Capítulo 4 CHAPTER 2

"Se a dor não for sua, não a chame de drama."

- Autor desconhecido.

JASPER

A vida só havia dado duas opções para Jasper. Superar a desgraça ocorrida com sua família ou continuar se afundando no passado.

Cinco anos haviam se passado desde a última noite em que esteve junto da sua família e a palavra "superação" ainda era um tabu para ele. Jasper era um sobrevivente no final das contas. Ele viu sua vida ser roubada bem diante de seus olhos quando Olivier Dawton, o tão temido mafioso renegado da família Dawntony resolveu se voltar contra seu próprio sangue e decidiu que seus próprios familiares eram uma pedra em seu caminho. É preciso destacar que Jasper sustentara desde tenra idade uma admiração sincera pelo tio, e apesar das discussões internas da família Dawntony, ambos sempre tiveram uma boa relação. Ele e o tio estiveram juntos em algumas missões dadas pela Alta Cúpula e até mesmo compactuaram com ideias futuristas acerca de acabar com algumas tradições arcaicas da Ordem Máxima. Diante disso, nunca se passou pela cabeça de Jasper que o rumo dos conflitos entre seu pai e o irmão fossem acabar como acabou. Até hoje as imagens da noite do ataque continuavam frescas na memória de Jasper. Ele vira sua pobre mãe ser assassinada sem piedade, sua irmã do meio fora violentada e morta sem ao menos ter a chance de se defender. Jasper lembrava de cada cena, de cada momento com riqueza de detalhes que a agonia das lembranças era tão grande e opressora, que mesmo depois de tanto tempo, haviam noites em que ele acordava sobressaltado, o corpo tremendo e úmido de suor frio, respirando com dificuldade por conta dos fantasmas em seus pesadelos.

Essa noite em questão era uma delas.

Era madrugada quando ele acordou de repente, engolido pelo escuro do seu quarto enquanto sentia o coração bater acelerado. Sua mente traidora havia transportado-o diretamente ate àquele momento terrível. É bem verdade que Jasper conseguiu matar quase todos os homens de Olivier que atacaram a mansão em que eles moravam, foram enviados à eles dezenas de capangas, mas poucos conseguiriam sobreviver. Quando o genocídio mal concluído terminou, Jasper se recorda de ter tentado reanimar o corpo já sem vida de sua amada mãe Eleonor, de suas irmãs, Luz e Aliana, mas já era tarde de mais. Haviam morrido sem a chance de defesa. Junto delas, boa parte dos empregados e seguranças também tiveram suas vida ceifadas e naquela noite uma dor cruel criou uma ruptura no coração do jovem Jasper. Ele se culpava de não ter podido salvar sua preciosa família. Mas como prever o futuro? Eles tinham sido atacados covardemente por Olivier e seus truques de enganação. E como tudo nesse mundo tende a piorar, poucos minutos após o ataque, ele informado sobre o que tinha acontecido com o seu pai.

Prisioneiro de Olivier, o corpo do patriarca da família Dawntony foi encontrado sem vida quando Jasper chegou ao edifício da empresa da família. O choque de ver seu pai morto foi incomensurável. Uma imagem que ele achava difícil esquecer. Ao mesmo tempo que Jasper sentiu seu coração ser quebrado em mil pedacinhos, ele foi iinflamado pela chama da vingança. Possuído por um espírito de ódio devastador, ele saiu matando cada homem de Olivier que encontrou em seu caminho. Ninguém nunca tinha visto algo assim. Cinco anos se passaram e a noite da chacina da família Dawntony se tornou um marco inesquecível na história da Máfia americana. A noite em que apenas um homem, um único homem, Jasper Dawtony, matou mais de mil homens e espalhou seus corpos nas ruas de Seattle.

As ruas ficaram manchadas de sangue e os corpos mortos a céu aberto, tornaram-se um verdadeiro espetáculo de horror. Na manhã seguinte, quando o sol iluminou o céu de Seattle, as imagens do caso Dawntony ganharam as principais manchetes dos jornais conhecidos da nação e, consequentemente, se espalharam mundo a fora. Os Estados Unidos da América parou para acompanhar a história. Para a sociedade, o nome de Jasper nunca foi associado ao assassinato de tantos homens em uma só noite. Ter o nome ocultado no caso, foi um presente da Alta Cúpula que detinha o controle sobre a maioria dos veículos de comunicação mundial e o caso foi intitulado como um assalto mal sucedido. A mentira serviu como uma luva já que o ValixBank, a empresa privada da família Dawntony era o banco mais prestigiado e rico do estado. O caso foi encerrado e os culpados nunca foram encontrados.

