Eu sei que não é loucura da minha cabeça e que ele me olhou com desejo. Eu não sou pretensiosa, mas sei que sou bonita e não é por passe de mágica. Eu me cuido, faço exercícios físicos e tento me alimentar bem. Ter uma boa imagem foi tudo o que me restou. Por dentro eu sou vazia, mas por fora demostro ser feliz e estar sempre bonita é um trunfo para aparentar estar bem. Sei que devia procurar ajuda profissional, mas o ódio me consumiu de uma forma tão grande, que desisti de lutar.
Eu não me lembro mais do nome do cara que está na minha frente, mas não me importaria em dar uns beijos nele, ainda bem que ele está saindo, senão o clima ia ficar ainda mais quente entre nós.
Nunca fui assim. Eu era recatada e sonhava com um amor, mas agora sei que isso tudo é besteira.
O Bruno acabou de voltar com o Pivete. Foi uma sorte o cara do celular não estar mais aqui perto de mim, senão o Bruno iria saber que eu estava olhando para ele com malícia e tudo o que eu não preciso é de um homem ciumento na minha cola.
O Bruno voltou para casa comigo e foi tomar um banho. Eu vi que tinha sangue nas suas mãos e que elas estavam vermelhas. Com certeza ele bateu em alguém e como tinha ido na casa do Menor para esclarecer o fato dele estar desenrolando com a merda de um policial, deve ter no mínimo quebrado a cara dele. Não gosto de violência, mas não posso negar que não senti nem um pingo de pena do Menor. A polícia só quer destruir o povo pobre e sofrido da favela e é preciso manter eles longe de nós.
Quando ele saiu do banheiro, enrolado na toalha, percebi que ele estava excitado e me olhava com vontade. Eu nunca gostei muito de ter relações. O Bruno foi o meu primeiro e único homem. Ele se aproximou, me beijou, me jogou na cama e deitou sobre mim.
Eu cedi. Como sempre, fingi que tinha chegado ao meu ápice. Eu sabia que era loucura o fato do Bruno nunca ter conseguido me satisfazer, mas no fundo achava que o problema era comigo.
O sonho do Bruno era ter um filho comigo, mas eu não queria ter uma família. Eu era uma pessoa destruída, que morava com um traficante procurado. Sabia que o nosso destino não era o dos melhores e não ia colocar uma criança no mundo para sofrer.
As mulheres falavam que eu era doida por isso, já que o sonho de qualquer novinha era de engravidar do chefe e viver uma vida boa às custas dele.
Realmente dinheiro não era problema para o Bruno, ele tinha tanta grana que não sabia como gastar, já que a gente não podia descer da favela. Nossa casa era simples por fora, mas extremamente luxuosa por dentro. Não perdia em nada para as casas de bacana que a gente via na televisão. Eu sabia que o Bruno ficava com outras mulheres de vez em quando. Ele era poderoso e elas se esfregavam nele, mas eu não me importava, pois sabia que ele sempre voltava para mim e se um dia não voltar, não tem problema, eu quero que ele seja feliz, mas sei que no fundo, mulher nenhuma me supera. Ele é louco por mim e mesmo depois de três anos, toda vez que fica comigo, fica com um sorriso bobo no rosto.
Quando a gente desceu do quarto para a sala, me deparei novamente com o... droga, como é o nome dele mesmo? Renan, Raul... sei lá, o cara do celular e fiquei constrangida. Eu estava com os cabelos molhados do banho, bem como o do Bruno. O idiota do Pivete começou a zoar o Bruno dizendo que agora ele estava leve e caindo na risada. Eu já estava acostumada com essas brincadeiras idiotas, mas fiquei com vergonha do cara.
O Pivete disse que eles tinham vindo para o almoço, pois soube que teria comida de verdade naquela casa pela primeira vez no mês e eu aproveitei a deixa e fui correndo para a cozinha preparar a comida, assim ficaria longe dos olhos daquele homem que toda vez que me olhava, parecia que arrancava um pedaço meu.
