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13/10/2015 – Day 29
Se vocês estão lendo esta entrada, significa que nossa missão foi um sucesso. Mas também significa que todos os esforços que a sociedade dispendeu para que ainda houvesse alguma esperança de salvação foram em vão...
Deixe a ideia de escrever esses diários e deixá-los apenas salvos nesse laptop para caso alguém o encontre.
Conseguimos conexão com a internet, que ainda existe, e passei a postar essas entradas como um blog, para quem quer que leia, saber que pode haver um meio de sobreviver.
Eu não imaginei que minha cidade demorasse tão pouco tempo para cair... Três dias, e tudo o que resta agora são focos de incêndio que ainda não foram apagados (e provavelmente só o tempo o fará), alguns milhões de pessoas fugindo da cidade (e se os deuses forem bons, elas vão morrer logo que atingirem a fronteira), e por último, mas não menos importante...
Mortos...
Mortos... Andando por aí...
E isso não é nada como eu havia pensado que seria...
Claro, houveram uns ataques, que levaram muitas pessoas a se transformarem, mas com toda a comoção das pessoas querendo sair da cidade, todo o caos dos mortos-vivos foi levado para os lados mais externos da cidade.
O centro está calmo e o prédio onde estou abrigado junto com Ana, que resgatei e tirei de casa antes que minha mãe pudesse botar os dentes nela.
Minha própria mãe, que eu encontrei enfiando os dentes no gato, que enfiava as garras na cara dela logo que cheguei... E tive que colocar uma bala na cabeça dela.
Eu achei realmente incrível o que Jenny e os outros fizeram naquele lugar, transformaram o prédio em lugar acusticamente isolado. Alex, Ash (apelido de um dos nossos) e os outros menores saquearam tudo o que puderam de todos os mercados dos arredores (no meio de toda aquela bagunça que, como fiquei sabendo depois pelo Lobo, começou um dia antes de nos encontrarmos...), enquanto os mais velhos buscaram toda água que conseguiram carregar, mas infelizmente, tiveram que se esquivar de alguns militares, e no interim, para minha surpresa, tiveram de matar alguns arruaceiros, para não serem roubados nem saqueados antes que pudessem chegar ao prédio.
Eu realmente não entendi como eles não sentiram o mínimo remorso ou a mínima vergonha de contar sobre isso, mas não ia discutir...
Afinal de contas, estou seguro, Ana está do meu lado, e conseguimos cumprir bem a missão de resgate, tanto na parte de tirar ela de São José dos Pinhais, quanto de conseguir extrair um amplificador de sinal de uma das torres de transmissão telefônica de lá.
Trouxemos o ampli para cá e colocamos no alto do prédio, assim teremos um bom sinal para conversar com nossos amigos que ainda estiverem vivos e quiserem se juntar a nós.
Além, claro, de finalmente termos conexão com internet.
O mundo acabou de acabar e a agora sim é a hora em que a merda bate no ventilador...
14/10/2015 – Day 30
When the sound goes boom
What you gonna do
Make a
Make a move
Motherfucker...
Pela primeira vez em uma semana eu posso realmente ouvir música em paz... Mesmo que a música esteja só na minha mente.
Ainda não é seguro ligar meus fones, e provavelmente nunca vai voltar a ser. Visto que de agora em diante nossa guarda tem de ficar sempre alta.
Mas foda-se, é legal brincar com uns molotovs sabendo que ninguém vai falar merda nenhuma...
O dia hoje começou daquele jeito indescritível, cheio de barulhos estranhos na primeira luz, isso claro, logo depois que coloquei os pés para fora do prédio. Ali, perto do shopping Mueller.
É engraçado dizer, mas minha rotina ficou absurdamente mais divertida depois de Curitiba ter ido à merda.
Ou pelo menos espero que continue assim...
Encontrei gente morta andando dentro do shopping quando estava subindo para ir até a praça de alimentação. Soa estranho porque parece normal, mas eu só fui lá porque estava morrendo de vontade de um cappuccino do Mcdonalds, e como ninguém mais usava a máquina, e não tinha ninguém lá para falar nada...
Bem...
Não preciso explicar mais, né?
Não dá muito trabalho achar facas por aí, tem uma loja, bem perto, e o que tinha lá dentro ainda estava pela metade no estoque. Até consegui uma Taurus PT100, calibre .45. Linda, e de uso restrito.
Vocês não conseguem imaginar o tamanho do meu sorriso quando coloquei minhas mãos naquela belezinha...
Mas o acesso restrito havia sido cortado, então qualquer coisa que as mãos podiam tocar, era liberada.