Semanas e meses se passaram após o crime que chocou a nação e Jasper buscou com afinco por seu tio até não haver mais forças em seu corpo. Olivier não foi encontrado. O maldito fugira como um covarde amedrontado, deixando um rastro de destruição e dor para trás. Jasper precisou arrancar forças da onde não tinha para ser forte o suficiente para aguentar os dias posteriores. A dor de enterrar praticamente toda sua família foi inimaginável, dilacerante e permanecia viva dentro do peito de Jasper, semelhante um ferrão de abelha entrando na carne, machucando-o a cada dia vivido. Foram dias de densas revas sobre sua vida. A centelha de esperança que jorrava um pouco de vida para si era o fato de sua irmã caçula, Ariella Dawntony não estar morando na cidade naqueles dias. Foi um golpe de sorte a garota ter sido enviada para estudar em um internato na Europa meses antes. Com o notícia sobre o acontecimento chocante em sua família, Ariella retornou Seattle e se manteve ao lado de Jasper como uma âncora em meio ao vendaval que se abatia sobre ele.

No dias atuais, Jasper tinha grandes motivos para acreditar que sua irmã era a grande razão por ele não ter enlouquecido de vez. Sucumbido pelo o veneno da vingança.

Jasper quase se extinguiu.

No entanto, qando todos pensaram que ele ficaria reduzido à cinzas, ele se reergueu do pó. Igual uma fênix. Mais forte e mais poderoso do que nunca. Ele assentou-se no lugar de seu pai junto a Alta Cúpula e deu continuidade a supremacia de sua família, tendo como principal objetivo proteger Ariella. Com o passar dos anos, o nome Dawntony e o poder de Jasper foram ascendendo e se erguendo acima dos demais líderes mafiosos da nação e hoje em dia, Jasper liderava um império. Para muitos, era motivo de orgulho ter se tornado alguém tão grande. Tão importante e temido. Para Jasper, era a forma dele de honrar o nome de seu pai.

Jasper fechou os olhos e respirou fundo para afastar os maus pensamentos. Ele checou as horas no relógio sob o móvel na cabeceira da cama e viu que já se passava das duas da manhã. A garganta seca, ele saiu do conforto da cama e foi até o frigobar em busca de água. Bebeu um copo cheio e se afastou até a varanda do quarto, sendo recepcionado por uma brisa fria. Ele olhou para baixo e avistou os guardas da sua mansão fazendo vigilância. Impunhavam armas de alto calibre prontos para recepcionar qualquer visitante mal intencionado. Olhando para frente, Jasper enxergou o reflexo da lua sob a água da enorme piscina no terraço. No céu, estrelas cintilavam sua glória livre de nuvens e uma cadente brilhou mais forte cortando o horizonte. Ouvindo os cães latiram em algum lugar da propriedade, Jasper deu alguns passos para o lado sul da sacada, mas os bichos estavam longe demais para vê-los. Era uma mansão gigantesca. Maior até que antiga propriedade da família. Ele havia vendido a antiga mansão da família e se mudando para esse condomínio luxuoso na área nobre de Seattle. A empresa também havia sofrido mudanças, o prédio antigo fora doado para uma instituição de caridade e agora a ValixBank ficava sediada noutro edifício.

Jasper se orgulhava das coisas que ele havia conquistado até ali. Ele tinha tudo em suas mãos. Dinheiro, fama e prestígio. A única coisa que lhe faltava e que na verdade, ele não via como um fator importante, era uma esposa. Fomentar essa ideia não fazia parte dos planos atuais de Jasper. Ele gostava de sua condição atual. A vida estava ótimo dessa forma. Solteiro e livre para se relacionar com quem quisesse e quando quisesse. As coisas funcionavam bem assim. Porém, ao que parece, seu modo de viver não estava sendo bem visto pela Alta Cúpula. Desde a última reunião anual com o Conselho, os filhos da puta haviam metido na cabeça que Jasper precisava de uma esposa, de alguém para lhe dar filhos e lhe gerar sucessores. Um líder precisa de herdeiros, seu legado precisa seguir adiante. - disse um dos conselheiros mais velhos.

Essa era uma questão preocupante.

Segundo fontes confiáveis, a Ordem iria recorrer às leis do Alto Escalão. No mínimo, Jasper teria um ano para apresentar um filho ao Conselho da Cúpula. Ou ele fazia isso, ou seria destituído do seu cargo atual na Ordem. Por esta razão, ele havia enviado Jordani a Chicago. Apesar de odiar a ideia, ele encontrou uma forma de apresentar um filho a Cúpula sem ter necessariamente que está casado. Agora, um mês após ter projetado esse plano mirabolante, ele só precisava saber se tudo havia ocorrido bem em Chicago...

Jasper teve seus pensamentos cortados quando o som de chamada do telefone tocou lá dentro do quarto, emitindo um som irritante. Ele não perdeu tempo e foi atender. Julgando o horário avançado, deveria ser algo de muito importante para alguém ligar para ele.