Renato
Depois que o Coringa saiu com a primeira-dama dele, apareceu uma mulher muito bonita que queria falar com o chefe e como ele não estava, o Pivete levou ela para um quarto.
Pouco tempo depois, deu para ouvir os gemidos, que eles não faziam questão de abafar, bem como o ranger da cama no chão e as batidas na parede.
Menos de vinte minutos depois, a mulher sai se arrumando, com o Pivete logo atrás e dá uma piscada para mim, que dou um jeito de desviar o olhar.
A louca vem procurar o chefe, dá para o amigo e braço direito dele e depois ainda tenta flertar comigo. Se ela não tem medo da morte, eu tenho.
Quando ela deixa a casa que funciona como a boca, eu olho para o Pivete e como sinto que tenho abertura com ele, pergunto:
__Quem é essa mulher?
__Por que quer saber? Está interessado?
__Não sou louco. É porque ela chegou procurando pelo Coringa e depois foi com você, sei lá. Fiquei confuso.
O Pivete caiu na gargalhada e disse:
__Ah, Renato! Você é um comédia mesmo. Essa mulher é uma interesseira. Veio atrás de dinheiro e droga. De vez em quando o Coringa pega ela, mas ele não está nem aí se depois mais duzentos caras vão pegar ela também. Ele não liga. Come e dá o que ela quer, quando não está afim, passa para mim ou para quem estiver na boca. A fiel dele é a Linda. É só com ela que a tropa não pode mexer, senão ele mata a gente. É bom que você já fica avisado, se tiver vontade para o lado da Linda, corta o seu pau fora, mas não tenta enfiar ele nela, tá certo? Agora se arruma aí, vamos para a casa do Coringa, ficar com essa periguete me deixou cheio de fome e a Linda vai fazer comida.
__Mas será que ele não vai se incomodar se eu for?
__Claro que não, você agora é parte da tropa.
Eu fiquei satisfeito pelo convite, estava prestes a entrar na toca do lobo e conhecer melhor como funciona o seu esquema de segurança e as suas movimentações.
Quando a gente chegou, bati de frente com o Coringa e a primeira-dama dele. Eles estavam com os cabelos molhados e pela cara dele de satisfação e a dela de vergonha, eles estavam se pegando no quarto. Eu me senti estranho, como se estivesse com inveja dele. Até parece, ter inveja de bandido...
Quando ela saiu e foi para a cozinha, me senti mais aliviado e a tensão que tomava o meu corpo foi passando aos poucos.
A gente começou a conversar sobre uma carga de droga que estava para chegar. Não era algo que me interessava por um todo, já que aquilo era coisa pouca, mas saber a forma que ele operava era uma preciosidade para a corporação, mas ainda não podia falar nada, pois se eles se precipitassem eu estaria morto.
O Coringa começou a preparar algumas carreirinhas de droga e passou para o Pivete, que aspirou um pouco e depois ele e logo passaram o prato para mim. Eu tentei dizer que estava parando, mas eles insistiram e eu por um instante, não soube o que fazer.
Eu era um policial disfarçado e não um criminoso, então, vendo que os dois estavam já bem alterados pela droga, peguei o prato, me abaixei e em uma manobra rápida, puxei o pó do prato com o dedo e o descartei no bolso. Quando me levantei, fingi que havia me drogado e percebi o olhar de aprovação deles.
Quando a Linda terminou de fazer o almoço, nos sentamos na luxuosa sala de jantar deles e comemos. Era muito estranho estar ali, sentado com o meu maior inimigo, aliás, o maior inimigo do estado todo, já que além de levar droga pelo estado todo, ele era também um assassino cruel.
A gente estava no final da nossa refeição, que por sinal, estava maravilhosa, a danada da mulher cozinhava muito bem. Eu estava muito mais tranquilo, pois consegui desviar o meu olhar dela na maior parte do tempo, de repente, o rádio do Pivete começa a tocar insistentemente e a gente começa a ouvir barulho de tiros, a boca rival estava fazendo um ataque no território do Coringa e pelo visto estavam bem próximos.