Sempre fui muito mais afim de lâminas, mas se eu encontrar um silenciador para essa criança, vou usá-la por um bom tempo...
É estranho ver tudo como está agora, e lembrar que até um mês atrás praticamente, tudo estava tão diferente. Tão cheio de vida...
Não que isso me importe, mas é bom às vezes liberar os pensamentos...
Só sei que por mais incrível que possa parecer, nessa manhãzinha de... Quarta-feira? Enfim, tudo o que existe ao meu redor me parece tão mais familiar.
Isso me assusta de certa forma...
19/10/2015 – Day 35 (Sobre segredos, calor e curiosidade...)
Desculpe demorar tanto para postar...
Tem alguma coisa acontecendo com a conexão de dados, e com a conexão pessoal também.
Dizem que se você não quer que descubram algo que fez, é preferível que não faça.
Pois é, meu caso não é tanto "não querer que não descubram", mas ainda assim, é um tanto mais complicado quando o mundo ao seu redor está desabando diante de seus olhos, e a única coisa que você pode fazer para não se tornar um monstro, é ser o mais sincero consigo mesmo e com aqueles ao seu redor, mesmo que sejam poucos...
O dia amanheceu meio ensolarado, meio quente, meio estranho, sabe?
Finalmente tomei coragem para ligar meus fones de ouvido por alguns minutos e ouvir um pouco de música enquanto Ana estava encolhida com as pernas sobre mim e o rosto confortavelmente apoiado em meu peito. Alcancei meu fone, que não estava muito longe, e liguei em um volume bem baixo.
Não devia passar das oito da manhã, e todo mundo estava dormindo, então não me dei ao trabalho de levantar, mesmo que a primeira coisa que eu tenha me acostumado a fazer tenha sido sair sem com que ninguém me ouça, pegar um par de machadinhas que encontrei perto do Passeio Público enquanto procurava qualquer caminho hábil para qualquer outro mercado ali perto que pudesse ter qualquer coisa útil para nós, e ir até o Mueller preparar um cappuccino.
Ao menos até que os suprimentos da loja acabassem...
Mas não foi o que fiz...
A música tocava bem baixinho em meus ouvidos, e aquela letra parecia uma massagem na alma, até eu começar a lembrar daquela noite chuvosa, e daquele soldado na fogueira.
Foi como um pesadelo acordado, e a sensação do peso confortável de Ana sobre mim, dormindo como uma criança, algo completamente inimaginável no meio de todo esse desastre... Por um segundo quase senti vontade de simplesmente vomitar toda aquela noite para fora de mim, mas não foi possível.
Então eu tive que acordá-la e levá-la comigo para um passeio...
'Não é perigoso sairmos sem os outros?' Ela perguntou, ainda com aquela expressão preguiçosa que eu tanto adoro ver.
'Pior que não. É exatamente por isso que estou te trazendo comigo. Eu sei me virar lá fora, e... Quero te mostrar, te contar uma coisa...' Falei, tentando sufocar o aperto em meu peito.
Atravessamos a rua cheia de escombros, carros virados e batidos, acidentados, alguns ainda em chamas por algum tumulto ou acidente que tenha acontecido durante a madrugada.
Coisas acontecem na cidade quando o Sol se põe, e vou começar a procurar respostas, logo...
Avistei logo à minha frente uns três cadáveres andarilhos vindo na nossa direção.
Certifiquei-me de que Carli estava segura atrás de mim e que não havia outros vindo em nosso encalço, e avancei com as machadinhas em punho. Passo-ante-passo, até uma das criaturas quase bafejar na minha cara, e ganhar um belo talho no topo do crânio como pagamento.
Os outros dois tentaram segurar meus ombros para me morder, então simplesmente dei um golpe com toda a minha força usando a ponta do cabo de uma das machetas na testa do que estava à minha direita. Como o zumbi que ganhou um buraco no crânio, aquele caiu feito um saco de batatas, me deixando com o terceiro e (com muita sorte) último cadáver para lidar.
Graças aos deuses eu estava com a minha gandola, e graças aos deuses de novo aquele tecido é reforçado, porque mais um segundo que eu demorasse com meu ombro ali e eu seria lanchinho uma hora dessas. Dei um puxão para frente com meu ombro, saindo num timing perfeito da mordida dele antes que ficasse forte demais, fiz do meu cotovelo um martelo e atingi em cheio sua testa, fazendo-o cambalear, enquanto eu fazia um ninho em seu crânio com a machadinha da mão direita.
Quando os três estavam no chão, menos de um minuto depois, virei-me para trás e olhei para Ana, que estava atrás de mim, um metro e meio, talvez pouco mais que isso, olhando para a minha cara com um misto de surpresa, orgulho e perplexidade, mas balancei a cabeça, num pedido mudo para que ela se mantivesse em silêncio, até que chegássemos ao shopping.