Quando pescou o telefone de cima do móvel ao lado da cama, o nome de seu fiel guarda-costas brilhava na tela e ele atendeu com um clique.

- Sinto muito Jasper, mas tenho más notícias. - disse a voz masculina, sem dar nenhuma saudação. - O plano não correu como planejado. - o tom saiu culposo.

Jasper apertou seu aparelho celular com raiva, e soltou uma maldição baixa, já tendo um vislumbre do que poderia ter ocorrido.

- O que você quer dizer com isso Jordani? - perguntou, sentindo sua irritação subir vários níveis.

Do outro lado da linha, Jordani respirou fundo e tomou algum tempo antes de falar. Jasper admirava as habilidades do seu fiel segurança, recordava das inúmeras missões que outorgara para ele e não tinha lembranças de alguma vez ter visto o homem falhar. Por que, obrigatoriamente, ele tinha escolhido esse momento para fracassar? Jasper não disse nada, todavia, e aguardou por uma explicação.

- Não sei como isso foi acontecer, mas a equipe que contratamos acabou utilizando a cobaia errada no experimento. Foi um incidente. Na noite da operação, houve uma falha nos registros e eles acabaram levando a garota errada para a sala de procedimentos. Eu sinto muito por isso. Talvez eu possa..

- Silêncio. - Jasper ordernou secamente. Sua cabeça martelava com a frustação batendo em seu crânio. Uma missão que deveria ter sido bem sucedida e acabava dessa forma. Ele só podia está sendo castigado pelos deuses. - Eu te dei uma tarefa simples para cumpir Jordani. Erros não eram permitidos. Tem noção do quanto às coisas mudam com isso? Quem foi a garota? Você já descobriu pelo menos que é ela?

Mil pensamentos passavam em sua mente. Uma falha como essa geraria consequências sem tamanho e, consequentemente, poderia diminiur sua moral perante aos outros da Ordem. Além do fato de que sua cadeira de honra poderia ser tomada dele. Jasper não poderia nem cogitar tal possibilidade.

- Felizmente consegui identificar a mulher. Ela mora no subúrbio de Chicargo. Peço desculpas mais uma vez, eu deveria ter supervisionado a operação de perto. A culpa foi minha.

- Não me diga o óbvio. Lógico que a culpa é toda sua por ser tão descuidado. - ele advertiu, tendo em mente que precisava agir o quanto antes para resolver o problema. Depois, ele lidaria com Jordani e seu fracasso vergonhoso. - Mas chega disso, não há mais como desfazer o erro. Infelizmente as coisas não saíram como pensei, mas nem tudo está perdido. Eu preciso que você coloque seus olhos nessa mulher 24 horas, dia e noite. Precisamos saber se o experimento deu certo antes de trazê-la para cá. Entende como isso é importante para mim?

- Sim senhor, eu mesmo cuidarei dessa tarefa. Não haverá mais falhas.

- Erros não serão tolerados Jordani. Fique ciente disso. - anunciou Jasper, com uma promessa ameaçadora em seu tom. - Lembre-se de me manter informado, eu quero saber de cada passo dessa operação. Recolha informações sobre essa mulher e envie para mim. E não se esqueça também que você precisa dá um jeito dela assinar o contrato de confiabilidade. É essencial que esse contrato seja assinado. Caso contrário a missão não será bem sucedida. Entendeu?

- Sim senhor. - respondeu Jordani. - Eu só tenho uma pergunta chefe. Caso o experimento dê certo, como vou fazer com que ela assine o contrato?

Jasper saiu do quarto e voltou para a varanda. O vento frio não incomodava mais do que a possiblidade de ter seus planos falidos.

- Isso não é problema meu Jordani, o erro foi seu, então trate de resolver essa merda! - respondeu ele de forma impaciente, irritado pela maneira que as coisas estavam acontecendo. Aquele plano tinha que dar certo. Seu sucesso dependia disso. Seu nome e seu poder estavam em jogo e a ideia de perder era insuportável. Foi então que ele parou para repensar melhor sobre a situação e decidiu aconselhar Jordani. Afinal de contas, o cara poderia agir de maneira insensata e isso colocaria tudo a perder. - Tente oferecer dinheiro. - foi o que sugeriu. - As pessoas sempre cedem mais fácil quando subornadas. Quinhentos mil dólares. Acho difícil alguém recusar uma soma de dinheiro tão grande assim. Se não funcionar, ameace a família, sequestre, não sei, dê um jeito.

- Entendido chefe. Farei como ordenando.

