquanto procurava algo em suas anotações.

- Sim, Hayley. Stella Prince. Esse é o nome nas anotações. Só pode ser ela.

Meu nome não era Stella Prince. Era Cattleya Prince Stivies. Mas eu não consegui verbalizar essa correção para eles. Minha língua estava pesada e o som que saiu por entre meus lábios soou mais como um gemido sôfrego.

- Será que ela está bem, Flint? Eu ainda acho que estamos na sala errada.

- Não temos tempo para discutir bobagens Hayley. A moça está ótima. Vamos, precisamos leva-la o quanto antes.

O que merda estava acontecendo? Por algum motivo, senti que aquelas pessoas estavam tramando alguma coisa além de me levar dali para realizar exames. Eles tinham algo em mente e por razões indistintas, eu havia caído na teia deles. A mulher chamada Hayley abriu a porta e o outro homem começou a empurrar o leito onde estava deitada. Passamos por diversos corredores, ao longo do percurso vi diversas pessoas, indo e vindo, andando apressadas, passando por portas e entrando por elas. Eu queria pedir por ajuda mas não conseguia falar. Meu corpo estava todo mole, parecendo gelatina. Foi nesse momento que lembrei do remédio que havia engolido lá no quarto e provavelmente, por razões óbvias, ele deve ter causado algum efeito colateral em mim, incapacitando-me por completa. Quando o leito parou de se movimentar, vi que havíamos chegado numa área permitida apenas para funcionários. Notei isso escrito numa placa de aviso acima da porta por onde estávamos prestes a passar por ela.

- Abra a porta Hayley. O tempo está correndo e precisamos dar início ao experimento o mais rápido possível.

Fodeu. Fodeu tudo.

            
            

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