Assim que deixo o quarto e passo pelo corredor onde há pouco tempo tinha um cara morto, sinto o meu corpo arrepiar. Tem horas que fico cansada disso tudo e desejo ter uma vida normal, longe de toda essa guerra, mas me lembro que esse é o meu destino e me conformo.
Para a minha surpresa, quando chego na cozinha, encontro o Renato tomando um copo de água, ele estava sem camisa e o seu corpo bem definido estava à mostra para quem quisesse ver. Como ele era bonito! Assim que ele percebeu a minha presença, se assustou, parecia que tinha visto um fantasma em sua frente. Eu me lembrei que nem tinha agradecido ele por ter me salvo e resolvi encerrar a minha dívida naquele momento em que ele começou a falar comigo.
__Desculpa, Linda. Não sabia que você ia vir aqui. Não queria atrapalhar, mas não consegui dormir direito e vim tomar um pouco de água.
__Você não me incomoda, também não estou conseguindo dormir. Está com fome? Vou improvisar alguma coisa para a gente comer, aí eu aproveito para te agradecer por ter me salvado hoje.
__Eu estou faminto, dessa vez não vou recusar, mas o agradecimento eu dispenso. Não é necessário, fiz mais que a minha obrigação.
__Eu não acho que é a sua obrigação me salvar, pelo menos deixa eu saciar a sua fome como agradecimento.
Quando eu percebi que o que eu disse estava carregado de duplo sentido e que o cara mal conseguia me olhar, fiquei vermelha. Droga! Eu não queria dizer que ia dar para ele e sim que faria um lanche para o estômago. De qualquer forma, ele se fez de desentendido, apesar do seu corpo gritar que me desejava.
Por sorte, havia sobrado bastante comida e eu dei um jeito de incrementá-la e em pouco tempo tínhamos um jantar.
Eu não pude evitar olhar para ele e por um momento os seus olhos se encontraram com os meus. Apesar de ser um ex-viciado e trabalhar para a boca, aquele homem tinha uma seriedade e firmeza de impressionar.
Renato
Eu estava com fome e resolvi tomar um copo de água para acalmar o estômago. Eu era um policial, passar uma noite sem jantar não era o fim do mundo para nós. A única coisa que estava me preocupando era que eu precisava acessar o sistema pelo menos duas vezes ao dia. Era uma espécie de ponto eletrônico, que garantia à corporação que eu estava bem. O meu medo era eles invadirem o morro atrás de mim, seria trágico e colocaria todo o meu trabalho no lixo. De qualquer forma, não tinha o que ser feito, pois o Coringa exigiu que eu ficasse ali naquela noite. De repente, para piorar a minha situação, aquela mulher maravilhosa, que estava acabando com o meu juízo, aparece na cozinha. Eu não nego que me imaginei jogando ela em cima daquela mesa e a possuindo. A cada momento que passava a minha vontade por ela crescia, assim como o meu corpo que dava sinais do desejo. Eu estava sem camisa e quase morri de vergonha que ela visse o meu estado em apenas vê-la, ainda mais depois que a gente se encarou.
Depois que ela começou a conversar comigo e tentou me agradecer por ter a salvo, fui ficando mais calmo e conseguindo controlar a tensão em meu corpo. Porém, depois que ela disse que iria matar a minha fome, eu pirei. Eu sei que a gente estava em uma cozinha, mas droga! Ela estava tão provocante com aquele shortinho e uma camiseta branca, que não tinha outra fome que ela pudesse matar que não fosse a do meu corpo, que a queria ardentemente.
Eu me esforcei muito, mas muito mesmo para não puxá-la pela cintura e lhe pedir um beijo, mas por fim consegui me controlar e ela se afastou para arrumar algo para a gente comer.
O cheiro da comida estava ótimo e depois que ela serviu os dois pratos e nos sentamos frente a frente e começamos a conversar sobre a vida e ela me contou um pouco do seu passado. Por mais que eu quisesse ela na minha cama, precisava saber mais dela, pois possivelmente ela também era tão criminosa quanto o marido e no fim também deveria ser presa.
Linda
Depois que a gente começou a conversar, me senti à vontade para contar para ele sobre o meu passado. Ele parecia curioso com o fato de eu ter ficado tão nervosa com aquele ataque, já que não era nada incomum na vida de mulher de dono de morro, que acabei dizendo:
__A minha vida acabou há três anos atrás, quando a polícia invadiu a favela e matou os meus pais. Eles eram pessoas boas, que me incentivavam a viver o meu sonho. Eles não tinham nada a ver com esse mundo, mas a polícia não se importou com isso e num confronto com o Coringa, atirou em tudo que estivesse vivo. Eu só lamento não ter ido com eles. É por isso que entro em pânico quando essas coisas acontecem.
__Eu sei que não ia resolver muito, mas por justiça, você poderia ter denunciado os policiais.
__Mas eu fiz isso, o problema é que não deu em nada. Eles saíram pela porta da frente do tribunal, inocentes, condecorados e eu não tive nem acesso ao processo. A partir daquele dia, eu jurei que se a polícia estivesse de um lado, eu estaria em outro. Tenho nojo de quando vejo os vermes subindo a nossa comunidade. Eu fiquei sozinha, o único que me ajudou e acolheu foi o Bruno, vulgo Coringa. Por isso, por mais que ele faça coisas erradas, permaneço do lado dele.
__Ele deve ser o amor da sua vida, né?
__Eu já disse que sou uma pessoa destruída, não sou capaz de sentir nada que não seja medo e dor. Eu respeito o meu marido e sou capaz de dar a minha vida por ele, mas...
__Mas e amor e prazer?
__Acho que isso está íntimo demais, coma e vá descansar, que eu vou fazer o mesmo, de qualquer forma, obrigada por estar ao meu lado quando eu precisei, além de ter sujado as suas mãos de sangue por mim. Nunca vou esquecer isso.
Renato
Assim que a Linda saiu da cozinha e voltou para o seu quarto, eu limpei a louça, pois não queria explicar para ninguém que estava sozinho de madrugada com aquela gostosa, que era mais perigosa que uma bomba e fui deitar no sofá para tentar dormir.
Porém, o que não saía da minha cabeça era a história de vida da Linda. Pelo o que eu entendi, ela só estava com o Coringa porque a polícia matou os pais dela e ela meio que foi adotada pelo tráfico e claro que o bandidão esperto deu logo um jeito de levar ela para a cama dele. Ainda assim, tem coisa estranha aí e eu vou descobrir.
Outra coisa que me atormentava era a possibilidade daquela maravilhosa ter se sentindo ofendida com a minha pergunta e contar para o marido, mas eu não resisti. Agora, dane-se! O que foi feito, foi. Não dá para voltar atrás.