- E Jordani, - Jasper chamou antes de encerrar a ligação. - Seja cauteloso em seus passos. Meus inimigos tem informantes por todas as partes. É indispensável que ninguém saiba dos meus planos até o encontro com a Ordem. - ele explicou, tentando transmitir o maior nível de seriedade possível. - E em relação a essa mulher, procure ser o mais gentil possível. Vai ser um choque quando ela descobrir no que se meteu. - aconselhou. - Por enquanto é só isso. Aguardo notícias!

- Ok chefe. Até breve.

E a chamada foi encerrada.

Se antes Jasper desconfiava que o resto da sua noite poderia ser terrível, agora ele tinha certeza. Toda sua vida, todo seu empenho em mostrar ser o homem que seu pai sonhou estava em risco, ligado à uma mulher que ele não conhecia e não tinha o controle. E isso ele não aceitava. Se havia uma coisa que ele odiava, era não ter o controle da situação. Para Jasper, manter tudo e todos ao seu redor sob seu controle era como um mandamento no qual ele não poderia se dar ao luxo de quebrar. Seja lá quem fosse essa mulher desconhecida, ela também estaria nas rédeas de Jasper Dawntony. Era só questão de tempo.

|||***|||

Reuniões.

Eu as detestava. Mesmo compreendendo que eram um fator necessário no meio ao qual eu estava inserido, simplesmente odiava essa porcaria. Sempre os mesmos rostos reunidos em torno de uma mesa quadrangular, atentos aos percentuais e cálculos dos lucros mensais. Rostos gananciosos, olhares concentrados de pessoas que poderiam fazer qualquer coisa para alcançar seus objetivos. A maioria presente naquela sala mataria o pai ou mãe para conseguir mais poder. Insetos. Não é atoa que detesto cada um. Cada investidor, acionista ou executivo.

- E com essa margem, dá pra perceber que o percentual de crescimento dos nossos lucros subiu cerca de 25%. É um grande avanço em relação ao mês passado. Se continuarmos assim, fecharemos o semestre com excelentes resultados.

Soltei um pigarro atraindo a atenção de todos. A sala mergulhou em um silêncio tenso.

- Nossos lucros? - minha voz saiu zombeteira, quando decidi falar pela primeira vez. - Acho que você está trilhando por uma linha completamente equívoca, Ridley. É minha empresa, então são meus lucros.

Ridley, cuja a função era apresentar os gráficos financeiros nas reuniões, engoliu seco quando minha voz o atingiu. Ele ajeitou os óculos na base do nariz e olhou rapidamente para os demais presentes. Vergonha marcou sua expressão e fez seus olhos murcharem.

- Ou estou enganado? - questionei.

Ele engoliu seco mais uma vez.

- Jamais, Sr. Dawntony. Eu me expressei errado. Peço sinceras desculpas pelas minhas palavras.

- Está desculpado. Mas espero que isso não se repita outra vez. Nem da sua parte e nem de nenhuma outra pessoa aqui. - expliquei, fazendo questão de olhar para cada membro daquela diretoria. - Seja acionista ou investidor. Entendam que eu não preciso do dinheiro que vocês empregam na minha empresa. Nunca precisei. Eu fiz um favor a vocês aceitando aplicar seus bens financeiros nessa empresa. Sem mim, vocês não conseguiriam nada do que já conquistaram. Estamos entendidos?

Silêncio.

Olhei para cada rosto, esperando uma objeção, mas ninguém se manifestou contra. Notei que tanto as mulheres como os homens ali, sentiam medo ou não tinham coragem suficiente para se impor. Se fosse qualquer outro CEO de qualquer outra empresa no mundo, com certeza haveria um motim. Haveria meia dúzia de pessoas reclamando sobre autoritarismo e monarquia, mas aqui, na ValixBank Interprises, eu era a voz que comandava e não tolerava ser contrariado. Quando se chefia uma das empresas financeiras mais respeitadas do país e lidera o maior e mais poderoso clã mafioso de Seattle, dificilmente você vai ser confrontado. Embora eu precise reconhecer que casos raros desse tipo aconteciam esporadicamente, vez ou outra, algum espertinho tentava me desafiar, por alguma razão, haviam pessoas que pensavam tolamente que eu poderia ser insultado. Insetos rastejantes. Sempre eram silenciados. Eu não os deixava viver para se vangloriar de um dia ter me desrespeitado e saído impune. Eu era implacável.

Por esta razão, as pessoas em torno daquela mesa não ousavam agir contrário às minhas regras. Se me odiavam? Claro, eu não tinha dúvidas disso. Mas, semelhante ao pastor de ovelhas que sempre castiga às cabeças rebeldes do rebanho para ensinar as demais o seu lugar, eu não fazia diferente.

- Eu não vou perguntar mais uma vez se estamos entendidos.

Um coro de vozes se elevou.

- Sim, senhor. - todos disseram, em alto e bom som, enchendo meus ouvidos.

- Ótimo. Reunião encerrada.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022