Não foi muito difícil, pois estranhamente os mortos ficam mais lentos em dias de calor e frio excessivos, como vim a descobrir ontem e hoje, em comparação com os dias anteriores, mesmo que isso não seja necessariamente um padrão.
Mas ainda assim...
Quando finalmente chegamos e entramos por uma fresta do portão na doca de serviço, recuperei meu fôlego forçosamente (os deuses sabem como é uma bosta você não poder resfolegar ou mesmo ofegar no meio de uma situação dessas. O corpo te cobra o preço disso depois da luta), e subi com ela para a praça de alimentação.
A ficha ainda não tinha caído completamente no meu cérebro sobre ali... O lugar estava tão deserto e desolado, mal dava para acreditar que o gerador ainda funcionava, mantendo tudo ali em cima conservado e comestível.
É estranho imaginar que ninguém tenha vindo tentar se refugiar aqui. Ou talvez até tenha, o que me lembrou de vasculhar melhor o lugar da próxima vez em que vier sozinho. E depois do que eu disse ali, era uma certeza que eu ia passar um bom tempo andando sozinho pela cidade até as coisas se acalmarem.
Então ela me perguntou o que eu precisava contar de tão importante, e como eu consegui cuidar daqueles mortos com tanta facilidade...
'Então, amor... É aqui que fica complicado...' ...
Day 35 pt.2 (Sobre finais, problemas e um pouco de solidão ser sempre saudável...)
Não preciso nem dizer que a reação dela se acentuou bem mais depois que eu falei aquilo né...?
A atmosfera estava tão densa que me lembrou aqueles vários dias em que eu voltava para casa.
Preferi ter que enfrentar os cães voltando para casa, mil vezes até...
Sabia que seria ruim. Sabia que o plano só funcionaria na parte de contar a verdade e ser sincero... Sou um ser humano fadado a cometer erros. E um deles é nunca conseguir fazer um plano cem por cento perfeito, ainda mais quando tem o fator humano do outro lado, no caso, além de mim...
Ela não chorou, e essa foi a pior parte.
Ela só me olhou, com um misto de frieza, perplexidade, e algo que parecia asco...
Talvez o asco tenha sido a pior parte. Não achei necessário.
Contei cada detalhe daquela noite, e mesmo enfatizando cada ponto, e demonstrando que eu não o matei simplesmente por prazer, mas sim porque senão seria eu naquela fogueira, ela pareceu não acreditar.
Provavelmente o ser humano tenha um gatilho social que dispare uma parede antirruído quando alguma palavra tabu é ouvida. Ou sei lá...
Ao menos ela foi compreensiva o suficiente para entender que deveria sair do shopping comigo, do contrário ela estaria em maus lençóis. Mas quando entramos novamente no nosso prédio, a única voz que cruzou o ar foi a minha ao dizer:
'Pode pegar suas coisas e mudar de andar, ou ir dormir com a Jenny se achar melhor e mais confortável... Só... Seja sensata e... Não saia por aí sozinha. Se em algum momento você me perdoar, ainda tem muitas coisas que você tem de aprender... E eu não creio que nossos amigos lá em cima possam te ensinar muitas delas. Então... Só seja sensata...'
Mas naquela altura ela já se encontrava ao pé da escada, e eu só me perguntava se ela tinha ouvido de verdade o que eu acabara de dizer, ou se ela só tinha escutado...
Nessa noite, eu não senti o peso confortável dela sobre mim, mas ouvi os sons de coisas se quebrando no andar de baixo.
Não havia muito que eu pudesse fazer além de deixá-la em paz no canto dela...
Meu sono não vinha, então decidi explorar mais a cidade. Ver o que encontrava pela frente.
Calcei meu coturno, coloquei a PT100 no coldre de peito que encontrei ainda na loja em uma das minhas saídas matutinas, coloquei as duas machadinhas na cintura e um par de facões muito bem afiados em duas bainhas que encontrei na mesma loja e prendi às minhas costas.
Desci sorrateiro, sem acordar ninguém, já com minha mochila de suprimentos bem presa nas costas, pressionando as bainhas com os facões contra minhas omoplatas, dando aquela sensação de segurança.
Tinha suprimento para uma noite ou mais ali. Água, barrinhas de cereal, uns miojos e alguns pacotes de biscoito. O suficiente pra me divertir um pouco.
Mas eu não sei se vou voltar para "casa" tão cedo. Ainda tenho umas coisas pra pensar e alguma curiosidade para matar...