Eu percebi o olhar de desespero da Linda, que meio que teve uma crise de pânico, mas o Coringa olhou nos olhos dela e disse alto:
__Beatriz, não é a polícia! Aqueles vermes nunca mais vão encostar as mãos em você.
Fiquei confuso com aquilo tudo, mas não era o momento para aquilo, em alguns minutos eu poderia estar morto. Queria muito estar com a minha arma agora, pois com ela eu me garantia.
O Coringa pegou um armamento pesado e se aprontou para sair com o Pivete e me perguntou:
__Sabe mexer com arma?
__Muito pouco, quase nada.
Tive que mentir, como ia explicar que tenho treinamento profissional, além de ser o melhor da minha turma com as armas? Era melhor pagar de inexperiente.
Ele então pegou duas pistolas e entregou uma nas mãos da Linda, ou Beatriz, não sei e uma nas minhas mãos, bem como um rádio.
__Proteja ela com a sua vida. Vá para um esconderijo que tem no meu quarto e só saia de lá quando eu passar o rádio.
Não seria um problema para mim proteger uma mulher. Eu podia querer prendê-los, mas não era tão cruel ao ponto.
Os dois saíram correndo e pudemos ouvir o tiroteio acontecendo.
Linda me levou para um quarto secreto, blindado e à prova de sons, que só dava para chegar até ele por uma passagem secreta atrás da cama deles. Era um esconderijo perfeito. Se eu não tivesse visto, nunca imaginaria.
Linda estava apavorada. O lugar era pequeno, devia ter no máximo dois metros quadrados, o que nos obrigou a ficar bem próximos. Eu queria abraçar aquela mulher e a tranquilizar, mas seria um ato muito ousado, ainda assim, tentei conversar um pouco com ela.
__Ei, vai dar tudo certo. Daqui a pouco você vai estar bem novamente.
__Eu nunca mais vou ficar bem... Não importa o desfecho disso. Eu detesto ficar aqui, parece que o ar está acabando.
__Calma, tem ar suficiente para nós dois aqui. Tente respirar fundo, vai te ajudar a relaxar.
Eu me sentia um pervertido, pois mesmo com o risco de morrer, não conseguia tirar o olho daquela mulher. A forma que o seu corpo se movia por causa da sua respiração estava quase me matando. Eu precisava colocar a minha cabeça no lugar, pois só pensava em beijar a sua boca.
__Achei que você já fosse acostumada a esses ataques. Não é algo comum aqui?
__O Bruno faz de tudo para não acontecer, pois sabe que eu tenho trauma.
__Bruno e Beatriz. Esses são os seus nomes?
Ela me olhou rapidamente e disse:
__Já foram no passado. Agora eu só uso o vulgo que o Coringa me deu: Linda. Gosto da ideia de ter uma vida nova.
__O nome combina com você.
Droga! Aonde estou com a cabeça? Cantei a mulher do chefe!
Ela me olhou e ao invés de agradecer, perguntou:
__Qual é o seu nome mesmo? Não posso te chamar de cara do celular, né?
__Renato.
__Isso! Renato. Quase me lembrei.
__Você está mais calma agora?
__Não muito, mas preciso fingir.
__Vamos fazer um acordo então? Seja você mesma. Não precisa fingir ou se esconder na pose de primeira-dama destemida. Prometo que não conto para ninguém.
Ela abriu um doce sorriso para mim e respondeu:
__Como posso acreditar em um homem que encheu a cara de droga há pouco tempo?
Eu ri, ela era esperta e por isso contei a ela um pequeno segredo.
__Eu não usei, mas o seu marido e o Pivete não iam me deixar em paz até que eu usasse, por isso, escondi no bolso.
Mostrei a ela os resquícios de pó no meu bolso e ela me olhou incrédula.
__É difícil ver alguém da tropa que não use drogas. O Bruno, aliás, Coringa, quase nunca está puro de tudo.
__E você, usa?
__Não, nem de bebida eu gosto. Prefiro estar sempre consciente.
__E como você relaxa?
Droga, fui indiscreto novamente, essa mulher está me deixando doido.
__Você não acha que está querendo saber demais?
__Desculpa, é porque estou nervoso. Não me leve a mal.